Sexta-feira,20demarçode2020|Valor| 29CHARLES PLATIAU/REUTERSMas os arqueólogos chegaramaoutra conclu-
são.EssepovoveiodaMelanésia.Erampescado-
res,que chegavam de barco. Mas juntovinham
ratos. Os ratos destruíram os recursos da ilha,
incluindo as árvores, de cuja madeira eramfei-
tos os barcos. Os pescadoresnão podiam mais
pescar, mas sobreviveram, porque tinhamo
que comer: os ratos. Éumexemplo de adapta-
ção.Maséummodeloquequeremosseguir?
Valor:Fala-seemcomerinsetos.
Dupuy:Defato!
Valor:Depoisde 40anos,o senhoraindapen-
sa nofimcomumgemido?
Dupuy:Os estudiosos do climaveem três ti-
pos de solução: mitigação,reduzindo as emis-
sões. Tarde demais. O sistema tem inércia e,
mesmoseparássemosdeproduzirCO2agora,o
que estána atmosfera continuaria por séculos.
Adaptação:hámuitagentedizendoqueépreci-
so pensarem comovamosnos adaptar. Na
França, serão verões de quatromeses acimade
40°C. Aterceira categoriaé ageoengenharia,
queéadesmedidacompleta.Lançarnanopartí-
culas nasnuvens, pararefletiros raios de sol,
impedindo que aqueçam a terra. A alternativa
mais verossímil é aadaptação, mas a condições
cada vez mais duras. A não ser que essa adapta-
ção provoqueum volume tal de conflitos que
leveàguerra.Aí, acatástrofe seria maisrápida.
Vamoscomerratos,nosentidofiguradoetalvez
no denotativo. Ou insetos. Eu prefeririainsetos,
àmodamexicana.Questãodegosto.
Valor:Tem-sedebatidonosEUAo pesodasati-
tudesindividuaisnasustentabilidade,já queo
efeitoéirrisórioemcomparaçãocomos grandes
poluidores.O quepodeo indivíduo?Dupuy:Na Califórnia, aprendi a gerirmeu li-
xo, separando entre quatro ou cincotipos. Éo
civismo que deixou Alexis de Tocqueville admi-
radojáem 1835.Ele ochamoude democracia
do cotidiano, que educaas pessoas. Ao mesmo
tempo,ot amanhodisso éridículo se compara-
do com os fenômenos enormes que causam a
mudança climática.Os EUA, com ogás de xisto,
fizeram cair opreço do petróleo. Odesenvolvi-
mento das energias renováveis se tornouinviá-
vel. É o mesmo país: tem a democracia do coti-
dianoeprocessosenormesnosentidooposto.
Valor:Essasduasesferasdialogam?
Dupuy:Certamente. Por exemplo,opresi-
denteda França,EmmanuelMacron,se apre-
sentacomomoderno,mastinhapoucasensi-
bilidadeparaa questãoecológica.Agora,
comtudoque está se passando,mudoude
atitude.Pode ser por razõespuramentepolí-
ticas,maseleéforçadoaseguirofluxo.
Valor:O ambientejá foitemadeencíclicapa-
pal.É umsinalde mobilização?
Dupuy:Opapa me impressionapositiva-
mente.Temo que possaacabar sendoassassi-
nado,porqueprovocareaçõesfortesnaIgreja
[Católica].Ele afirmou que a merapossede
armasnucleareséumacatástrofemoral.Mes-
mo sem usá-las.Há 30 anos,o Vaticanoacei-
tava o princípioda dissuasãopara garantira
paz. Comesse papa,estamosevoluindorápi-
do.Anopassado,estivenoVaticanoparauma
reuniãosobreamudançaclimática. Lá estava
ocardealPeter Turkson,de Gana,que escre-
veu a encíclicaLaudatoSí, em colaboração
com Naomi Klein,jornalista canadense.Ela
defendequenãohásoluçãoparaoclimasem
sair do capitalismo.Concordo, temosque
produzireconsumirdeoutramaneira.
Valor:Quantodoqueconsideramosumavida
normalteriaquemudar?
Dupuy:Nosanos 1970, trabalhei com Illiche
Gorz,fundador da ecologia política.Naépoca,
criamos o termo “ecofascismo”. Previmos que
viria um governo autoritário, porque só isso se-
ria capaz de levar adiante a mudançade modo
de vida e de produção. Voudar um exemplo
pessoal. Tenho vínculos profissionais e afetivos
nos EUA eno Brasil. E seria um terror se limitas-
sem o número de milhas que eupoderia viajar
por ano.Euteria que renunciar aver minhafa-
mílianoBrasil.Cadavezmaisgentepensanisso.
Aliás,viajarpornavionãoémuitomelhor.
Valor:O senhoraindapensaquenãohaverá
mudançasemecofascismo?
Dupuy:A tendência éum aumentodas
proibições.
Valor:O problemanãoestánasviagensde ca-
daum.Háumsistemadeproduçãoemqueas
cadeiasdevalorsãoglobaiseéprecisosempre
expandir.
Dupuy:Sim,osistemaprodutivoéograndeFilósofo Jean-Pierre Dupuycritica pensadores“colapsólogos”,quefalamsobre o fimdomundojá em 2030
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