Valor - Eu & Fim de Semana (2020-03-20)

(Antfer) #1

8 |Valor|Sexta-feira,20demarçode


Buiter). Estimativas que apontam para
umaretraçãomundialencorparamdefor-
ma robustaao longodestasemana.Em ter-
mostécnicos,umarecessãoinstala-seem
um país quandoo ProdutoInternoBruto
(PIB)registranúmeros negativos por dois
trimestres seguidos.
RichardKozul-Wright, diretorda Divisão
de GlobalizaçãoeEstratégiasde Desenvol-
vimentoda Conferência das Nações Unidas
sobreComércioe Desenvolvimento(Unc-
tad),observa que, paraa economiaglobal,
a contração ocorrequandoo crescimento
fica abaixode 3%, medidoem PPP (parida-
de do poderde compra),ou é inferiora
2,5%em termosnominais em um ano.
“Combase nessasmedidas,oquadroreces-
sivo é certoem 2020”, diz.
Um dos principaiseconomistas da Unc-
tad, Kozul-Wrightindicarana semanapas-
sada que, sob o efeitodo novocoronavírus,
a economiaglobal poderiacrescer2% nes-
te ano, registrando perdasde US$ 1 trilhão
em todoo mundo. Em um segundocená-
rio, o avançoseriade minguado0,5%,ante
taxa de 2,6% em 2019.Oimpactonegativo
dessafrenagemcustaria US$ 2 trilhões.Ko-
zul-Wrightfrisouaindaque, entre117 eco-
nomiasem desenvolvimento,pelo menos
um quintoencontrava-sealtamentevulne-
rável aimpactos econômicos negativos
provocados pela pandemia. De lá paracá,
as coisassó pioraram.
Tantoéassimquegrandesinstituições
financeiras estãocorrigindosuas previsões
sobreofuturoeconômico do planeta —e
as alteraçõesapontamparabaixo.OGold-
manSachsrevisouaestimativade cresci-
mento mundialde 1,2% para0,4% em
2020.Nessecaso,oPIB americanonão sai-
ria do zerono primeirotrimestree cairia
5% no segundo.
Os economistasdo bancode investimen-
tos observaram que a “incertezaem torno
dessesnúmerosémuito maiordo que a
normal”.Ouseja, há espaçopara asituação
piorar. Frentea tais fatos,o presidentedos
EstadosUnidos, DonaldTrump, mudoura-
dicalmente seu discurso. Em vez de atri-
buir um papelsecundário ao novocorona-
vírus,ele o transformouem protagonista
de umarecessão.Trumpadmitiunestase-
manaque a pandemiapodedurarmesese
derrubarfeio o produtoamericano.
OBrasil não foge àregra.OCreditSuisse
cortousua projeçãoparao desempenho
do PIB brasileirode 1,4% para 0% em 2020.
O cenário-baseé de recessão técnicanos
seis mesesiniciaisdesteano,com contra-
ção de 0,1% no primeirotrimestree de 1,6%
no segundo.Um representante de desta-

Márcio Hollandde


Brito(daFGV)dizque


é fundamentalo


Estadodebem-estar


social funcionara todo


vapor: “Nãoé


ideologia”


trás de tais medidasé aantítesede tudo
que impulsionaocrescimento econômico,
aevoluçãopositiva do emprego,aproduti-
vidadee a estabilidadefinanceira.
“Economiase governosmodernossão
construídosparaa interconectividadee a
integração”,escreveuMohamed El-Erian.
“A respostada saúdeencerraráum setor
econômico apóso outro. O resultado será
não apenasa ‘desglobalização’ ea‘desre-
gionalização’, mastambémaparalisação
maciçanos níveisnacionale local.”
Essa é aarmadilhados dias correntes. Pa-
ra sobreviveré precisodesmontarum siste-
ma que ganhaeficáciapor meioda cone-
xão. Para especialistas, fugirdesse novo
princípiodo isolamentorepresentaum tre-
mendoerro. BarryEichengreen,da Univer-
sidadeda Califórnia,considera que esse foi
oprincipalequívococometido pelo gover-
no americanonos primeirosmomentos do
combate àcovid-19. “Noinício, acredi-
tou-seque se tratava de um problema chi-
nês”,afirmaoeconomista.
Ele observaque opresidenteTrumppen-
sou que barrariaaentradada doençana
imigração, restringindoas viagensentreos
EstadosUnidoseaChinaou aEuropa.“Se
você achaque podeevitara importação do
vírus,vai cometeromesmoerro das autori-
dadesamericanas.”Dessa leituraincorreta,
acrescenta Eichengreen,decorreramenga-
nos em série.Eles incluírama lentidãoem
adotar“políticasde distanciamento”ou a
demoraem ampliara capacidadede hospi-
talizaçãode pacientes.O resultado,nota o
acadêmico,foifortaleceraatualperspectiva
de“umaprofundarecessão,quepoderáafe-
taromundointeirodeformanegativa”.
Oisolamento,uma armacrucialpara re-
tardara propagaçãodo vírus,provocaain-
da dois choquesna economia global.Por
um lado, interrompe a ofertaà medidaque
as fábricasnão conseguemproduzir,quer
por falta de componentesoriundosda Chi-
na, quer pela ausênciade mão de obra,reti-
da em quarentenas.Por outravia, atacaa
demanda, umavez que os consumidores,
mesmoquandopodem,não circulampara
comprar, viajarouiraespetáculos.
ComoobservaEl-Erian,esse éotipode
problemacomumem paísesfrágeis,atingi-
dos por grandesdesastresnaturais,mas al-
tamente incomumem economiasavança-
das.“Trata-sedemaisumapeculiaridadedo
momentoatual”, diz José Júlio Senna,chefe
do Centrode EstudosMonetáriosdo Insti-
tuto Brasileirode Economia da Fundação
GetulioVargas (Ibre/FGV),no Rio.“Vivemos
sobdoischoquessimultâneos.”
Os governos,em geral,e os bancoscen-

que do sistema financeiro,que preferiu
não se identificar, diz acreditarque o bura-
co podeser maisfundo.Ele consideraque
os percentuaisserãonegativosem boa par-
te do ano tantono Brasilcomono restante
do mundo.Aos poucos,diz ele, todasas es-
timativas vão convergirnessadireção.
Eopessimismodos agenteseconômicos
foi além.Ele alcançouos prognósticosde
recuperaçãoda atividadeglobal.Até recen-
temente,as previsõesapontavam para uma
retomadaem “V”dos negóciosinternacio-
nais.Isso quer dizerque poderia haver
umaquedabruscanos primeirostrês me-
ses do ano, masela seriarecompensada
por umarápidaascensãono segundotri-
mestre.Agora,já se visualizaumaretoma-
da comcontornosem “U”. Ou seja,com
uma melhoramaislenta.
Comoadvertiuoempresárioamericano
Mohamed El-Erian,integrantedo conselho
da Allianz,em artigopublicadonestase-
manana revista “ForeignAffairs”(“TheCo-
mingCoronavirusRecession”),talvezjá es-
teja na horade os analistaspensaremem
desenhossemelhantesao “L”(com um re-
tornobemdemorado),ou mesmo, em “I”
(comumafortederrocada, sem perspecti-
va imediatade recuperação).
“Na verdade,não temoscomoprevero
que acontecerá”, diz MárcioHollandde
Brito, professor na Escolade Economiade
São Paulo da Fundação Getulio Vargas
(FGV-Eesp).“As incertezasaindasão muito
grandes,e oproblemaque enfrentamos
não é somenteeconômico.”
O fato é que o mundovive uma situação
insólita.Até aqui,a formamaiseficazde li-
dar como novocoronavírus,batizadode
Sars-CoV-2(covid-19éonomeda doença
respiratóriaque ele provoca),preconizao
“distanciamento social”. Assim,todosde-
vem evitarquaisqueraglomeradoshuma-
nos e o fechamentode fronteirasse gene-
ralizapelo planeta.Ocorreque a lógicapor

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