O Estado de São Paulo (2020-03-22)

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A10 Política DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


VERA


MAGALHÃES


O


que mais tem-se visto na cri-
se global de proporções de-
vastadoras decorrente da
pandemia de coronavírus são de-
monstrações individuais e coletivas
de empatia. Essa capacidade do ser
humano de se preocupar com o ou-
tro e se sacrificar pela sociedade se-
rá um dos poucos legados positivos
dessa distopia com a qual todos nós
temos aprendido, um dia depois do
outro e com muita dor, a conviver.
Mas o comportamento oposto, a
sociopatia, também ganha relevo
em tempos de exceção. E se torna
ainda mais preocupante quando se

manifesta, em gestos, palavras e deci-
sões, nos responsáveis por comandar
os destinos de grupos. Quais são as ca-
racterísticas dos sociopatas? Existem
algumas que são universais.
Uma delas é a propensão à mentira.
A distorção de dados e da realidade pa-
ra descrever as próprias ações são mu-
letas usadas pelos sociopatas, a forma
como eles tentam esconder essa sua
condição, mas por meio da qual aca-
bam por ressaltá-la.
Os sociopatas se distinguem pela total
falta de vergonha, arrependimento ou
culpa. Mesmo quando flagrados fazendo
algo condenável ou que tenha sido con-

traindicado, inventam subterfúgios, jus-
tificativas, jogam a responsabilidade pa-
ra o outro e reafirmam, com arrogância e
despreocupação, os próprios gestos.
A terceira característica de um socio-
pata é a completa falta de empatia. Ele
é incapaz de se colocar no lugar do ou-
tro, demonstra frieza ou mesmo debo-
che em relação à dor e aos problemas
daqueles com os quais não se identifi-
ca ou não tem relação, e coloca os inte-
resses próprios e daqueles que lhe são
próximos acima dos demais.

A habilidade de manipular é outra
característica que a literatura reconhe-
ce nos sociopatas. Esse “dom” decorre
justamente da capacidade de mentir e
falsear a realidade. Quando pego na
mentira, o sociopata se vitimiza e ten-
ta virar o jogo culpando outros ou fin-

gindo arrependimento.
O comportamento explosivo é co-
mum aos sociopatas. Ele decorre justa-
mente da falta de empatia. Quando ques-
tionado ou contrariado, o sociopata ten-
de a explodir e agredir o outro, pois não
reconhece nenhum propósito que não
seja o seu como legítimo. A propensão à
violência decorre desse desvio.
No conjunto de fatores observados
para identificar e tratar um sociopata o
egocentrismo também é listado. O so-
ciopata tende a se achar ungido, espe-
cial, único, predestinado, detentor da
verdade moral e por vezes divina.
Quem sofre do transtorno tende a ig-
norar críticas e falar só de si mesmo.
Outro traço distintivo dos sociopatas
é a falta de vínculos. Embora altamente
carismáticos, muitas vezes, não desen-
volvem afetividade e descartam pessoas
próximas com facilidade quando elas
deixam de aceitar suas determinações.
Outra regra é a dificuldade de quem
sofre dessa patologia de reconhecer e
cumprir limites, regras, leis e conven-

ções sociais quando eles o contrariam.
Sociopatas são conhecidos tam-
bém pela impulsividade e irresponsa-
bilidade, que os faz colocar a si mes-
mos e a outras pessoas em risco pela
gratificação imediata de suas vonta-
des. Eles podem até ouvir a sensatez
por um tempo, mas a inquietação e a
impulsividade fazem com que eles
revelem sua verdadeira natureza de
uma hora para outra. Um sociopata
costuma ser ainda mais imprudente
quando o que está em jogo é a segu-
rança alheia, e não a própria.
O comportamento de sociopatas,
ainda mais quando investidos de po-
der, é um risco às sociedades em con-
dições normais, mas se torna intole-
rável em momentos de calamidade
pública global, como a atual.
Separar os comportamentos será
um dos substratos imediatos e defi-
nitivos dessa era de pandemia. Seja-
mos empáticos e façamos nossa par-
te para neutralizar os estragos que
os sociopatas podem causar.

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TWITTER: @VERAMAGALHAES
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Sociopatia X empatia


BRASÍLIA

O


resultado positivo pa-
ra coronavírus, anun-
ciado na quarta-feira,
mudou toda a rotina do minis-
tro das Minas e Energia, almi-
rante Bento Albuquerque,
que está confinado em um
dos quartos de seu aparta-
mento, na zona sul do Rio.
Apesar de “agoniado” por
estar “trancado em casa”,
Bento trabalha “full time”,
como se estivesse em seu ga-
binete. Ele disse que, por ser
submarinista, fato que o
obrigou a passar longas jor-

nadas em espaços reduzidos,
não teve dificuldade em organi-
zar os horários com seus com-
panheiros inseparáveis: o Ipad,
laptop e celular.
“Recebo alimentação pela ja-
nela que dá acesso à varanda do
apartamento, sem qualquer ti-
po de contato. Depois que co-
mo, ponho no mesmo lugar e a
bandeja é recolhida. Tudo sem
contato. Não circulo pela casa”,
disse o ministro ao Estado, ao
lembrar que está voltando “aos
velhos tempos”, quando ficava
no fundo do mar, longe da famí-
lia, meses a fio.
Bento contou que todo dia

acorda cedo, com despertador
por volta das 6 horas, pula a jane-
la do quarto para a varanda do
apartamento, que tem cerca de
45 metros, e caminha 40 minu-
tos para lá e para cá.
“Fico que nem um doido. An-
do em linha reta fazendo um 8,
em zigue-zague, de tudo que é
jeito. Preciso me exercitar”,
disse. “Depois, faço flexões, ab-
dominal e alongamento. Termi-
nando, tomo banho, café e co-
meço as minhas atividades de
trabalho, conversando e reu-
nindo, por teleconferência,
com meus assessores e outros
ministros.”

Despachos. Na sexta-feira,
por exemplo, o ministro pas-
sou parte da tarde participan-
do de uma reunião do Conse-
lho de Administração da Em-
presa de Pesquisa Energética
(EPE), por videoconferência.
Bento tem falado com o presi-

dente Jair Bolsonaro para tra-
tar de questões do setor. Con-
versa à distância, ainda, com os
ministros Augusto Heleno,
chefe do Gabinete de Seguran-
ça Institucional – também diag-
nosticado com coronavírus e
em isolamento –, Luiz Eduar-
do Ramos (Secretaria de Go-
verno), Paulo Guedes (Econo-
mia) e Braga Netto (Casa Ci-
vil), entre outros.
Assim como Bento, Heleno
também não deixou de despa-
char, mesmo doente. “Ele está
tão bom que me deu meia hora
de orientações”, contou na sex-
ta-feira o ministro da Saúde,
Luiz Henrique Mandetta. “Está
tranquilo”.
A solidariedade dos amigos
tem emocionado os ministros.
Bento disse ter recebido mais
manifestações de apreço e cari-
nho do que quando tomou pos-
se. “Estou sensibilizado”, afir-
mou. / T.M.

Tânia Monteiro
Felipe Frazão / BRASÍLIA


Dos amigos do tempo de quar-
tel a jovens assessores, o nú-
cleo de auxiliares do presiden-
te Jair Bolsonaro passou a evi-
tar conversas francas com o
“capitão”. A dificuldade de fa-
lar abertamente sobre seu
comportamento público, in-
dicar deslizes e enxergar futu-
ros problemas políticos ficou
evidente no começo deste
ano, diante de um congestio-
namento de crises, e ganhou
proporção ainda maior com o
novo coronavírus.
No manual de sobrevivência
do poder, apontar exageros nas
teorias de conspiração que en-
tram no Palácio do Planalto é
risco máximo. Tanto que asses-
sores moderados se calaram
quando o presidente começou
a escrever, em conversas num
grupo de WhatsApp, que a Chi-
na tinha interesses na pande-
mia por razões comerciais.
A declaração se tornou pública
na boca de outro Bolsonaro. Na
noite de quarta-feira, o deputa-
do Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)
escreveu no Twitter que a “dita-
dura” da China escondeu “algo
grave” e era culpada pelas mor-
tes. O filho do presidente teve de
ouvir críticas do embaixador da
país asiático no Brasil, Yang Wan-
ming, e da própria embaixada chi-
nesa, que respondeu, no Twitter,
que o ataque era de quem con-
traiu um “vírus mental”.
Os assessores silenciaram
também quando o presidente
foi além na sua teoria sobre os
chineses. Numa conversa com
a presença de integrantes do nú-
cleo ideológico, a ala que ali-
menta as ideias radicais da Pre-
sidência, ele disse que toda vez
que a China enfrenta proble-
mas econômicos surge uma
doença causando estragos no
mercado mundial. E, para mos-
trar que tinha razão, ainda escre-


veu que já começou a aparecer a
possibilidade de uma vacina
contra o coronavírus.
Quem tem acesso ao gabine-
te presidencial do terceiro an-
dar do Planalto avalia que o pa-
nelaço da semana passada pode-
ria até ter sido evitado se Bolso-
naro tivesse aceito recomenda-
ções do seu ministro da Saúde,
Luiz Henrique Mandetta, para
não participar do ato a favor do
governo em frente à Praça dos
Três Poderes. Naquela manhã
de domingo, nenhum assessor
pediu ao presidente para evitar
cumprimentos e selfies.
Funcionários mais antigos do
Planalto observam que a falta
de liberdade para pessoas próxi-

mas apontarem erros expõe e
fragiliza o presidente. Ali ainda
se aposta nos militares com
mais proximidade para servir
de escudo. Alguns oficiais insis-
tem e tentam registrar nas con-
versas com Bolsonaro posições
que consideram absolutamen-
te necessárias e desagradáveis,
apesar da resistência e da intem-
pestividade do presidente.

Solidão. A dificuldade dos ami-
gos em abrir o jogo com o presi-
dente costuma esbarrar na ques-
tão da crença. Bolsonaro já dei-
xou claro que sua “missão divi-
na” o protege da solidão co-
mum dos governantes.
“Ouvi dos que me antecede-

ram que, logo nas primeiras se-
manas que assumiram o cargo,
começaram a sentir a solidão
do poder”, disse Bolsonaro, em
agosto, durante culto na Igreja
Sarah Nossa Terra, em Brasília.
“Acredito que essa solidão ve-
nha por dois motivos. Pelo des-
compromisso com a lealdade
ao povo brasileiro. E, segundo,
por afastamento de Deus.”
No início do governo, era con-
senso entre aliados de Bolsona-
ro que o ministro-chefe do Gabi-
nete de Segurança Institucio-
nal (GSI), general Augusto He-
leno, “controlaria” o recém-
eleito. Agora, até Heleno evita
tratar da questão dos filhos de
Bolsonaro, o tendão de Aquiles

presidencial. O ministro Luiz
Eduardo Ramos, da Secretaria
de Governo, amigo de Bolsona-
ro desde os anos 1970, também
tem sido bem cauteloso quan-
do o assunto é familiar.
A lista dos que ousaram ques-
tionar o chefe e tiveram que dei-
xar o Planalto inclui o advogado
Gustavo Bebianno, comandan-
te da campanha de 2018, e o ge-
neral da reserva Carlos Alberto
dos Santos Cruz. Bebianno, que
morreu no último dia 14, foi de-
mitido com 49 dias de governo.
Santos Cruz, por sua vez, foi de-
fenestrado após cinco meses.
“Eu sempre fui honesto naqui-
lo que eu achava e acho uma quali-
dade fundamental: falar a realida-
de, senão se coloca em risco a pró-
pria autoridade”, afirmou San-
tos Cruz. “Quando às vezes você
fala alguma coisa não muito agra-
dável é para preservar a autorida-
de, para ela ter conhecimento.”
O drama da interlocução no
Palácio é recorrente na história
política recente. João Figueire-
do (1979-1985) ignorou apelo
de aliados e, numa viagem a Flo-
rianópolis, enfrentou manifes-
tantes nas ruas. Passou ideia de
tresloucado. Fernando Collor
(1990-1992) não quis ouvir as-
sessores e convocou por conta
própria pessoas a irem às ruas
de verde e amarelo a favor de
seu governo no momento de al-
ta inflação. Multidões de preto
compareceram. Já Luiz Inácio
Lula da Silva (2003-2010) anun-
ciou a expulsão do jornalista
americano Larry Rohter do Bra-
sil, mesmo diante de apelos de
aliados. Teve de recuar depois.
De forma contumaz, Dilma
Rousseff (2011-2016) distribuía
broncas para quem tentava lhe
dar conselhos. Não podia nem
ouvir falar, por exemplo, em re-
ceber deputados. O descaso lhe
custou votos no julgamento do
impeachment. A falta de con-
fiança de um governante em
seus auxiliares é sempre letal.

Confinado, ministro lembra época de submarinista


‘TRANCADO’ EM CASA E


COMIDA PELA JANELA


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Amigos e assessores evitam conversas francas com presidente, o que aumenta risco de chefe do Executivo se isolar e entrar em polêmicas


lA Advocacia-Geral da União
(AGU) se posicionou favoravel-
mente à destinação do acordo
bilionário da Lava Jato para o
combate ao novo coronavírus. A
proposta foi feita pelo procura-
dor-geral da República, Augusto
Aras. O dinheiro faz parte de um
acordo da Petrobrás com a Ope-
ração Lava Jato em razão de in-
denizações nos Estados Unidos.
O acordo previa R$ 2,6 bi para a
Educação e Meio Ambiente.

Crise do coronavírus
separa comportamentos
de forma cristalina

MARCOS CORRÊA/PR - 21/6/

Auxiliares temem aconselhar Bolsonaro


Aliado. Jair Bolsonaro e o ministro do GSI, Augusto Heleno; general agora evita tratar da questão dos filhos do presidente

AGU defende fundo


da Lava Jato na saúde


MARCOS CORRÊA/PR

Quarentena

Militar. Bento Albuquerque, ministro das Minas e Energia
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