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A12 Política DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
J. R.
GUZZO
O
Brasil está divido por uma
guerra cada vez mais aber-
ta, indigna e agressiva en-
tre dois países. Na verdade, só um
país move essa guerra; o outro,
sem defesa, apenas sofre as misé-
rias que vêm dela. Basicamente, o
país agressor, que se recusa a qual-
quer trégua, é o Brasil onde habi-
tam, prosperam e mandam os
membros das nossas “institui-
ções”. O país agredido é aquele on-
de você, e cerca de 200 outros mi-
lhões de brasileiros, têm de traba-
lhar todos os dias para viver e sus-
tentar suas famílias; sua única fun-
ção, para o outro Brasil, é pagar impos-
tos que vão sustentar cada um dos
seus confortos, necessidades e capri-
chos. Neste ano de 2020, antes da epi-
demia, estava previsto que o total a
ser pago seria de 3,4 trilhões de reais –
isso mesmo, trilhões, arrancados do
seu bolso a cada chamada de celular,
cada litro de gasolina comprado no
posto, cada real que você ganha, num
arco que só acaba no infinito.
A última agressão vem do Supremo
Tribunal Federal, que tem a folha cor-
rida que todos conhecem, e do “Tribu-
nal Superior Eleitoral” – um desvaira-
do cabide de empregos que só existe
no Brasil e não tem função lógica ne-
nhuma no serviço público. Suas Exce-
lências, justo numa hora dessas, em
que o Brasil sofre um dos mais chocan-
tes dramas de saúde de sua história e
se desespera em busca de recursos
para combatê-lo, tiveram a ideia de
pagar com o dinheiro do contribuinte
suas vacinas contra a gripe e o corona-
vírus. Não só eles: eles, seus filhos e
funcionários da nossa corte suprema.
Serão, pelos cálculos iniciais, 4.
vacinas, a um custo de R$ 140.000. O
TSE, de imediato, copiou os colegas e
já está se preparando para comprar
1.100 vacinas para si próprio; devem
queimar nisso mais uns R$ 75.000.
O dinheiro é uma mixaria, dizem
eles, mas a atitude moral dos minis-
tros é uma calamidade. Com todos os
privilégios que já têm, por que não
pagam eles mesmos esses trocados?
A resposta é um retrato perfeito dos
dois Brasis descritos acima: não pa-
gam porque podem meter a mão no
seu bolso, de onde sai o dinheiro de
todos os impostos, e tirar o dinheiro
de lá. Não vai acontecer nada, vai? En-
tão porque gastar, mesmo um centa-
vo, se existe um país inteiro para pa-
gar as suas contas?
A um certo momento, nessa crise
toda, foi sugerido, imaginem só, que
deputados e senadores, dessem para
o combate ao coronavírus uma parte
dos bilionários Fundos Eleitoral e
Partidário que criaram para doar di-
nheiro a si próprios – tirado, é óbvio,
dos impostos pagos por você. Santa
inocência. Não deram, é claro, um tos-
tão furado para combater doença ne-
nhuma. Estás na fila do SUS há 12 ho-
ras esperando um atendimento que
pode vir ou não vir, bonitão? Proble-
ma seu. No nosso ninguém tasca. E
tratem de dar graças a Deus porque
ainda não tivemos a ideia de lhe
tomar mais uns trocos para fazer-
mos nosso estoque de vacinas – co-
mo fizeram as maravilhosas insti-
tuições judiciárias aí do lado.
Este Brasil que está em guerra
com os brasileiros é hoje um dos
maiores concentradores de renda
do mundo. Não são os “ricos”, os
“empresários”, “o 1% do topo”, etc.
que constroem a miséria nossa de
cada dia. Não são eles os promoto-
res da desigualdade em estado ex-
tremo no País. Não são eles que os
impõem a ditadura dos privilégios.
É essa gente que não admite, se-
quer, pagar a própria vacina. A im-
prensa faz esforços inéditos, todos
os dias, para defender essa gente,
pois são eles que compõem as “ins-
tituições”. E o que os jornalistas
recebem em troca de congressistas
e magistrados? Atos de crocodila-
gem explicita, um atrás do outro.
Fica cada vez mais difícil achar al-
guma virtude nesse baixo mundo.
E-MAIL: [email protected]
J.R. GUZZO É JORNALISTA E ESCREVE
AOS DOMINGOS
Daniel Bramatti
Marcelo Godoy
No primeiro ano do ex-juiz
Sérgio Moro como ministro
da Justiça e da Segurança Pú-
blica, a Polícia Federal (PF)
fez menos operações de com-
bate ao crime e reduziu o nú-
mero de prisões, entre elas as
de acusados de corrupção. A
queda de produtividade, ocor-
rida na comparação entre
2018 e 2019, deu-se em um
contexto de quase estabilida-
de orçamentária e no quadro
de policiais na ativa.
Essa é a primeira vez que os
dois indicadores registram que-
da desde que, em 2013, foi apro-
vada a nova lei de combate às
organizações criminosas. No
ano seguinte, começava a Ope-
ração Lava Jato, no Paraná, que
faria do então juiz Moro, da 13.ª
Vara Criminal da Justiça Fede-
ral de Curitiba, uma celebrida-
de e levaria à prisão o ex-presi-
dente Luiz Inácio Lula da Silva.
Desde então, os números de
operações e prisões haviam su-
bido de forma contínua até o re-
corde de 2018, com 1.563 opera-
ções e 9.938 prisões, incluindo
os casos de flagrante e aqueles
autorizados por ordem judicial.
Em 2019, esses números caíram
para 1.062 (-32%) e 9.226 (-7%),
respectivamente. E, assim, o
combate ao crime organizado e
à corrupção prometidos pelo go-
verno não se refletiu nos núme-
ros da PF.
“A Polícia Federal chegou a
um ponto em que, realmente,
se não houver mais investimen-
to, ela vai estacionar ou até dimi-
nuir o número de operações”,
afirmou o delegado Edvandir
Paiva, presidente da Associa-
ção dos Delegados da PF. De
acordo com ele, não há como
“fugir disso”. “Nós estamos ex-
traindo o máximo possível com
efetivo e orçamento que te-
mos”, disse.
Paiva identifica a falta de efe-
tivo como o principal entrave
para o trabalho da polícia no
combate ao crime. “Faltam 4
mil policiais em nossos qua-
dros.” A PF, segundo ele, ficou
sem concurso para preencher
vagas de 2004 a 2014, quando
então foi feito um concurso. De-
pois, só em 2018 foi feito novo
concurso, na gestão do ex-presi-
dente Michel Temer (MDB).
O próprio Ministério da Justi-
ça e da Segurança Pública admi-
te o problema. “De 2016 para cá,
o efetivo da PF diminuiu em cer-
ca de 10% devido a aposentado-
rias”, informou em nota ao Es-
tado. Ainda segundo a pasta, à
qual a PF é subordinada, a que-
da do total de prisões e de opera-
ções policiais não significa
“uma diminuição do combate à
criminalidade (mais informa-
ções nesta página)”.
Em números atualizados, os
investimentos na PF passaram
de R$ 280 milhões, em 2018, pa-
ra R$ 300 milhões em 2019. E o
efetivo total do órgão permane-
ceu estável de um ano para ou-
tro, assim como os gastos com
despesas correntes.
Para o ex-ministro da Segu-
rança Pública, Raul Jungmann,
que atuou no governo de Mi-
chel Temer, a criação do Minis-
tério da Segurança Pública, em
2018, influenciou nos resulta-
dos operacionais da PF. De acor-
do com ele, a pasta tinha um fo-
co de atuação mais bem defini-
do do que a da Justiça, cujas atri-
buições são amplas.
“Não é nenhum desdouro ao
ministro que lá está. Mas uma
coisa é cuidar exclusivamente
da Segurança, tendo dois ór-
gãos apenas: a PF e a Polícia Ro-
doviária Federal.” Jungmann
afirmou que, assim, tinha um
contato “muito mais próximo à
PF”. “A redução de distância e
níveis hierárquicos contribuiu
para o resultado. Montamos
um painel para a cobrança de
resultado e isso era feito toda
semana”, declarou.
Corrupção. A diminuição no
número de operações da PF con-
centrou-se mais em determina-
das áreas. Nos casos envolven-
do crimes tributários, assaltos a
banco e tráfico de drogas, por
exemplo, houve redução de pou-
co mais de 40%. Já nos setores
de combate a corrupção, meio
ambiente e crimes financeiros
praticamente não houve dife-
rença de um ano para outro.
A Divisão de Repressão à Cor-
rupção, que investiga desvios
de recursos públicos, fez 165
operações em 2018 e 172 no ano
seguinte – um aumento de 4%.
O número de prisões de corrup-
tos realizadas, porém, dimi-
nuiu 27%, de 668 para 486.
Caíram ainda de forma simi-
lar (-28%) as detenções de cri-
minosos contra o patrimônio –
casos, por exemplo, de roubo a
mão armada a agências dos Cor-
reio. Foram 1.261 presos em
2018 e 902 em 2019. Para o dele-
gado Paiva, os juízes passaram a
dificultar a concessão de pri-
sões após a proibição das condu-
ções coercitivas. “Driblávamos
isso com a condução coercitiva.
Até o dia em que conduzimos o
ex-presidente Lula. Aí corta-
ram a coercitiva. E os juízes já
não deram mais prisão.”
As prisões em áreas tradicio-
nais de atuação da PF – comba-
te ao tráfico de drogas e ao con-
trabando – se mantiveram qua-
se inalteradas de uma ano para
outro. No segundo caso, a PF
registrou crescimento de 7%
em 2019, único resultado positi-
vo do período. Para Paiva, esses
números podem cair mais em
razão das legislações aprovadas
em 2019: a Lei de Abuso de Auto-
ridade e o pacote anticrime.
País agressor, que recusa trégua,
é o Brasil onde habitam membros
das nossas ‘instituições’
O baixo mundo
lLimite
Fausto Macedo
Questionados sobre a redução
no número de prisões e opera-
ções em 2019, o Ministério da
Justiça e a Polícia Federal afir-
maram que a variação não signi-
fica uma diminuição do comba-
te à criminalidade.
O ministério, porém, argu-
mentou que há problemas no
quadro de pessoal. “De 2016 pa-
ra cá, o efetivo da PF diminuiu
em cerca de 10% devido a apo-
sentadorias”, informou em nota
ao Estado. “Isso tem sido uma
preocupação constante, tanto
que, em dezembro de 2019, cer-
ca de 550 novos policiais fede-
rais foram nomeados. Ainda em
2020, outros 500, excedentes
do último concurso, passarão a
integrar os quadros do órgão.”
O ministério alegou ainda
que mudanças nas normas in-
ternas da PF aumentaram exi-
gências para que uma ação poli-
cial seja considerada “operação
especial”, o que afetaria as esta-
tísticas. Os dados publicados
pelo Estado, porém, conside-
ram tanto as operações espe-
ciais como as rotineiras. Outra
alegação é de que ainda há mui-
tas investigações em andamen-
to. “Em meados de 2018, tínha-
mos cerca de 500 investigações
em andamento. No começo de
2019, esse número era de 738.
Atualmente, 781 investigações
classificadas como operações
especiais estão em andamento
- um aumento de 56% em rela-
ção a 2018 e de cerca de 6% em
relação a 2019 –, além de 273
operações simples.
A PF apresentou argumenta-
ção semelhante. “Não pode-
mos esquecer que cada investi-
gação tem seu tempo de matura-
ção e que a deflagração da opera-
ção é apenas a etapa final de um
trabalho que, em regra, dura me-
ses.” Segundo o órgão, a redu-
ção na quantidade de opera-
ções se concentrou em determi-
nados Estados. “Questões re-
gionais ligadas a variações nor-
mais de fatores passageiros e
momentâneos impactaram nos
números finais”, diz a nota. A
PF afirmou ainda que houve au-
mento de complexidade nas in-
vestigações em 2019. “Em 2018,
foram cumpridos 6.971 manda-
dos de busca e apreensão. Com-
parativamente, em 2019, esse
número chegou aos 7.658 man-
dados, aumento de 10%.”
O impacto monetário do tra-
balho da polícia foi destacado.
“Números também relevantes
são os que se referem ao seques-
tro de bens em operações de
combate a crimes ambientais.
Enquanto esse valor era de pou-
co mais de R$ 62 milhões em
2018, atingiu os R$ 245 milhões
ano passado.” Por fim, a PF afir-
ma que não se pode falar “em
prejuízo para o combate à cor-
rupção”. / COLABORARAM D.B e M.G.
Número de operações da PF
Total
● Veja como evoluíram os principais indicadores de produtividade nos últimos 2 anos
RAIO X DA PF
FONTES: POLÍCIA FEDERAL E MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO INFOGRÁFICO/ESTADÃO
EM BILHÕES DE REAIS 2018 2019 2018 2019
Evolução do número de prisões
Crimes contra o patrimônio (assaltos)
Desvios de verba pública/corrupção
Cimes financeiros
Tráfico de drogas
Crimes contra o meio ambiente
Crimes tributários
Outros
Total
1.
668
254
2.
612
3.
960
9.
2018
902
486
223
2.
610
3.
603
9.
2019 DIFERENÇA 0
Número de servidores
Ativos Inativos
10.
7.
10.
7.
A execução do orçamento
Pessoal e
encargos sociais
Outras despesas
correntes
Investimentos
6,
1,
0,
6,
1,
0,
5%
1%
ÁREA DE ATUAÇÃO
-28%
-27%
-12%
7%
-37%
-7%
(^02014201920152019201520192015201920152019201520192015201920142019)
50
100
150
200
250
300
350
-32%
CRIMES OUTROS
FINANCEIROS
CRIMES
TRIBUTÁRIOS
TRÁFICO
DE
DROGAS
DESVIOS
DE VERBA
PÚBLICA/
CORRUPÇÃO
CRIMES
CONTRA O
PATRIMÔNIO
(ASSALTOS)
CRIMES
CONTRA
O MEIO
AMBIENTE
0
500
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO
Prisões e operações
da PF caem no 1º
ano de Sérgio Moro
“A PF chegou a um ponto
em que, realmente, se não
houver mais investimento,
ela vai estacionar ou até
diminuir o número de
operações. Nós estamos
extraindo o máximo
possível com efetivo e
orçamento que temos.”
Edvandir Paiva
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS
DELEGADOS DA PF
Número de ações policiais reduziu 32% em 2019 na comparação
com 2018; detenções caíram 7%; Justiça cita diminuição de efetivo
Balanço. Sérgio Moro, ministro da Justiça; operações e prisões caem pela 1ª vez desde 2013
Redução não afeta combate ao crime, afirma ministério