O Estado de São Paulo (2020-03-22)

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A16 DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Governo agora promete 10 milhões de


testes; cientistas já buscavam opções


Rio. Leda lidera a tentativa de criar um teste sorológico para detectar a infecção – em vez do genético (PCR), como é feito hoje; preço pode ser reduzido

COPPE/ UFRJ
Giovana Girardi / SÃO PAULO
Eduardo Rodrigues
Anne Warth
Felipe Frazão / BRASÍLIA


Após críticas de médicos e
cientistas sobre a carência de
diagnósticos para coronaví-
rus no Brasil, o que impedia
que se conhecesse o tamanho
real da epidemia, o governo
federal anunciou ontem a che-
gada de 5 milhões de novos
testes rápidos no País já na se-
mana que vem, com a possibi-
lidade de subir para 10 mi-
lhões nas próximas semanas.
Com isso, o Brasil começará a
testar também os casos me-
nos graves de covid-19. A de-
terminação anterior era tes-
tar apenas os casos graves. Es-
se quadro tinha provocado
uma mobilização de pesquisa-
dores não somente para au-
mentar a oferta de testes co-
mo para criar diagnósticos
mais rápidos e baratos.
O secretário executivo do Mi-
nistério da Saúde, João Gabbar-
do, afirmou que, com a mudan-
ça, deve cair a taxa de letalidade,
uma vez que aumentará a conta-
gem. Cada kit de teste custará
R$ 75. Até o momento, o gover-
no distribuiu 17 mil kits pelo País
e todos os 1.128 casos de corona-
vírus registrados foram confir-
mados por teste laboratorial.
Especialistas defendem que a
melhor forma de lidar com a epi-
demia é saber como ela está se
espalhando. O diretor-geral da
Organização Mundial da Saúde,
Tedros Adhanom Ghebreyesus,
defendeu na semana passada
que todos os países “testem, tes-
tem, testem”. A organização
vem citando com frequência, co-
mo bom exemplo, o caso da Co-
reia do Sul, que já testou cerca de
300 mil pessoas – para uma po-
pulação de 51 milhões. O país
chegou a criar uma espécie de
drive-thru de testes, o que deve
ser adotado também no Brasil.
Antes da mudança de postura
do governo, cientistas iniciaram
forças-tarefa em vários cantos
do País para convocar voluntá-
rios a ajudar a fazer os testes,
aproveitar insumos que seriam
usados em outras pesquisas,
atrair laboratórios privados,
além de tentar desenvolver no-
vas formas de diagnóstico.
Um dos esforços é da Univer-
sidade Federal do Rio de Janei-
ro, que tenta criar um teste soro-
lógico para detectar a infecção



  • em vez do genético (PCR), co-
    mo é feito hoje. Se der certo, a
    expectativa é de que com uma
    gota de sangue do paciente será


possível saber se ele tem o coro-
navírus e em qual estágio.
A pesquisa é liderada por Le-
da Castilho, coordenadora do
Laboratório de Engenharia de
Cultivos Celulares da Cop-
pe/UFRJ, que começou a traba-
lhar nesse assunto no começo
de fevereiro, tão logo cientistas
chineses sequenciaram o geno-
ma do coronavírus que afetava
o país desde dezembro.
Seu grupo está produzindo
em laboratório uma cópia de
uma proteína da espícula (aque-

las pontinhas do vírus). Com es-
se material, será possível detec-
tar se o paciente desenvolveu
anticorpos para a covid-19, já
que eles reagiriam à proteína.
“O corpo, ao ser infectado,
produz diferentes tipos de anti-
corpos para se defender. Tem
um específico para a mucosa,
um outro produzido poucos
dias após o contágio – em geral,
quando os sintomas aparecem –
e tem outro produzido cerca de
duas semanas após a contamina-
ção. Pretendemos identificar os

três tipos. Isso vai permitir sa-
ber se a pessoa está contamina-
da ou esteve recentemente e fi-
cou sem sintomas, por exem-
plo. Se não reagir com nenhum
deles, a pessoa provavelmente
estará com outra doença”, diz.
Leda não quis dar estimativa
de quando o teste poderá estar
pronto, mas diz esperar que se-
ja antes de três meses – a tempo
de ser usado ainda nesta onda
da covid-19. Em média, a dife-
rença de preços do PCR para
exame sorológico é de 1/3 a 1/4.

Ação imediata. Enquanto uma
nova estratégia não surge, os es-
forços são para aumentar a capa-
cidade de testagem no sistema
atual – que identifica se o coro-
navírus está ativo. Na USP foi
criada nesta semana uma rede
colaborativa com laboratórios
de 17 unidades da universidade
para ajudar nos diagnósticos.
Uma das linhas de atuação é
ajudar a atender às demandas
do Hospital Universitário, que
estava apresentando dificulda-
de de resposta. Testes começa-
ram a ser conduzidos nesta se-
mana no Laboratório de Virolo-
gia do Instituto de Ciências Bio-
médicas, e, a partir de amanhã,

serão feitos também pela Plata-
forma Pasteur-USP, que entrou
em operação em fevereiro.
“Isso é importante para evi-
tar que ocorram novos casos co-
mo o da Prevent Senior (opera-
dora do hospital onde houve as
primeiras mortes por coronaví-
rus no Brasil), em que a primei-
ra vítima nem tinha sido diag-
nosticada”, afirma Luís Carlos
Ferreira, diretor do ICB e coor-
denador da plataforma Pas-
teur-USP. “A gente precisa de
rapidez para saber se alguém
que chega ao hospital está com
coronavírus e agir de acordo.”
Para entrar rapidamente em
ação, enquanto reagentes ainda
estavam sendo comprados, os
pesquisadores começaram a pe-
dir esses e outros insumos ne-
cessários aos testes para outros
laboratórios e pesquisadores.
“Pedimos ajuda a quem pudes-

se colaborar e foi uma surpresa.
Logo tivemos resposta de mais
de cem pessoas. Desde estudan-
tes se colocando à disposição
para trabalhar até laboratórios
oferecendo reagentes.”
Na quinta, o Estado publicou
um artigo do neurocientista Ste-
vens Rehen, da UFRJ e do Insti-
tuto D’Or, em que ele disse que
só a ciência poderia oferecer res-
postas para a testagem em mas-
sa. Na sexta, mais de uma deze-
na de grupos de pesquisa res-
ponderam relatando o que es-
tão fazendo para ajudar.
Um deles é da Universidade
Federal do Rio Grande do Nor-
te, que está colocando seus cien-
tistas para ajudar na capacidade
de diagnóstico do Laboratório
Central de Saúde Pública do Es-
tado. “A universidade tem vá-
rios professores que dominam
as técnicas de biologia molecu-
lar e se voluntariaram para aju-
dar. A falta de insumos tem sido
um problema em todo o mun-
do, então vários pesquisadores
que tinham reagentes em seus
laboratórios ou máscaras estão
colocando esse material à dispo-
sição”, relata Selma Jeronimo,
diretora do Instituto de Medici-
na Tropical da UFRN.

Metrópole


No Rio Grande do Sul, o esforço
para melhorar a resposta do
País aos desafios do novo coro-
navírus vai além da academia.
Um grupo composto por pes-
quisadores, médicos, empresá-
rios, comunicadores, entre ou-


tros profissionais, está pensan-
do estratégias para tentar aju-
dar no combate à doença.
“Criamos inicialmente uma
espécie de observatório, mas lo-
go evoluímos para uma força-ta-
refa operacional”, conta o pes-
quisador Guido Lenz, diretor
do Centro de Biotecnologia da
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Pesquisador da
área de Biologia Molecular e Ce-
lular, ele se uniu a empreende-
dores privados de laboratórios
de diagnóstico molecular e

médicos para identificar os gar-
galos de testagem do novo coro-
navírus. O desafio, diz, “é pro-
ver os recursos necessários e na
escala necessária para testes”.
Lenz defende que só o traba-
lho que vem sendo feito pelos
governo não deverá ser suficien-
te e haverá necessidade de uma
contribuição de redes colabora-
tivas. “Em uma guerra não se
desperdiçam apoios”, afirma. O
plano é articular empresas pro-
dutoras de insumos, importado-
res, laboratórios de diagnóstico
molecular e a academia a se pre-
pararem para cenários que pos-
sam não ser “muito alentado-
res”, diz o pesquisador.
A ideia de unir os esforços foi
do empreendedor José Cesar
Martins, que há dez anos tinha
montado um think tank para
“discutir problemas de alta
complexidade”. A este grupo,

se uniram mais pessoas na últi-
ma semana para tentar achar so-
luções para o coronavírus.
“Somos cerca de 15 pessoas, a
maioria cientistas. Nosso desa-
fio do momento é pensar em co-
mo fazer o tal achatamento da
curva, de modo que a infraestru-
tura receptiva possa dar conta e
ninguém que precise de atendi-
mento fique de fora. Para isso,
precisa de prevenção, e precisa
de testagem”, afirma.
Ele explica que o esforço do
grupo agora é estabelecer quais
são as possibilidades de aumen-

tar a oferta de testes no Estado.
“Hoje os diagnósticos estão
centralizados nos laboratórios
estaduais, mas temos vários la-
boratórios menores de micro-
biologia, de biologia molecular,
que poderiam aumentar a res-
posta. Eles têm acesso aos rea-
gentes e talvez possam ajudar.
Nesse primeiro momento, esta-
mos juntando todo mundo para
ver qual seria essa capacidade”,
explica Martins.
“Nosso temor é de que, se a
crise vier no pior quadro possí-
vel, claramente não teremos ca-
pacidade instalada. Então, já
que estamos todos isolados em
casa, em vez de ficar assistindo
vídeo, resolvemos trabalhar e
pensar em soluções”, diz.

Voluntários. Eles estão em
contato com o Hospital de Clíni-
cas de Porto Alegre para identifi-

car gargalos onde podem aju-
dar e estão acionando mais pes-
soas para contribuir de modo
voluntário. “O pessoal dos hos-
pitais está fazendo o impossí-
vel, com altíssima qualidade,
mas as carências são visíveis.
Nosso objetivo é complemen-
tar isso, principalmente aumen-
tando a capacidade de testa-
gem. Quem topa participar, vai
fazer pro bono, sem contar com
o governo para nada”, diz.
Ele afirma que vários labora-
tórios privados que existem no
Estado já estão oferecendo suas
instalações. O próprio Centro
de Biotecnologia da UFRGS es-
tá iniciando uma investigação
dos insumos que tem disponí-
veis para ver se eles também po-
dem contribuir com o diagnósti-
co do coronavírus. Se forem váli-
dos, será mais uma arma nessa
guerra. / G.G.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lFinanciamento
A Fapesp vai estimular micro e
pequenas empresas a desenvol-
ver projetos que resultem em
inovações tecnológicas para diag-
nóstico da covid-19 e tratamento.

No Rio Grande do Sul,


proposta de trabalho


rapidamente evoluiu de


observatório para


força-tarefa


Cientistas se unem


a empresários para


encontrar soluções


Doria decreta quarentena estadual, a partir de terça-feira. Pág. A17}


lSolidariedade

USP. Ali são preparadas células para testes de substâncias

Postura muda e casos menos graves também serão analisados; outra meta é criar um drive-thru de exames, à semelhança do que deu


certo na Coreia do Sul; enquanto isso, pesquisadores desenvolvem formas de avaliar estágio da doença com uma gota de sangue


“Fomos prontamente
atendidos quando
precisamos de insumos.
Todo mundo quer ajudar.
Luiz Carlos Ferreira
DIRETOR DO ICB-USP

LUCIO FREITAS JR
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