O Estado de São Paulo (2020-03-22)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2020 Metrópole A21


ROSELY


SAYÃO


Paulo Beraldo


Quando o padre Paolo Parise
chegar neste domingo à Igre-
ja de Nossa Senhora da Paz,
no centro de São Paulo, para
realizar a celebração dos 80
anos da paróquia e a tradicio-
nal missa, não encontrará
fiéis. Nem haverá comunhão.
Durante a semana, não houve
aulas de catequese, confis-
sões, casamentos nem batiza-
dos ali.
“Sexta, sábado e domingo
por aqui é tudo muito agitado.
Mas, com o avanço do coronaví-
rus, tudo foi diminuindo”, con-
tou o italiano que vive no Brasil
há quase 30 anos. Quem quiser
acompanhar a missa feita por
três padres em conjunto terá de
usar a internet – prática adota-
da por outras denominações re-
ligiosas no Brasil e no mundo
desde o início da pandemia.
Na Primeira Igreja Batista de
São Paulo, as reuniões e even-
tos também foram suspensos e
as atividades online estão sen-
do estimuladas, incluindo cul-
tos. Aconselhamentos pasto-
rais e reuniões de oração passa-
ram a ser virtuais. “É uma crise
com impactos emocionais e
econômicos, além dos epide-
miológicos. Por isso, muitos
pastores estão oferecendo aju-
da com alimentos”, comple-
menta o pastor Davi Lago.
Rituais religiosos e tradições
não passaram ilesos ao vírus. A
Diocese de Roma fechou mais
de 900 igrejas e o papa liberou
os fiéis de irem à missa aos do-
mingos. No Vaticano, a Praça
de São Pedro não tem mais even-
tos. A Arábia Saudita fechou os
portões de suas principais mes-
quitas para as tradicionais ora-
ções de sexta. Eventos religio-
sos em Israel foram suspensos
e os sempre lotados templos
hinduístas da Índia estão com
restrição para funcionar.
As medidas de isolamento e
distanciamento social represen-
tam um desafio para as reli-
giões, uma vez que os encon-
tros e eventos fazem parte de
uma tradição que atravessa os
séculos. “Os rituais são meca-
nismos de conexão das pessoas
com a comunidade e com a di-
vindade. Eles tocam muito no


sentimento e no imaginário”,
explica o doutor em Ciências da
Religião Luiz Bueno, professor
da FAAP. “A impossibilidade de
realização desses rituais religio-
sos tem um impacto muito gran-
de nas comunidades.”
“Os templos religiosos são
fundamentais em épocas de cri-
se porque acolhem, são um lu-
gar onde se busca a saúde men-

tal e espiritual”, concorda Jihad
Hammadeh, líder muçulmano
em São Paulo e vice-presidente
da União Nacional das Entida-
des Islâmicas. Os islâmicos fa-
zem várias orações ao dia, na
mesquita ou em casa. Mas as
preces semanais típicas de sex-
ta, realizadas em grupos nas
mesquitas, foram canceladas. Ji-
had conta que há cerca de 30

mesquitas no Estado – todas fe-
chadas. Ele tem feito aparições
virtuais em redes sociais para
manter contato com fiéis. “É di-
fícil, mas temos de pensar na
saúde primeiro.”
Ação semelhante à adotada
pelos judeus em São Paulo.
Com 40 sinagogas fechadas, o
rabino Michel Schlesinger, da
Congregação Israelita Paulista,
conta que algumas instalaram
estúdios e decidiram transmitir
pela internet as orações. “Esta-
mos proibindo o público de en-
trar, algo que era impensável. A
gente trabalhou a vida inteira
para estimular as pessoas a esta-
rem na sinagoga”, diz o rabino.
“Mas entendemos como algo
necessário e temporário. Em
breve esperamos retomar o fa-
ce a face com muito beijo e abra-
ço.” O presidente da Confedera-
ção Israelita do Brasil, Fernan-
do Lottenberg, diz que há inicia-
tivas de voluntários para apoiar
pessoas idosas a fazer compras
em farmácias ou mercados, e

propostas de atividades aos que
ficam em casa. Uma dessas
ações são “jantares virtuais”
por Facetime.
A nova realidade também se
impôs na Igreja de Nossa Senho-
ra da Paz. As aulas de catequese
para cerca de 100 crianças fo-
ram suspensas. E as missas para
brasileiros e imigrantes na capi-
tal paulista em cinco idiomas
não terão fiéis a partir deste do-
mingo. As três celebrações se-
rão transmitidas virtualmente.
Casamentos, batizados e cris-
mas estão suspensos. As aulas

de Português para estrangeiros
também foram temporariamen-
te canceladas. Assim como o au-
xílio para os refugiados com do-
cumentação, o atendimento psi-
cológico e as confissões.
As primeiras medidas foram
entregar a hóstia na mão e não
na boca do fiel, não dar as mãos
na oração do pai-nosso e não pe-
gar nas mãos ou abraçar os fiéis
antes de eles entrarem nas igre-
jas. “Algumas novenas que che-
gavam a ter 400 pessoas tam-
bém foram canceladas”, afirma
Parise. O padre italiano conta
que em seu país há igrejas sem
celebrações há cinco semanas.

Adaptação. Para Francisco
Borba, sociólogo e coordena-
dor do Núcleo Fé e Cultura da
PUC-SP, as cerimônias digitais
e a velocidade com que as reli-
giões tiveram de se adaptar re-
forçam um processo já existen-
te. “Antes, elas existiam, mas as
pessoas não se preocupavam
tanto em ver.”

T


odo santo dia fazemos inú-
meras escolhas. Algumas de-
las são corriqueiras e, à pri-
meira vista, parecem simples: qual
vestimenta usar, qual trajeto esco-
lher para o trabalho ou para levar os
filhos à escola, o que preparar para o
almoço, qual atitude tomar com os
filhos, etc. Mesmo simples, elas nos
sobrecarregam e podem provocar
conflitos internos, frustração, des-
contentamento e irritação. E se o
clima mudou repentinamente e a
roupa escolhida não foi adequada?
E se o trajeto que tomei estava mui-
to congestionado? E se a medida to-
mada com o filho não funcionou?

Outras escolhas que precisamos fa-
zer, que não são cotidianas mas podem
alterar completamente a vida familiar,
exigem maiores reflexões, considera-
ções e bom senso, isso sem falar que
todos os integrantes da família preci-
sam ser considerados. E, claro, nos one-
ram muito mais também porque exi-
gem renúncias. Mudar de emprego, ou
não? Como conduzir a vida profissio-
nal? Permitir que o filho adolescente
viaje sem a companhia de adultos?
Nesses casos, o melhor seria que pu-
déssemos fazer a escolha ideal. Ah! Ela
é impossível! Então, a saída, nesses ca-
sos, é fazer a melhor escolha possível,
considerando-se principalmente o

contexto, as possibilidades e a realida-
de da vida familiar no momento.
E há também algumas escolhas que
precisamos fazer que dependem do co-
nhecimento acumulado e construído
na sociedade. Investir o dinheiro guar-
dado em imóveis ou aplicar? Aceitar a
orientação de tratamento de um médi-
co ou, quando possível, solicitar uma
segunda opinião profissional? Esses
são apenas dois exemplos que podem
mostrar a importância de se fazer uma
escolha bem informada.
Pois agora, em plena pandemia de
coronavírus, é importante – por nosso
bem, pelo cuidado com toda a família,
para ensinarmos aos filhos e pelo apre-
ço à comunidade em que vivemos – fa-
zermos as melhores escolhas e as esco-
lhas bem informadas. Elas precisam es-
tar combinadas para que resultem em
boas atitudes, não é? Comecemos com
as escolhas bem informadas: para que
elas possam ser tomadas, é necessário
que busquemos as informações cien-
tíficas, e as respeitemos. Tenho visto
muita gente, com grau universitário,

espalhar notícias como se fossem cien-
tíficas, mas que não são, a respeito das
precauções em relação à infecção.
Vou dar um exemplo. A notícia que
foi espalhada afirmava que fazer garga-
rejo com vinagre e sal diminuiria o im-
pacto do vírus no organismo. Para refu-
tar essa falsa informação, basta pen-
sar: se fosse fácil assim, por que tantos

países têm apresentado enormes difi-
culdades em controlar a infecção pelo
vírus? Depois disso, bastaria procurar
na internet sites e páginas de profissio-
nais das ciências que já desmentiram
essa notícia falsa. Mesmo assim, ela
continua a ser divulgada...
Ensine aos seus filhos o valor do co-
nhecimento científico e a importância
de ele ser considerado para que eles
aprendam a fazer escolhas bem infor-
madas, mesmo que esse aprendizado

demore a acontecer, já que a educa-
ção é um processo que não depende
apenas de informações.
Em relação às precauções para di-
minuir a velocidade e a quantidade
de pessoas infectadas pelo vírus ao
mesmo tempo, uma delas trata do
distanciamento e/ou isolamento so-
cial. Nem todos podem ficar em ca-
sa, não é verdade? Nos casos em que
essa opção não existe, dá para fazer
as melhores escolhas: evitar saídas
sem necessidade imediata, manter
as mãos afastadas das principais por-
tas de entrada do vírus – boca, nariz,
olhos –, não emprestar nem tomar
emprestado objetos de outros e la-
var sempre as mãos.
E atenção com os filhos: nunca co-
bramos deles essas atitudes, por is-
so teremos de ter o que chamo de os
três P: Paciência, Persistência e Per-
severança no processo desses ensi-
namentos.

]
É PSICÓLOGA

E-MAIL: [email protected]
ESCREVE QUINZENALMENTE

O juiz Randolfo Ferraz de
Campos, da 14.ª Vara da Fa-
zenda Pública, determinou
que as gestões João Doria
(PSDB) e Bruno Covas
(PSDB) tomem medidas para
suspender cultos religiosos.
Segundo o magistrado, de-

vem ser adotadas “providên-
cias cabíveis nos âmbitos ad-
ministrativo, sanitário e pe-
nal quanto a quaisquer líde-
res e/ou responsáveis por igre-
jas, templos e casas religiosas
de qualquer credo que façam
convocações para realização
dos atos religiosos ora proibi-
dos”. Qualquer descumpri-
mento deve ser punido com
multa.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Escolhas bem informadas


Papa preside missa


em streaming e reza


por família confinada


Juiz mandou


suspender culto


Metade das


católicas já


liberou os fiéis


lVersões remotas

Nova realidade obriga lideranças religiosas a adotarem ferramentas digitais; mas falta de atividades em grupo é o principal desafio


Ensine o valor do conhecimento
científico e a importância de ele
ser considerado

lO papa Francisco presidiu on-
tem a missa matutina transmiti-
da em streaming da Casa Santa
Marta e se dirigiu “às famílias
que não podem sair de casa”.
“Talvez o único horizonte que
tenham é o balcão. E ali dentro, a
família, com as crianças, os jo-
vens, os pais: para que saibam
encontrar o modo de comunicar
bem, de construir relações de
amor na família, e saibam vencer
as angústias deste tempo juntos,
em família.”
A igreja em Roma suspendeu
as celebrações com o povo mes-
mo na Semana Santa, em abril, a
exemplo do que dioceses do mun-
do todo, incluindo o Brasil, vêm
fazendo. Algumas também têm
lançado campanha, estimulando
a que pessoas fiquem em casa,
como Goiânia, que sugere o cum-
primento “Deus conosco”, por
meio de um sinal da Língua Brasi-
leira de Sinais (Libras).

PARA LEMBRAR

Até sexta-feira, mais de metade
das dioceses do País já havia sus-
pendido as missas com fiéis.
Conforme dados da CNBB, 123
das 217 dioceses apresentavam
alterações. O arcebispo metro-
politano de Belo Horizonte e
presidente da CNBB, dom Wal-
mor Oliveira de Azevedo, pediu
que as pessoas fiquem em casa.
“Este é o grande remédio para
vencer a pandemia terrível.”


ALEX SILVA/ESTADAO

Doença leva a hábitos religiosos online


“As celebrações podem vir a
ser substituídas com mais
frequência pelas suas
versões remotas, com uso
da televisão e da
internet.”
Francisco Borba
SOCIÓLOGO E COORDENADOR DO
NÚCLEO FÉ E CULTURA DA PUC-SP

Sem público. Nos 80 anos da paróquia, não haverá missa com fiéis; na terra natal de Parise, suspensão já dura 5 semanas
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