O Estado de São Paulo (2020-03-22)

(Antfer) #1
Como Se Fosse a Primeira Vez/
50 First Dates
(EUA, 2004.) Dir. de Peter Segal,
roteiro de George Wing, com Adam
Sandler, Drew Barrymore, Rob Sch-
neider, Sean Astin, Lusia Strus.

Maratona Elis/ Viver
É Melhor Que Sonhar
(Brasil, 2019.) Série de George
Moura, Hugo Prata, Vera Egito,
Luiz Bolognesi, com Andreia
Horta, Mel Lisboa, Caco Cio-
cler.

Claudio Botelho
ESPECIAL PARA O ESTADO


O fato de Stephen Sondheim es-
tar ainda em atividade é um si-
nal de que a Broadway continua
a ser um celeiro de experimenta-
ção e disseminação de cultura
importante no mundo. Aos 90
anos, completados neste domin-
go, 22, este compositor que rees-
creveu a história dos musicais e
os inseriu definitivamente no
conceito da “música séria”, arte
maior, ainda frequenta os en-
saios de suas peças, dá indica-
ções aos atores e inclusive parti-
cipa de vários eventos em honra
e homenagem a sua obra.
Para compreender a impor-
tância de Sondheim é preciso fa-
zer um paralelo com outro no-
me da história do musical ameri-
cano: Oscar Hammerstein.
Que caminho teria seguido o
musical americano se Ham-
merstein não tivesse injetado
um sopro de mudança radical
no musical Show Boat (O Barco
das Ilusões) de 1927? Aquele es-
petáculo foi o grande divisor de
águas do gênero, nada seria
igual depois daquele Barco. A
Broadway deixaria de ser ape-
nas entretenimento leve e per-
fumado, baseado apenas na frui-
ção de belas canções (grandes
clássicos nasceram ali) e mulhe-
res exuberantes, e passaria a re-
fletir um pouco da história ame-
ricana, tratar de assuntos rele-
vantes como o racismo, a rela-
ção entre artistas e a clandesti-
nidade de relações amorosas à
parte das convenções civis e reli-
giosas, e nasceria ali uma drama-
turgia própria, com persona-
gens coerentes, e a música final-
mente integrada à ação de ma-
neira orgânica e essencial. Tu-


do isso aconteceu antes da déca-
da de 30. O espetáculo tinha
música de Jerome Kern (já um
nome consagrado por inserir
na forma clássica das operetas
os primeiros ecos do jazz e da
música negra americana), com
libreto e letras de Oscar Ham-
merstein II, o mesmo que poste-
riormente veio a se associar ao
compositor Richard Rodgers e
formar a mais importante du-
pla de criadores do musical ame-
ricano – são deles Oklahoma!, O
Rei e Eu, Carousel, entre outros.
Eis aí a razão do tedioso e es-
colástico introito acima: é justo
Oscar Hammerstein II quem,
décadas depois, se torna o men-
tor afetivo e artístico de Sond-
heim, incutindo no jovem pupi-
lo as noções básicas da drama-
turgia específica do gênero, fato
que Sondheim ressalta como a
gênese de sua identidade como
compositor e homem de teatro.
Desde esta grande virada de
1927, a Broadway vem passando
sucessivamente por diversas

mudanças, menos ou mais radi-
cais. O advento do rock & roll,
os novos implementos técnicos
como os microfones de corpo, a

era dos efeitos visuais, entre ou-
tras coisas, fazem com que o gê-
nero musical esteja sempre no
limiar de pequenas revoluções.
Mas nenhuma delas teve vulto
artístico tão significativo quan-
to a entrada em cena, nos anos
50, de Stephen Sondheim. Ini-
cialmente como letrista de West
Side Story (música de Leonard
Bernstein), mas logo assume
voz própria e única, partindo pa-
ra musicais onde será o criador
de música e letras.
A “grande largada” de Sond-
heim é Company, de 1970. Ali,
estava começando o que veio a
ser conhecido como “concept
musical”, um largo passo adian-
te na dramaturgia do gênero, on-
de a relação entre canção e enre-
do não se daria mais por cami-
nhos apenas realistas e prag-
máticos, mas por um tecido dra-
matúrgico bem mais esgarçado
e não linear. No “concept musi-
cal” a música não necessaria-
mente conta uma história ou
narra um episódio da vida de

personagens, mas comenta, en-
rodilha, transcorre numa cama-
da que mergulha e sobrevoa o
assunto da peça, chega a propor
um conteúdo paralelo ao texto
falado. No caso de Company, to-
das as canções tratam de um
mesmo tema sob diversos pon-
tos de vista: o casamento. É co-
mo se a ação se passasse dentro
da mente dos personagens, co-
mo se seu subconsciente viesse
à tona na forma de música. A
partir de Company, o concept ga-
nha espaço e outros musicais
surgem seguindo a mesma li-
nha, entre eles os hoje clássicos
A Chorus Line e Nine.
Sondheim estava apenas co-
meçando, e o mundo dos espetá-
culos com dramaturgia e can-
ções já era outro, tudo parecia
vir com o epíteto de ‘Antes e De-
pois de Sondheim’. Embora o
próprio compositor rejeite as
comparações de seu trabalho
com a ópera tradicional, há di-
versos pontos de contato com o
gênero em espetáculos como
Sweeney Todd, Passion, e Into
The Woods. A distribuição clara
dos personagens por registro
vocal, a valorização dos coros, e
ainda a relação entre recitativo
e canção mostram no mínimo
um apreço do compositor pela
forma operística.
Os musicais de Sondheim
nunca foram exatamente sinôni-
mo de sucesso. Alguns, como
Anywone Can Whistle e Merrily
We Roll Along, mal completaram
um mês em cartaz. Mas todos,
sem exceção, tornaram-se obje-
to de culto pelos amantes do gê-
nero. Sua obra é constantemen-
te revisitada em coletâneas, re-
vues (espetáculos com canções
selecionadas de musicais com-
pletos), e muitas vezes há maior

interesse no material que foi cor-
tado das montagens originais
do que no que foi à cena.
Outro aspecto notável são os
temas tratados por seus musi-
cais. Desde a decadência do tea-
tro de revista em Follies, passan-
do pela “mania” que têm os
americanos de assassinar seus
presidentes em Assassins, até o
sangrento teatro de Grand-
guignol em Sweeney Todd, Sond-
heim nunca fez uma Broadway
para famílias, nem preocupou-
se em oferecer entretenimento
para todas as idades. Seus espe-
táculos são adultos, discutem
assuntos que escavam a super-
fície lisa da vida projetada e não
vivida. Mesmo Into The Woods,
que aparentemente é uma gran-
de brincadeira com contos de
fadas infantis, tem um segundo
ato em que uma desconcertan-
te reversão de expectativas
transforma tudo numa comple-
xa fábula de terror.
Conhecer a Broadway de
Sondheim é conhecer um pou-
co além do glamour do musical
americano. Não que ele negue o
teatro de entretenimento e des-
contração; pelo contrário, Step-
hen Sondheim nos apresenta
talvez um estágio menos ime-
diato de diversão, mas com pro-
messas de um prazer mais dura-
douro e saboroso que um sim-
ples lanche com guloseimas e
refrescos. Sondheim é um pra-
to de gastronomia sofisticada,
deve ser apreciado pelas bor-
das, aos poucos, com estalar de
língua a cada garfada e com di-
reito à mais generosa soneca
após o repasto.
Ah, a sobremesa? Viver.

]
É ATOR, TRADUTOR E PRODUTOR

Como comediante, Adam Sand-
ler carrega a fama de ser gros-
seiro e vulgar, mas olhem esse
filme. Ele é apaixonado por
Drew, que sofreu um acidente
e tem a memória curta. Em
consequência, Sandler tem de
reconquistá-la todo dia, por-
que hoje ela já esqueceu on-
tem. Cativante.

SONY, 18H20. COLORIDO, 99 MIN.

Luiz Carlos Merten

O filme que acumulou prê-
mios transformado em mi-
nissérie irretocável. A fic-
ção acrescida de imagens
de arquivo que contextuali-
zam a história de Elis Regi-
na no quadro da ditadura.
A explosão com Arrastão, a
transformação de O Bêbado
e a Equilibrista em emble-
ma da anistia. Faltam si-
nônimos para sublinhar a
excelência da atuação de
Andreia Horta.

C. BRASIL, A PARTIR DAS 16H55.

Blácula, o Vampiro
Negro/ Blacula
(EUA, 1972.) Dir. de William Crain,
com William Marshall, Vonetta Mc-
Gee, Thalmus Ralulala, Charles
Macaulay, Denise Nicholas.

Em pleno boom dos blaxploita-
tion movies, produziram-se fil-
mes de todos os gêneros. Não
podia faltar o terror e surgiu
Blácula. Em um caixão, o vampi-
ro negro é levado a NY por um
par de gays. Lembrando que,
em A Dança dos Vampiros, Ro-
man Polanski já misturara vam-
pirismo e homossexualidade.

TEL. CULT, 1H55. COLORIDO, 93 MIN.

DESTAQUE

Música. Compositor americano, autor de ‘Company’, reescreveu


a história dos musicais, hoje considerados como uma arte maior


Luiz Carlos Merten


A


lguém já pensou como
seria a série com India-
na Jones, se a providên-
cia não tivesse mexido seus
pauzinhos para algumas mu-
danças que foram definiti-
vas? Embora tenha surgido
como uma criação conjunta
de Steven Spielberg (diretor)
e George Lucas (produtor)
para recuperar o clima das
sessões da tarde da infância
de ambos, logo surgiram as
divergências. Lucas via Indy,
o dublê de aventureiro e ar-
queólogo, como um sedutor à
James Bond, e chegou a pedir
ao roteirista Lawrence Kas-
dan que escrevesse uma cena
de sexo – com o herói de
black-tie –, que Spielberg se
recusou a filmar.
Mais interessante ainda –
Tom Selleck seria o intérpre-
te do papel, mas na última ho-
ra ele preferiu fazer a série
Magnum e Harrison Ford, que
Lucas conhecia do set de Star
Wars – o que seria depois o
Episódio IV –, entrou como
quebra-galho.
São histórias que vale lem-
brar neste domingo, 22, em
que o Telecine Cult anuncia


uma maratona de Indiana Jo-
nes – não os quatro filmes,
mas os três primeiros, os me-
lhores. Começa com Os Caça-
dores da Arca Perdida, às
17h50, e prossegue, pela or-
dem, com Indiana Jones e o
Templo da Perdição, às 19h55,
e Indiana Jones e A Última Cru-
zada, às 22h. O primeiro mos-
tra o herói enfrentando nazis-
tas que, como ele, buscam a
Arca da Aliança de Deus com
o povo judeu. Olha o spoiler.

O plano final é emblemático –
depois de toda aquela ação, a
arca é encerrada num hangar
pela burocracia, contra a qual
Spielberg voltaria a investir
em E.T., no ano seguinte. Ou-
tra curiosidade – o diretor
queria Debra Winger como
mocinha, mas ela declinou e
foi substituída por Karen Al-
len.
Para o 2, Spielberg anun-
ciou que estava procurando a
“shiksa” perfeita, ou seja, a

mulher não judia que interage
com o judaísmo por meio dos
homens. Encontrou-a em Ka-
te Capshaw, com quem até se
casou. Dessa vez, os vilões
não são nazistas, mas inte-
grantes de uma seita que, na
Índia, escraviza crianças e ar-
ranca o coração das pessoas
vivas. Foi o filme da série que
deu mais problemas a Steven,
pelo simples fato de ter violên-
cia demais, segundo distribui-
dores e exibidores. Não seria
divertimento familiar. Tem
cenas memoráveis – a da pon-
te pênsil e a bola gigantesca
nos trilhos da mina.
O 3 mostra Indiana em bus-
ca do Graal, e essa busca coin-
cide com a do pai, interpreta-
do por Sean Connery – talvez
para fechar o ciclo pretendido
por Lucas, Indy como cria de
007? O 4, O Reino da Caveira
de Cristal, de novo com vilões
nazistas, introduzia o filho do
herói (Shia Labeouf) e devia
sua melhor cena – a da praga
de formigas – ao Byron
Haskin de Selva Nua. Depois
de muita hesitação, o roteiro
do 5 está pronto e vai sair. Har-
rison Ford jura que será mui-
to bom, mas Spielberg já anun-
ciou que não pretende dirigir.

Filmes na TV

PARAMOUNT PICTURES

Maratona de Indiana Jones no Telecine Cult


‘Caçadores da Arca Perdida’. Harrison Ford, filme de 1981

Mestre. Stephen Sondheim:
muito além do glamour

GUGA MELGAR – 2/3/2001

BRAVURA CINEMATOGRÁFICA

PIOTR REDLINSKI/THE NEW YORK TIMES

Aos 90, Stephen


Sondheim é um


celeiro de criação


‘Company’.
Montagem
brasileira
de 2001,
no Rio, que
foi vista e
aprovada
pelo próprio
Sondheim:
musical é
decisivo na
carreira do
compositor

%HermesFileInfo:C-5:20200322:
O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2020 Caderno 2 C5

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