O Estado de São Paulo (2020-03-22)

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sobre trabalho em
casa em tempos
de coronavírus

ESPECIAL CORONAVÍRUS


ENTREVISTAS


Ana Paula Boni

Pela primeira vez em seus 48 anos de idade, Marcelo Lombar-
do começou a fazer home office nesta semana. Fundador e
CEO da Omie, que provê software de gestão para pequenas e
médias empresas, ele achava até a semana passada que seu
negócio só poderia funcionar com todos trabalhando no mes-
mo prédio. Mas, depois de uma experiência de home office,
mudou de ideia: “Coisas que eu julgava superimportantes fo-
ram por água abaixo”. Hoje são 440 funcionários trabalhando
em casa e apenas o segurança fica no prédio da empresa no
Brooklyn, na zona sul de São Paulo.

lQuando começaram com o home office?
Na segunda-feira (dia 16). Como no último um ano e meio
fomos de 130 colaboradores para 440 na mesma sede, não pra-
ticávamos home office porque queríamos crescer com todos.

lComo era sua rotina de CEO?
Chegava na empresa antes das 9 horas e nas segundas nos
reuníamos com 12 diretores. Durante o dia temos 100 mil
pessoas conectadas aos nossos servidores, emitindo nota fis-
cal, controlando fluxo de caixa.

lE os funcionários trabalhavam como?
São 440 colaboradores na sede e os servidores estão 100% na
nuvem. Na sede, só temos terminal de trabalho, desktop e
notebook. As pessoas levaram os notebooks para casa. Tive-
mos uma dificuldade inesperada com a telefonia, mas na ter-
ça-feira resolvemos.

lComo foi a decisão de fazer home office?
Definimos na quarta-feira e fizemos uma entrevista com ca-
da uma das 440 pessoas para entender as condições dos fun-
cionários em casa. Na quinta, a sede estava um deserto.

lE a chefia?
Esse movimento está nos ensinando que estávamos restritos
a paradigmas. Ah, a gente não pode ter uma reunião tão inte-
rativa e de alta qualidade de forma remota quanto a reunião
presencial? Sim, dá. Coisas que eu julgava superimportantes
foram por água abaixo.

lIsso vai reverberar no futuro da empresa?
Ainda é cedo para avaliar, porém me deu esperança. Em nos-
so prédio cabem no máximo 460 pessoas e estamos com


  1. Vemos a possibilidade de expandir o time. O papo agora
    é: “Gente, talvez de 25% a 30% das pessoas possam estar em
    home office sem perda de qualidade”.


lE traz economia para a empresa, não?
Sim, exato. Num prédio no Brooklin (zona sul de São Paulo)
com toda a infraestrutura, o custo por posição de trabalho é
de cerca de R$ 900 por mês por funcionário. Se falarmos em
cem pessoas (porcentual em home office), serão R$ 90 mil
por mês de economia.

lQual conselho para dar aos líderes?
Bate uma insegurança, será que essas centenas de pessoas
em casa estão realmente trabalhando? A partir dessa pergun-
ta você pode cair num microgerenciamento para pedir a seus
funcionários, por exemplo, que deixem a câmera aberta
100% do tempo. Isso é uma armadilha gigantesca. O funcio-
nário vai entender isso como falta de confiança.

ESPECIAL O ESTADO DE S. PAULO


TRABALHO REMOTO


‘ALINHAMENTO E


CONFIANÇA SÃO


ESSENCIAIS’


Gilberto Amendola


Flávia Vergili desmistifica o home office e garante que “con-
fiança e alinhamento” são os elementos mais importantes
para o sucesso dessa forma de trabalho.


lComo é a sua experiência com home office?
Trabalho há muitos anos em empresas que oferecem essa
opção. Sempre foi uma alternativa nas ocasiões em que eu
precisava me concentrar um pouco mais ou precisava revisar
um documento. Isso facilita bastante, já estou acostumada
com essa dinâmica.


lQuais os desafios para liderar uma equipe a distância?
Meus times se baseiam na confiança entre as pessoas. O fato
de você confiar no seu colaborador, e de ter um encaminha-
mento claro das tarefas, faz com que não seja preciso estar
sempre frente a frente para garantir a entrega do trabalho.
Se o gestor deixou claro suas expectativas, e se o que foi
combinado foi cumprindo, ninguém precisa ficar conjectu-
rando se o funcionário estava em casa assistindo tevê. No
final das contas, uma boa gestão da equipe é fundamental.
Nós fazemos um alinhamento contínuo das entregas e me-
tas. Alinhamento e confiança são o mais importante.


lExistem problemas que podem ser antecipados ou previstos du-
rante um home office?
Às vezes, cai o sinal da internet, o computador pifa, o colabo-
rador deixa o carregador no escritório... Tudo isso faz parte
do processo. Como estamos nesse cenário de home office
mandatório, o nível de tolerância tem de ser maior. Temos
de entender que se o colaborador está em um call o sinal po-
de cair, a voz pode travar e o áudio da entrevista pode não
ser o mais perfeito. Precisamos ser tolerantes.


lMuitas pessoas parecem ainda desconfiar da efetividade do tra-
balho em casa, não é?
As pessoas, às vezes, olham o home office como algo em que
vai poder trabalhar de pijama ou deitado na cama. Na verda-
de, as pessoas precisam ter a mesma prática de quando vão
para o escritório. Precisam se levantar, tomar banho, se ma-
quiar... Sugiro que para você entrar no modo “estou traba-
lhando” sempre ligue as câmeras durante videoconferências.


lQual infraestrutura as empresas podem oferecer?
Aqui na VTEX, estamos transportando os computadores e
monitores para as casas dos funcionários – bem como mesa
e cadeiras mais confortáveis. Do contrário, você cobra produ-
tividade sem ter oferecido condições de trabalho adequadas.


lÉ um trabalho solitário, não?
As empresas precisam estimular o contato visual entre os
colaboradores. As pessoas precisam se sentir conectadas
mesmo quando estão remotas.


lAtualmente, o trabalho remoto está mais facilitado?
As ferramentas que já existem – videoconferência, troca de
mensagens instantâneas – nos ajudam muito.


lAcredita que, quando tudo isso passar, vamos encarar o home
office como o ‘novo normal’?
As pessoas vão ter tido essa prática e vão saber como se adap-
tar. Mas, se o escritório é bom, com boas instalações, elas
vão continuar sentindo falta de estar lá.


Flávia Vergili,
Chief People Officer da VTEX


‘A QUALIDADE DO


TRABALHO NÃO CAI


DE FORMA REMOTA’


Marcelo Lombardo
CEO da Omie

‘HOME OFFICE VAI


VIRAR ANYWHERE A


PARTIR DE AGORA’


Ana Carolina Sacoman

Há pouco mais de dois anos, os funcionários do Instituto Ayr-
ton Senna vêm fazendo home office uma vez por semana – ou
dois períodos em dias diferentes. Desktops foram trocados por
notebooks e programas acessíveis a distância foram adotados.
Por isso, quando a crise provocada pelo novo coronavírus estou-
rou, a infraestrutura e a cultura da empresa não foram barrei-
ras. O desafio, agora, é manter a equipe motivada. Ewerton Fuli-
ni, vice-presidente corporativo, conta como está sendo:

lComo era a rotina antes do isolamento por causa do coronavírus?
Adotamos o home office uma vez por semana no Instituto Ayr-
ton Senna em maio de 2017, como um projeto-piloto, e, depois
de 3 meses, vimos que foi um sucesso. Isso muda um pouco a
cultura, não é mais controle de horário, mas de tarefas. Vejo o
home office como um recurso e não um benefício. Existe uma
visão de que quem trabalha em casa está descansando. É um
preconceito. Muitas vezes, as pessoas trabalham até mais do
que quando estão no escritório.

lTodo mundo se adapta?
Acredito que sim, mas a empresa precisa oferecer os equipa-
mentos. Lá no Instituto trocamos as CPUs por notebook, por
exemplo. Mas não é só tecnologia. O segundo ponto é ter con-
fiança no colaborador, senão não funciona. Não dá para ficar
controlando horário ou o que a pessoa está fazendo na casa de-
la. A empresa tem de mudar e passar da cultura do controle de
horário para a cultura de acompanhamento de tarefas.

lTeve problemas na equipe?
Sempre tem resistência mas, conforme as pessoas estão vendo
o colega fazendo (home office), elas vão mudando esse precon-
ceito. Antes do coronavírus, 75% dos 98 colaboradores do Insti-
tuto estavam fazendo home office regularmente, uma alta ade-
rência. Acredito que se a pessoa se organizar, mantiver a rotina,
um espaço para trabalhar como se fosse o escritório, dá certo.

lAs pessoas ficam mais produtivas no home office?
Têm vindo excelentes entregas. Por isso, estou tranquilo agora
(com o isolamento por causa do coronavírus). Não vamos deixar
de entregar o que a gente se comprometeu. O home office exi-
ge disciplina do colaborador e do gestor.

lComo está agora? Desde quando estão trabalhando de casa?
Desde 16 de março. Tomamos essa decisão mesmo sem ter nenhum
caso positivo (para infecção por coronavírus) no Instituto. Com isso,
93% das pessoas estão em casa trabalhando. Mas, a partir da próxi-
ma semana, devemos ficar 100% online e fechar o escritório.

lO trabalho a distância é o futuro para o Instituto?
Em vez de ser uma vez na semana, vamos ter mais dias de ho-
me office (quando a pandemia acabar). Acho que não só no Insti-
tuto, mas no mercado como um todo. O home office dribla
trânsito, economiza espaço imobiliário. Isso vai melhorar a qua-
lidade de vida também.

lEste vírus está sendo uma quebra de paradigmas...
Tem de acabar com essa palavra home office, tem de ser
anywhere: você trabalha de qualquer lugar com um computa-
dor e internet. Ainda tem aquela visão do passado, de contro-
le da carga horária, e o home office é o avesso disso. O gestor
passa a ter visão mais estratégica. Acho que isso também vai
ensinar o gestor a trabalhar, ele tem de olhar o indivíduo.

Ewerton Fulini
Vice-presidente Corporativo do Instituto Ayrton Senna

Diretor de jornalismo: João Caminoto; Editor executivo de
jornalismo e audiência: David Friedlander; Editor executivo
multimídia: Fabio Sales; Ilustrador: Marcos Müller; Designer: An-
derson Nakamura; Reportagem: Ana Carolina Sacoman, Ana Paula
Boni, Anna Barbosa, Circe Bonatelli; Gilberto Amendola; Giovanna
Wolf, Marina Dayrell e Paula Félix; Editora de Conteúdos Espe-
ciais: Ana Carolina Sacoman; Editora de Inovação: Carla Miranda;
Editora de infografia multimídia: Regina Elisabeth Silva; Editores
assistentes multimídia: Adriano Araujo, Carlos Marin, Glauco Lara
e William Marioto.


Flavia Eadi de Castro (head de Direito do Trabalho da RGL Advogados), Luís Otávio Camargo Pinto (advogado trabalhista e presidente
da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades), Fabrício César Bastos (professor de Administração), Christopher Spikes
(CEO da Authen), Carlos Silva (diretor jurídico da ABRH-SP), Juliana Machado (psicanalista), Lucas Oggiam (diretor da Michael Page,
empresa de recrutamento), Bruna Duarte Vitorino (coordenadora do setor pedagógico do Kumon), Bianca Vilela (consultora em saúde
corporativa e fisiologista do exercício), Mônica Hauck (CEO da Sólides e especialista em recursos humanos), Léia Weesling (psicóloga
e consultora organizacional), Juliana Amarante (advogada trabalhista do Souza, Mello e Torres), Aldo Martinez (advogado trabalhista
e sócio do Santos Neto Advogados), Gisela Freire (sócia do escritório Cescon Barrieu e especialista em Direito Trabalhista), André Brik
(consultor do Instituto Trabalho Portátil), Adriano Marcandali (diretor latino do Workplace), Tathiane Deândhela (especialista em
produtividade), André Miceli (coordenador do MBA de Marketing e Negócios Digitais da FGV), Vivo, Claro, Alexandre Cardoso (sócio da
área trabalhista do escritório TozziniFreire Advogados), Rafael Furtado (vice-presidente de Recursos Humanos da Pearson).

Fontes consultadas nas perguntas

%HermesFileInfo:H-6:20200322:H6 Especial DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO

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