o dia 25 de dezembro de 1991, às
19 horas em Moscou, o então líder
soviético Mikhail Gorbachev
anunciava em uma rede estatal de
rádio e televisão: “Devido à situa-
ção criada com a formação da
Comunidade de Estados Independentes, encer-
ro minhas atividades como presidente da
URSS”. Em um discurso de 12 minutos e lido
em tom melancólico e triste diante das câmeras
e microfones, Gorbachev colocava um ponto
final não apenas à sua carreira política, mas
também a um império poderoso, cuja fundação
ocorreu há exatos cem anos: a União das Repú-
blicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Na Praça Vermelha, onde fica o Kremlin,
sede do governo russo até hoje, as poucas pes-
soas nas ruas que enfrentavam o rigor do inver-
no puderam presenciar um momento histórico
ocorrido meia hora após o discurso de Gorba-
chev: a retirada, sem qualquer anúncio ou ce-
rimônia, da histórica bandeira soviética verme-
lha com a foice e o martelo do mastro do
Kremlin, e a substituição por outra bandeira, a
da Rússia, nas cores azul, vermelha e branca.
Nas ruas ao redor da praça-símbolo do comu-
nismo, os moscovitas estavam mais preocupa-
dos com as longas filas para compras de produ-
tos básicos nos supermercados da capital russa
do que com o discurso do último presidente
soviético, morto em agosto deste ano.
A troca silenciosa da bandeira vermelha pela
listrada na torre do Kremlin foi um enorme
contraste com o poder de um império fundado
em 30 de dezembro de 1922 e que durante dé-
cadas rivalizou com os Estados Unidos o status
de nação mais poderosa – e temida – do mundo.
Antes de se tornar uma superpotência geopolí-
tica e militar, porém, o país enfrentou diversas
dificuldades políticas, sociais e econômicas que,
em determinados momentos, quase levaram à
bancarrota o projeto de socialismo implantado
no país após a Revolução de 1917.
Logo após o levante de outubro que derrubou
o regime secular dos czares na Rússia, os revo-
lucionários socialistas comandados por lideran-
ças como Vladimir Ilych Ulianov (Lenin) eLeón Trotsky conseguiram feitos importantes,
como a retirada da Rússia da Primeira Guerra
Mundial, em 1918, melhorias na crise de abas-
tecimento de bens essenciais para a população
que se arrastava há décadas e a distribuição de
terras aos camponeses. O preço, porém, foi um
governo autoritário e extremamente centrali-
zador nas mãos de Lenin, primeiro governante
da nação socialista.REGIME LINHA-DURA
Tais medidas não bastaram para consolidar o
condão dos bolcheviques (grupo de revolucio-
nários que assumiu o poder liderado por Lenin
e Trotsky). Em 1921, a crise econômica se agra-
vara e as revoltas populares e greves se alastra-
vam pelo território russo, no campo e nas cida-
des. Em fevereiro daquele ano, a polícia política
registrou a existência de 118 insurreições cam-
ponesas espalhadas por regiões como a bacia
do Rio Volga, Sibéria, Cáucaso e Ucrânia.
Os camponeses não suportavam mais os
rigores do comunismo e exigiam o fim das re-
quisições de cereais e a liberdade do comércio,
medidas impostas pelo governo socialista para
tentar combater a miséria e reduzir a desigual-
dade social. Mesmo assim, no inverno de 1921-
1922, a fome matou mais de 5 milhões de pes-
soas em decorrência da situação política e
administrativa caótica posterior à guerra civil
de 1917, que destituiu o poder dos czares na
Rússia e promoveu a socialização em massa da
população e confisco dos meios de produção
nacionais. “Um camponês, criticando os bol-
cheviques, resumira o estado de espírito do
povo: ‘a terra é nossa, mas o pão é vosso’; a água
é nossa, mas o peixe é vosso’ e as f lorestas são
nossas, mas a madeira é vossa”, escreve o histo-
riador Daniel Aarão Reis Filho no livro URSS:
O Socialismo Real (Editora Brasiliense). Revol-
tas armadas que reuniam até 50 mil homens em
áreas como a Ucrânia se insurgiram contra o
novo regime, sendo combatidas a ferro e fogo
pelo Exército Vermelho.
Soado o alarme e atordoados com o isola-
mento e o perigo de fracasso da revolução, os
bolcheviques trataram de desenvolver e co-CAPA