Aventuras na História #235B - 02Dez22_compressed

(lenilson) #1
Unidos e à Europa, onde ia vender couro, foi um
pioneiro de deixar qualquer self-made man sem
fôlego: levou a jornada de oito horas para o Nor-
deste feudal, a primeira creche, um código de
higiene, lições de ecologia, a proibição do uso de
armas, as primeiras noções de irrigação... Tudo
isso no meio da caatinga.

INFÂNCIA SOLITÁRIA
Delmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu no
município de Ipu, no interior do Ceará, em 5 de
junho de 1863, em um Brasil que somente 25 anos
depois decretaria a libertação dos escravos. Com
apenas 5 anos, ficou órfão de pai, um cearense
chamado Delmiro Farias, que viajava o país ne-
gociando cavalos. Delmiro pai morreu alvejado
durante a Guerra do Paraguai, depois de se alistar
no Exército brasileiro. Com a notícia, a mãe, uma
pernambucana de batismo Leonila Flora da Cruz,
o levou para o Recife, onde ela sobreviveu como
empregada doméstica e da venda de bolos e doces.
Dez anos depois, o menino viveu seu pior momen-
to, tornando-se também órfão pelo lado materno.
Sem pai, sem mãe, sem irmãos – era filho úni-
co de Leonila, fruto de uma relação extraconjugal
de Farias – , Delmiro viu-se perdido nos arredo-
res da capital pernambucana, uma das principais
metrópoles do país. Encontrava-se no mato sem
cachorro, como no dizer popular. “Desconhecido
dos seus parentes paternos, lá do sertão do Ceará,
e sem vínculos com os primos maternos, mora-
dores do interior de Pernambuco e Paraíba, viu-
-se pobre e só em meio à multidão de uma gran-
de cidade como Recife. Sentia-se um órfão na
Babilônia”, escreveu José Airton de Farias em
Delmiro Gouveia.
Vanguardismo é destino. O primeiro emprego
do garoto desamparado foi justamente no que
havia de mais moderno no Brasil da época, a
machine pump (que os pernambucanos pronun-
ciavam machambomba e assim ficou), o trem
administrado pelos ingleses da Brazilian Street
Railway Company, o primeiro serviço do gênero
na América Latina. Delmiro, semianalfabeto,
vendia bilhetes naquele veículo da modernidade.

Três anos depois, virou burocrata da alfândega
do porto do Recife, um dos mais movimentados
do mundo no final do século 19.
Ao testemunhar o vaivém das riquezas das
exportações e importações daqueles armazéns de
um Pernambuco ainda próspero, o menino resol-
veu arriscar-se em novos negócios. “Recusava-se
a ser um animal de cargas, enquanto a riqueza ia
para o patrão pomposo”, afirmou José Airton.
Assim, entrou para o ramo que lhe daria for-
tuna e fama como o “rei dos sertões”: o negócio de
compra e venda de peles, couros de bode, cabra,
carneiro, produtos em alta nos Estados Unidos e
Europa. Sabe aqueles courinhos usados como
tapete no Brasil? Estava aí o segredo de Delmiro.
O algodão in natura completava seu portfólio de
exportações. Ele saía sertões afora para comprar
os produtos que eram revendidos fora do Brasil
por estrangeiros estabelecidos no Recife.
Aos 25 anos, Delmiro, já bem situado no ramo,
deu o salto que mudaria sua vida. Trabalhava para
a firma americana Keen & Co., que mantinha filial
em Pernambuco, mas não ia lá muito bem das
finanças. O cearense investiu o que tinha e o que

PERSONAGEM


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