não tinha e comprou uma passagem de navio para
os EUA, chegando até a Filadélfia, sede da empre-
sa que negociava com couro e algodão, entre ou-
tros produtos brasileiros. Uma vez na América,
convenceu os proprietários, com um inglês rudi-
mentar assimilado dos estrangeiros do porto, de
uma coisa: ele, Delmiro, seria o homem certo para
conduzir os negócios do grupo no Nordeste.
Voltou de lá com o crachá de diretor da Keen
& Co., nomeado chefe dos negócios em Pernam-
buco – para o espanto dos estrangeiros que co-
mandavam a companhia. Um cenário econômico
favorável aos exportadores no começo dos anos
1890 do século 19, resultado da política adotada
com a proclamação da República, fez do menino
pobre do sertão um rico exportador de peles no
Recife. Era um dândi que se exibia sempre nos
melhores e mais bem cortados ternos brancos da
época pelas ruas da capital pernambucana. Mui-
tas peças do seu guarda-roupa exibiam a rubrica
de renomados alfaiates de Paris.
Pouco mais de dois anos no comando da firma
americana e o empreendedor nordestino já era
dono do seu próprio negócio: a casa Levy & Del-miro, em sociedade com o judeu inglês Clement
Levy. Três anos mais adiante e era proprietário
da Delmiro & Cia., consagrado como “o rei das
peles”. Arrebanhou na praça os melhores funcio-
nários do seu ramo e dominou o mercado com
traquilidade, passando a legião estrangeira esta-
belecida no Recife. A roda da fortuna do cearen-
se, hoje visto por historiadores como um dos
grandes símbolos na defesa do nacionalismo, ti-
nha por trás uma potência empresarial de Nova
York, o curtume J.H. Rossbach & Brothers, que
lastreava de dinheiro os sonhos do empreendedor.
O casarão onde morava Delmiro, no bairro de
Apipucos, passou a ser o salão das grandes festas
da sociedade de Pernambuco. Chamava atenção
o carinho que tinha em público com a mulher
Anunciada, com quem se casara em 1883, aos 20
anos. Isso não o impedia, no entanto, de ser um
boêmio e frequentador dos bordéis da cidade. O
capricho nas vestes e a sintonia com os costumes
europeus – além dos Estados Unidos, viajava sem-
pre à Europa – fez com que ditasse moda no Nor-
deste. Ficaram famosos, como lembrou José Air-
ton na sua biografia, os “colarinhos DelmiroAntes de entrar para o cangaço, Virgulino
Ferreira da Silva (1897-1938), o Lampião,
ganhava a vida trabalhando para Delmiro
Gouveia. Sujeito pacato, incapaz de matar
uma mosca, o jovem, entre os 17 e os 19
anos, prestava serviços como almocreve,
profissional que transportava em lombo de
burro mercadorias pela caatinga afora.
Conduzia grandes cargas de couro de bode
da Bahia e Pernambuco para a fazenda Pedra,
hoje município de Delmiro Gouveia, a 300
quilômetros de Maceió. Era um serviço duro,
herdado de tradição familiar, que rendia por
mês pouco dinheiro e um estrago na saúde.
Mas a experiência como desbravador das
veredas e quebradas do interior do Nordesteseria bastante útil tempos depois, já nos anos
1920 do século passado. Virgulino deixou a
fama de bom menino para virar cangaceiro,
ramo de vida no qual fez fortuna, como
descreveu o historiador Frederico Pernambu-
cano de Mello, autor de Apagando o Lampião:
Vida e Morte do Rei do Cangaço, entre outras
diversas obras sobre o cangaço no Brasil.
Morto por pistoleiros em uma emboscada, no
ano de 1917, Delmiro não viu seu ex-emprega-
do construir fama e tornar-se um mito no
sertão, o que seguramente condenaria. Na vila
de Pedra, sob o seu comando, era proibido o
uso de armas de fogo, mesmo que “inocentes”
espingardas de chumbo para a caça de aves,
ainda hoje muito comuns no sertão.PRIMEIRO EMPREGO