Gouveia”, mais altos do que os usados comumen-
te à época, muito engomados e brancos. “O indis-
creto charme da burguesia”, comentou o autor.
Sertanejo de espírito cosmopolita, o empresá-
rio trouxe da Exposição Universal de Chicago,
realizada em 1899, o projeto de construção de um
mercado onde se pudesse encontrar todo tipo de
mercadoria e que funcionasse até tarde da noite,
pelo menos até as 22 horas, o que era impensável
no Brasil da época. Naquele mesmo ano abriu as
portas do Mercado do Derby, um conjunto de 264
lojinhas, que pode ser considerado o primeiro
shopping center do Brasil. Uma festa no Recife, o
estabelecimento atraía gente de todos os lugares
do Nordeste para visitá-lo.DESPREZADO PELA ELITE
Os preços bem abaixo do comércio tradicional
chegaram a irritar os concorrentes de Delmiro,
que, àquela altura, também despertava ódio nas
elites pernambucanas, que não admitiam sua
ascensão tão rápida e seu poderio. Além de forte
no comércio, o empresário havia fincado um pé
também na indústria açucareira, feudo da “casa-
-grande”, dos aristocratas. Era muito para um
“emergente”, em cujas veias não corria o sangue
da burguesia do Estado.
Em 1900, na madrugada do dia 2 de janeiro,
sofreu a primeira grande reação. O seu “shopping”
foi incendiado por tropas enviadas pelo oligarca
Francisco de Assis Rosa e Silva, que administrou
Pernambuco de 1896 a 1911 e que, durante o go-
verno Campos Sales (1898- 1902), acumulou tam-
bém o cargo de vice-presidente do Brasil.
Os desentendimentos entre o empresário e o
político se arrastavam havia pelo menos um ano.
Seis meses antes do incêndio no mercado, Delmi-ro pôs Rosa e Silva para correr debaixo de benga-
ladas no centro do Rio de Janeiro, depois de sus-
peitar que o vice encomendara sua morte a um
renomado pistoleiro de Pernambuco.
O incêndio, as dívidas com os investimentos- tanto no shopping quanto em uma usina de
açúcar – e a recessão econômica imposta pela
gestão Campos Sales praticamente puseram abai-
xo o império do self-made man do sertão. Para
completar, o infortúnio no amor. Boêmio e cole-
cionador de amantes – a lenda recifense reza que
ele chegou a uma dezena fixa ao mesmo tempo –,
destruiu o casamento com Anunciada nesse mes-
mo momento em que experimentava a decadên-
cia do patrimônio. Para completar a desgraça,
Rosa e Silva ainda mandou prendê- lo, acusado
de tocar fogo no próprio mercado.
Solto dias depois, graças a um habeas-corpus,
refugiou-se na Europa, f lanando por Itália e Fran-
ça, como para esquecer a maldição que tomara
conta da sua vida. No retorno ao Recife, no ano
seguinte, o choque da realidade. Foi decretada
sua falência e um dos ex-sócios tentou matá-lo,
num atentado a bala do qual escapou ileso.
Falido e desmoralizado, embrenhou-se no ser-
tão de Alagoas, como numa volta simbólica ao
útero da caatinga onde nasceu. Aí começa tudo
outra vez. Com a ajuda de oligarcas alagoanos e
uma nova “mãozinha” da firma americana Ros-
bach & Brothers, recomeça no mesmo ramo: a
compra de couro de bode para exportação. Na
Fazenda Pedra, no então município de Água Bran-
ca, a 300 quilômetros de Maceió, abriu um arma-
zém. A vila tinha cinco casinhas e nada mais.
Predestinado a fazer fortuna, Delmiro via no
lugar o ponto mais estratégico, no meio do sertão,
próximo aos estados da Bahia e Pernambuco, para
refazer a vida. Não deu outra. Nos primeiros dois
anos já mostrava sinais de riqueza outra vez. Mas,
antes mesmo de respirar economicamente, come-
teu outra grande aventura: mandou raptar, no
Recife, Carmélia Eulina, 17 anos, filha de um de
seus inimigos da elite pernambucana, com quem
havia se encontrado dois anos antes. Com ela, teve
os seus três filhos, Noêmia, Noé e Maria.
EM PLENO SERTÃO DE1914, EMPREGOU 700MULHERES E CRIOU APRIMEIRA CRECHEIMAGENS GETT Y IMAGES E REPRODUÇÃOPERSONAGEM