Aventuras na História #235B - 02Dez22_compressed

(lenilson) #1

Com as exportações de couro prosperando
cada vez mais, em 1910, Delmiro, que já tinha
levado para o sertão todas as novidades, como o
gelo e o automóvel, pensa grande: quer instalar a
primeira hidrelétrica ali perto de Pedra, nas ca-
choeiras do Rio São Francisco. Três anos depois,
inaugura Angiquinhos, a usina que passa a gerar
energia elétrica para a região, com maquinário
inglês e técnicos americanos.
Em 1914, inaugurou a primeira fábrica de li-
nhas de costura e fios para malharia da América
Latina. Em pleno sertão, a empresa chegou a em-
pregar 1700 pessoas, sendo 700 mulheres, o que
era um avanço nos costumes da época. Lá, Del-
miro montou uma das primeiras creches para
funcionários de que se tem notícia no Brasil, além
do regime de trabalho de oito horas.
Em pouco tempo, a marca Estrela dos produtos
de Delmiro dominava o mercado latino-america-
no, ajudada pela Primeira Guerra Mundial, que
impedia o deslocamento de produtos europeus
para a região. O avanço da fábrica de Alagoas ir-
ritava os ingleses da companhia Machine Cottons,
que tentaram comprar a empresa a todo custo,
sem sucesso, enquanto o empreendedor era vivo.
O embate comercial era duríssimo. Os estrangei-
ros não admitiam a perda de espaço, o que fez do
cearense um símbolo do nacionalismo brasileiro.
Mas o homem que levou a revolução industrial
para o sertão estava com os dias contados. Às 21
horas do dia 10 de outubro de 1917, lia as notícias
da guerra nos jornais, sob a lâmpada elétrica do
alpendre da sua casa, quando foi alvejado por três
tiros de rif le de pistoleiros. Não se sabe ao certo
até hoje quem encomendou o crime. Os oligarcas
incomodados com o poderio de Delmiro? Os
concorrentes comerciais? “E o que se vê, em 1917,
naquele tenebroso 10 de outubro, é nada menos
que a morte do futuro pelas piores energias do
passado”, ref letiu o historiador Frederico Pernam-
bucano de Mello, especialista em cangaço.
A ironia é que graças à luz elétrica, plantada ali
por Delmiro, foi possível a emboscada noturna, o
que não ocorria até então. O “rei dos sertões” mor-
reu iluminado pela sua própria “invenção”.


VIDAS PARALELAS
A biografia de Delmiro Gouveia é quase uma
reprise, em versão nordestina, da trajetória de
outro grande empreendedor brasileiro, o barão
e visconde de Mauá, como passou à História
o gaúcho Irineu Evangelista de Souza (1813-
1889), empresário, banqueiro e político.
Pioneiros e nacionalistas, os dois são conside-
rados fundadores e símbolos do capitalismo
no Brasil. De origem humilde, ambos tiveram
que começar a trabalhar muito cedo. Aos 11,
seis anos depois de ficar órfão, o jovem Irineu
já estava atrás do balcão de uma loja de
tecidos no Rio de Janeiro, para onde se
mudara vindo de Jaguarão (RS). Também
órfão, o cearense Delmiro pegou no batente
aos 15, bilheteiro de trem em Olinda, em
Pernambuco. Ao final da vida, os dois enfren-
tam a mesma peleja: uma disputa acirrada e
nada cordial com grandes empresas estran-
geiras. Desbravador, como Delmiro, o gaúcho
foi à Inglaterra aos 23 anos e voltou de lá com
uma ideia fixa pendurada no trapézio do seu
cérebro, como um obstinado Brás Cubas de
Machado de Assis, seu contemporâneo:
fundar a indústria naval do Brasil. Em 1846, a
obra estava de pé, com estaleiros em Niterói,
no Rio de Janeiro. O vanguardismo do barão
foi adiante. Tem sua marca a primeira estrada
pavimentada do país, que ligava Petrópolis
(RJ) a Juiz de Fora (MG), as primeiras ferrovias,
o serviço de iluminação pública do Rio e o
telégrafo, entre outras tantas inovações. O
barão de Mauá e o “rei dos sertões” tiveram
enfrentamentos políticos parecidos, sempre
no combate às chamadas “forças do atraso”,
que tentavam impedir a industrialização ao
país. O gaúcho sofreu com a antipatia e as
críticas do próprio imperador dom Pedro II e
Delmiro foi vítima da perseguição da oligarquia
agrária pernambucana. Até incêndios crimino-
sos marcaram a vida de ambos. Mauá perdeu
um estaleiro da sua indústria naval destruído
em um atentado por encomenda de seus
concorrentes. Delmiro viu o seu Mercado do
Derby, no Recife, considerado o primeiro
shopping center do Brasil, ser incendiado a
mando de seus inimigos políticos.

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