Aventuras na História #235B - 02Dez22_compressed

(lenilson) #1

AS OPINIÕES DOS COLUNISTAS NÃO SÃO DE RESPONSABILIDADE DA REVISTA


O


que muitos não sabem é que o aborto – hoje
central na pauta das guerras culturais nos Es-
tados Unidos e no Brasil –, por muitos anos,
foi um assunto completamente ignorado por evan-
gélicos. Isso só mudou nos anos 1970, graças a um
documentário cristão, apresentado e escrito por um
carismático teólogo americano chamado Francis
Schaeffer. A história começa quando um produtor
de filmes evangélicos convence Francis a adaptar um
de seus livros e este impõe a condição de que a dire-
ção ficasse a cargo de seu filho, Frank Schaeffer, que
sonhava em ser cineasta.
Essa colaboração resultou na
ambiciosa série de documentá-
rios, em dez episódios, How
Should We Then Live (Como
Devemos Viver Então), que ti-
nha a mensagem de que, sem
Deus, a humanidade estaria mo-
ralmente perdida. A série foi um
sucesso estrondoso nos EUA; na turnê de lançamen-
to por 16 cidades americanas, era exibida em arenas
lotadas com capacidade para 20 mil pessoas.
Em seguida, Frank convenceu seu pai a fazer um
novo filme, dessa vez, focado no aborto. “Eu dizia:
‘se você não fizer uma série sobre aborto, é como se
você fosse pró-aborto’”, contou Frank ao podcast As
Estranhas Origens das Guerras Culturais, da BBC
News Brasil. E assim surgiu, em 1979, o documentá-
rio Whatever Happened to the Human Race? (O que
aconteceu com a raça humana?), com imagens ex-
travagantes e avant-garde de crianças fantasmagóri-
cas vagando pelo mundo e centenas de bonecas es-
palhadas pelo Mar Morto.

Entretanto, o público não deu bola dessa vez. A
turnê de lançamento foi um fracasso, e obrigou Frank
e Francis a buscarem apoio de instituições evangéli-
cas – sem sucesso, pois ninguém estava interessado
em pregar contra o aborto. Tudo isso mudou depois
que uma resenha sobre o filme no New York Post
chamou a atenção das feministas, que ficaram revol-
tadas com a obra. Grupos feministas começaram a
protestar em frente a cinemas que exibiam o filme,
o que, por sua vez, atraiu a grande imprensa. “Cada
vez que isso aparecia na imprensa, multidões de
evangélicos iam para as ruas nos apoiar contra as
feministas raivosas, que eles
viam como inimigas”, lembra
Frank. “Eles não iam protestar
por causa do aborto em si, mas
por causa de todo o resto da
agenda delas, de queimar sutiãs
e defender que mulheres tenham
carreiras profissionais.”
Porém, o que começou como manifestações pa-
cíficas, aos poucos, foi ganhando contornos violentos


  • e a violência virou a tônica do embate sobre abor-
    to nas décadas seguintes. Mulheres passaram a ser
    agredidas em entradas de clínicas de aborto. Em
    1998, Barnett Slepian, um ginecologista que fazia
    abortos, foi morto a tiros por James Charles Kopp,
    que havia escrito uma carta aos Schaeffer elogiando
    os documentários. A essa altura, Frank, já estabele-
    cido como diretor em Hollywood, sentia um remor-
    so pelas consequências do filme. “Não tenho palavras
    para expressar a profundidade do meu arrependi-
    mento por minha estupidez e insensível descaso pela
    decência e valor pela vida humana”, disse à BBC.


COLUNA THOMAS PAPPON

THOMAS PAPPON É JORNALISTA DA BBC NEWS BRASIL. TEXTO ADAPTADO DO PODCAST
AS ESTRANHAS ORIGENS DAS GUERRAS CULTURAIS, DISPONÍVEL NO SITE BBC.COM/BRASIL

O INÍCIO DA GUERRA

CONTRA O ABORTO

Filme cristão chamou
a atenção de feministas,
cujo protesto despertou
a ira de evangélicos

Acesse nosso Canal no Telegram: t.me/BRASILREVISTAS
Free download pdf