O Estado de São Paulo (2020-03-23)

(Antfer) #1

Mateus Vargas / BRASÍLIA


Da pandemia de H1N1, em
2009, até a chegada do novo
coronavírus, neste ano, o Bra-
sil perdeu 34,5 mil leitos de in-
ternação. Esses espaços são
destinados a pacientes que
precisam ficar por mais de 24
horas dentro de um hospital
e, pelas previsões de autorida-
des de saúde, poderão aten-
der a grande parte dos casos
mais graves da doença, cerca
de 20% do total, nos próxi-
mos meses.

Em números totais, os leitos
para internação no País caíram
de 460,92 mil para 426,38 mil
no intervalo que separa as duas
pandemias. A queda ocorreu
em unidades do Sistema Único
de Saúde (SUS), onde a redu-
ção chegou a 48,53 mil espaços
de atendimento. No mesmo pe-
ríodo, a rede privada apresen-
tou um salto de cerca de 14 mil
leitos, um aumento considera-
do baixo por especialistas do
setor.
Técnicos do Ministério da
Saúde ouvidos pelo Estado di-
zem que a queda em número
de leitos de internação é global
e está relacionada, em parte
considerável, à política pública
de reforçar a atenção básica.
Uma parte significativa de lei-
tos fechados no País seria de
hospitais conveniados do SUS
que, pouco lucrativos, deixa-
ram de funcionar. Procurada
pela reportagem, a pasta não se
manifestou.
Médico e pesquisador do La-
boratório de Informação em
Saúde da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), Josué Laguar-
dia afirma que é difícil projetar
como a covid-19 vai pressionar
a rede de serviços de saúde. Tu-
do dependerá, segundo ele, do
sucesso ou não de medidas para
segurar o crescimento da curva
de casos.
Laguardia avalia que a rede
de assistência deve preparar a
liberação de leitos para a deman-
da que a pandemia irá impor, a
partir de medidas específicas,
como cancelar cirurgias sim-
ples e evitar internações desne-
cessárias. “Atenção primária
também é importante, pois faz
uma triagem. Consegue-se iden-
tificar quem é o paciente que
precisa de internação”, ressalta
o pesquisador. Ele afirma que
os Estados até podem ter parâ-
metros próximos do ideal sobre
assistência em saúde, mas, se
desagregar a regiões menores,
nota-se desigualdade bem
maior. “Há esses vazios assis-
tenciais.”


Desigualdade. Um estudo do
Projeto Avaliação do Desempe-
nho do Sistema de Saúde (Proa-
dess) da Fiocruz observa, a par-
tir de dados de 2009 a 2017, for-
te desigualdade na distribuição
de leitos no País. A relação de
cerca de dois leitos por 1 mil
habitantes no SUS ficaria abai-
xo de dados apontados como
satisfatórios pelo próprio go-
verno. “Como em diversas ou-
tras áreas da realidade brasilei-
ra, as desigualdades regionais
mostraram-se marcantes, seja
em relação a distribuição e evo-
lução de estabelecimentos e lei-
tos hospitalares por tipo de por-
te e esfera jurídica, seja conside-
rando dimensões do desempe-
nho”, diz a pesquisa.
A análise mais detalhada dos
dados evidencia uma redução
de leitos em locais que enfren-
tam dificuldade no atendimen-
to. O Rio de Janeiro perdeu


mais de 17 mil dos 50 mil espa-
ços de internação registrados
em 2009, ano da pandemia de
H1N1. O Estado já foi apontado
como preocupação pelo minis-
tro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, no combate ao novo
coronavírus. “O Rio de Janeiro
aguenta muito pouco. São Pau-
lo aguenta um pouco mais. O
Paraná é nosso melhor siste-
ma, a melhor rede de distribui-

ção. O Acre não tem nenhum
caso. O Brasil é um continen-
te”, disse ele em 11 de março, à
reportagem.

Tratamento intensivo. Já os
leitos de UTI, que devem aten-
der cerca de 15% dos pacientes
mais graves – um universo de
20% do total – , aumentaram no
intervalo analisado, mas para
um patamar ainda insatisfató-

rio, segundo a Associação de
Medicina Intensiva do Brasil (A-
mib). O Brasil ganhou 17,3 mil
leitos de UTI desde a pandemia
de H1N1, de 42,4 mil para cerca
de 60 mil. Ainda assim, as unida-
des que atendem adultos têm
mais de 90% de ocupação, afir-
ma a associação.
A Organização Mundial da
Saúde (OMS) faz a recomenda-
ção de três leitos de UTI para

cada 10 mil habitantes como
ideal. Hoje, o SUS tem cerca de
um leito para cada 10 mil habi-
tantes. “Com pouca margem
para aumento de demanda por
causa da alta taxa de ocupa-
ção”, afirma a associação. Na
rede particular, a relação é de
quatro leitos para cada 10 mil
habitantes e a ocupação média
é de 80%, indica levantamento
da Amib. Em locais de forte
contaminação pela covid-19
no mundo, a demanda por lei-
tos de UTI chegou a ser mais
que o dobro da média disponí-
vel no setor público brasileiro,
segundo a associação.
O estudo da Fiocruz tam-
bém observa a série histórica
de leitos de UTI. Segundo a fun-
dação, “chama a atenção” que
144 (33%) das “Regiões de Saú-
de” delimitadas pelo governo
não têm nenhum leito de cuida-
do intensivo disponível ao SUS
por 100 mil habitantes, sendo
que metade está no Nordeste.
Dados recentes, deste ano,
mostram que os leitos de UTI
se concentram na Região Su-
deste – são 6.700 em São Paulo
e 4.040 no Rio. As redes públi-
cas e privada têm praticamen-
te o mesmo número de leitos
para tratamento intensivo.
Mas os pacientes com plano de
saúde representam apenas
25% da população. A conta en-
tre autoridades de Saúde é que
o SUS atende a 150 milhões, en-
quanto hospitais particulares
recebem 50 milhões.

Metrópole


● Confira as oscilações dos leitos; onde houve queda e onde houve acréscimo

NÚMERO DE LEITOS

Região Norte
Rondônia
Acre
Amazonas
Roraima
Pará
Amapá
Tocantins

Região Nordeste
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio Grande do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia

Região Sudeste
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo

Região Sul
Paraná
Santa Catarina
Rio Grande do Sul

Região Centro-Oeste
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
Goiás
Distrito Federal

29.984
3.588
1.496
5.744
778
14.907
1.050
2.421

121.664
15.421
8.297
18.202
7.660
9.705
21.909
6.134
3.861
30.475

197.809
43.813
7.600
50.150
96.246

74.277
28.749
15.058
30.470

37.194
6.098
6.818
17.721
6.557

2.262
217
53
523
68
1.115
105
181

7.917
701
513
1.249
533
775
1.312
480
345
2.009

22.960
3.648
861
6.086
12.365

6.369
2.353
1.393
2.623

2.900
530
590
965
815

1.624
133
40
477
44
726
78
126

5.609
397
185
922
443
467
1.271
264
247
1.413

21.009
3.236
794
4.916
12.063

4.748
1.841
917
1.990

2.249
301
559
858
531

3.521
494
152
899
152
1.412
94
318

12.528
1.064
450
2.137
807
918
2.897
550
511
3.194

33.806
6.263
1.468
7.527
18.548

9.388
3.784
2.119
3.485

6.168
909
1.404
1.728
2.127

1.897
361
112
422
108
686
16
192

6.919
667
265
1.215
364
451
1.626
286
264
1.781

12.797
3.027
674
2.611
6.485

4.640
1.943
1.202
1.495

3.919
608
845
870
1.596

3.768
446
194
919
100
1.574
170
365

12.239
1.240
590
1.944
774
948
2.472
723
503
3.045

29.901
5.333
1.391
7.424
15.753

8.437
3.603
1.582
3.252

5.350
668
1.148
1.866
1.668

1.506
229
141
396
32
459
65
184

4.322
539
77
695
241
173
1.160
243
158
1.036

6.941
1.685
530
1.338
3.388

2.068
1.250
189
629

2.450
138
558
901
853

30.357
4.286
1.484
5.700
1.133
13.584
1.098
3.072

114.215
13.778
7.460
18.510
7.272
8.171
20.961
5.891
3.212
28.960

171.967
40.699
7.929
32.736
90.603

72.947
27.502
15.322
30.123

36.902
5.596
7.156
17.445
6.705

LEITOS DE INTERNAÇÃO (SUS + PRIVADO)

TOTAL 460.928 426.388

2009 2020 DIFERENÇA 2009 2020 DIFERENÇA 2009 2020 DIFERENÇA
373
698
-12
-44
355
-1.323
48
651

-7.449
-1.643
-837
308
-388
-1.534
-948
-243
-649
-1.515

-25.842
-3.114
329
-17.414
-5.643

-1.330
-1.247
264
-347

-292
-502
338
-276
148

LEITOS DE UTI (SUS + PRIVADO) RESPIRADORES

-34.540 42.408 59.695 17.287 35.239 65.411 30.172
INFOGRÁFICO/ESTADÃO

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Dois mil leitos


disponíveis


‘Brasil se aproxima


dos EUA, que já


enfrenta escassez’


Pesquisa se torna uma competição global. Pág. F2}


O Ministério da Saúde disse
que a liberação de mais re-
cursos do orçamento para
as unidades dos Estados
ocorrerá conforme o aumen-
to da produção desses hospi-
tais. “Na medida em que
houver mais atendimentos,
mais testes, mais interna-
ções, os recursos serão libe-
rados”, respondeu Gabbar-
do. E citou a instalação já de
200 novos leitos e equipa-
mentos. Segundo ele, já fo-
ram atendidos Minas Ge-
rais, São Paulo e Rio Grande
do Sul. Os novos leitos pre-
vistos para o Rio ainda não
foram instalados porque
houve uma solicitação do
governo fluminense para
mudança de local.
“Na próxima semana ( es-
ta ), todos os Estados serão
contemplados com mais
340 novos leitos e respirado-
res, chegando a um total de
540, distribuídos conforme
lista elaborada pelos pró-
prios Estados. Outros 2 mil
leitos serão liberados confor-
me forem necessários, por
critério do Ministério da
Saúde”, disse o secretário.

PARA LEMBRAR

FLAVIO LO SCALZO /REUTERS

Desde o surto de H1N1, em 2009, País


perdeu 34,5 mil leitos de internação


Enquanto houve ganho de 14 mil lugares na rede privada, o SUS ficou sem 48 , 5 mil, sobretudo por políticas públicas de atenção básica;


espaços são destinados a pacientes que precisam ficar por mais de 2 4 horas e cerca de 2 0% dos infectados devem precisar deles


Proporção. OMS pede 3 leitos de UTI por 10 mil habitantes

lO secretário-executivo do Mi-
nistério da Saúde, João Gabbar-
do, disse anteontem que o Brasil
está fazendo um grande esforço
para aumentar a quantidade de
leitos de UTIs, mas ainda está
longe de países com sucesso no
tratamento da covid-19, como a
Alemanha.
“A Alemanha tem quatro vezes
mais leitos de UTI que a Inglater-
ra, e isso explica muito sobre a
situação. A Alemanha provavel-
mente não terá dificuldades com
respiradores devido à grande
capacidade instalada. O Brasil se
aproxima mais dos Estados Uni-
dos, que já enfrenta escassez de
máscaras e testes”, observou. /
EDUARDO RODRIGUES, ANNE WARTH e
FELIPE FRAZÃO

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 23 DEMARÇO DE2 020 F1

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