Valor Econômico (2020-03-21, 22 e 23)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 6 da edição"23/03/20201a CADA" ---- Impressa por vdsilva às 22/03/2020@20:28:4 7


A6|Valor| Sábado,domingoe segunda-feira, 21, 22, 23 de marçode 2020


Brasil


IMPACTOSDO


CORONAVÍRUS


CenáriodeMandettaparaocoronavírus


noBrasilestenderáarecessãoaté


Análise


RibamarOliveira
DeBrasília

Se ocenário traçadopelo minis-
tro da Saúde, Luiz Henrique Man-
detta, para a evolução do novocoro-
navírus no Brasilseconfirmar, are-
cessãoeconômica deverá se esten-
der até 2021, de acordocom avalia-
ção de técnicos do governo ouvidos
pelo Valor. Mandetta prevêque o pi-
co da contaminação pelo coronaví-
rusocorreráemjunho,comestabili-
zaçãoem julho, início de quedados
casos em agosto e queda profunda
dasocorrênciassóemsetembro.
O cenário mais otimistada área
econômica prevêumaretomada
da economiano quarto trimestre
deste ano. “Se tomarmosas medi-
das corretas e se a epidemia acabar
em junho, o crescimento voltano
segundosemestre”, avaliou uma
importantefontedaáreaeconômi-
ca. As projeções oficiais,no entan-
to,dependemde numerosas variá-
veisqueaindasãomuitoincertas.
Ogoverno vai reversua projeção
paraocrescimentoda economia
deste ano a cada bimestre, por oca-
sião da divulgaçãodo relatório de
receitas edespesas, segundooutra
fonte da área econômica. A ideia é
sempre ficar em linha com as proje-
çõesdemercado, como tem sido fei-
tonosrelatóriosdeavaliaçãofiscal.
A estimativade crescimentode

0,02%,divulgadanasemanapassada
pelogoverno, foi adotadaporque
não havia ainda uma projeção mé-
dia do mercado, oque deverá acon-
tecer,pelaprimeiravez,nestasegun-
da-feira, quando o Banco Central
publicaremsuapáginanainterneto
boletimFocus. Nos bastidores,no
entanto, umarecessão econômica
nesteanoéconsideradainevitável.
Em suas avaliaçõesdo que poderá
acontecercom a economia,os técni-
cosdogovernotêmdoisreferenciais.
O primeiroé agreve dos caminho-
neiros,que gerouséria crise de abas-
tecimentonopaís,emmaiode2018.
A greveduroucercade dez dias, mas
oentão Ministérioda Fazendaesti-
mouque ela retirou1,2 pontoper-
centualdo PIB brasileirodaquele
ano. “Tirou metadedo crescimento
esperadopara 2018”,disse uma fon-
te.Apandemiadocoronavírusjáestá
paralisandoindústriase fechandoo
comércioenãoháprevisãodequan-
doasituaçãovoltaráànormalidade.
Osegundoreferencialéatragédia
de Brumadinho,no ano passado.O
aumento das restriçõesàprodução
deminériodeferroemMinasGerais,
depois do rompimento da barra-
gemdaValeemBrumadinho,derru-
bou a indústria extrativabrasileira
no primeiro trimestre de 2019,pre-
judicandoo crescimento da econo-
mia no ano passado. Ou seja, oPIB
sofreu muitocomaretração de ape-
nas um setor industrial. Oque se de-
ve esperarcom aparalisação de am-

plos segmentos industriais, questio-
namostécnicosoficiais.Oagravante
da situaçãoéaparalisaçãodo co-
mércio. “Quando osetor de serviço
para,morreu”,sintetizouumafonte.
A ideia da áreaeconômica éir
passandoàsociedade,acadabimes-
tre, um quadroda economia e da si-
tuaçãofiscal do país.Aarrecadação
do mês de março será a primeira a
sentiroefeito da forte retraçãoeco-
nômica resultantedo avanço do no-
vo coronavírus.Embora seja prová-
velumaqueda,ogovernoaindanão
sabe a magnitudeda redução, poisa
arrecadação de tributos federaisvai
até ofim do mês.Naprimeirasema-
na de abril, aReceita Federalterá
uma ideia maisclarado estragona
arrecadação e aequipe econômica
poderáfazerprojeções mais realis-
tassobreoquadrofiscal.Haveráum
estragosignificativotambémnasre-
ceitasdeEstadosemunicípios,oque
fortaleceráos apelosde governado-
reseprefeitosporajudafederal.
Acadabimestre, oministroda
Economia, PauloGuedes, terá que ir
à Câmarados Deputadosfalar sobre
as medidas de combate aos efeitos
docoronavírusadotadaspelogover-
no e os resultadosobtidos. Foi uma
das exigências colocadaspelosde-
putadospara oreconhecimento da
situaçãodecalamidadepúblicapro-
postapelopresidenteJairBolsonaro.
Antesda ida de Guedes, ogoverno
teráque publicar um relatório deta-
lhadocomtodasasinformações.

ConjunturaAtuaçãoremotaeautomaçãoganhammais


espaço,maspodemafetaremprego,dizemespecialistas


Crise amplifica formas


alternativas de trabalho


Bruno VillasBôas
Do Rio

Aexpectativade umlongope-
ríodo de confinamentoprovoca-
dopelonovocoronavírusvaiace-
lerarmudanças estruturais no
mercado de trabalho, como a
adoçãomaisfrequente de home
office pelasempresas e a auto-
mação de funçõesconsideradas
repetitivas, como atendentese
caixas, avaliameconomistasou-
vidospeloValor.
São mudançasque já estavam
em cursono país eno mundoe
que vêm acompanhadasde no-
vos desafios,comoaqualificação
de trabalhadores. Especialistas
temem também pela menor
oferta de postos de trabalho,
alémde umacrescenteprecari-
zaçãodasrelaçõestrabalhistas.
CosmoDonato,economistada
LCA Consultores, explicaque o
home officeera umadas princi-
paismudançasem andamento
no mercadode trabalho antesdo
coronavíruster impostoaqua-
rentena amilhõesde pessoas. É
uma transformação que vem
ocorrendode formalenta,e não
apenas porqueenvolveuma mu-
dançaculturalnasempresas.
“O homeofficepode ajudaras
empresasareduzirseus custosfi-
xos, comoespaçode escritório.
Mas exige maiorinserçãode tec-
nologia na rotinados funcioná-
rio edependeda capacidade de
adaptaçãodo funcionário.Épre-
ciso saberusar plataformasdigi-
tais detrabalho emequipe.Cer-
tas áreasoperacionais,de fábri-
ca, nemsequerconseguemade-
rir”, dizDonato.
O estímulo ao trabalhonão
presencial podeser positivoem
umasériede circunstâncias,co-
mo na telemedicina,que vem
crescendoem diferentes países,
mas ainda éproibidano Brasil,
diz RogérioBarbosa,pesquisa-
dor do Centro de Estudosda Me-
trópole da USP. Poroutrolado,
ele acredita que, em algumas cir-
cunstâncias,podeser um fator
redutordeempregos.
“Umprofessor ministraaula
presencial para50 alunos.Um
professorvirtualpodeter milha-
res, milhõesde pessoasnuma sa-

la de aula on-line. Isso significa
que menospessoas são necessá-
rias para realizara mesmaquan-
tidadede trabalho. É produtivo,
mas, se não houver empregos al-
ternativos,mesmoos qualifica-
dos podemsofrercom o desem-
prego”,dizBarbosa.
Oconfinamentoimpostopelo
combate ao novo coronavírus
também estimula automação.
Empresasque robotizaramservi-
ços de atendimentos—caixas,
pedágios elinhas de produção —
tendem aser menosafetadaspe-
la ausência de funcionários. Para
especialistas, essa constatação
podeincentivarplanosde em-
presasnofuturo.
“É claroque a automação exi-
ge planejamentoe investimento.
Isso não vai ser feitoa toquede
caixadurantea crise. Mas,após
ela, as empresaspodemser in-
centivadasa isso.Aquestãoque
fica écomoelas vão sair da crise,
comdinheiro? Isso vai depen-
der”, afirmaBrunoOttoni,pes-
quisadordaconsultoriaIDados.
Levantamento da consultoria
mostra que mais da metade dos
empregos formaiseinformais no
Brasil (58,1% do total) podeser
substituída por máquinas nos
próximosdeza20anos,oequiva-
lentea52,1 milhõesdepostosde
trabalho. Esse é o percentual dos
empregos classificados na faixa
de“riscoalto”(maiordoque70%)
deseremautomatizados.
Especialistas apontamque as
mudançasestruturais impactam

especialmente a parcelamais po-
breda população.Éela,inclusive,
a que mais deve sofrer em uma
crise do mercado de trabalho nos
próximosmeses. Alocados em
postos informais,sem proteção
trabalhista, esses trabalhadores
dependem da renda gerada pela
ofertadebenseserviçosnasruas.
Para NaércioMenezes Filho,
professordacátedraRuthCardo-
so do Insper, aparalisaçãogene-
ralizadada economia durantea
pandemiado novocoronavírus
pode provocara elevaçãoda taxa
de desemprego nacional dos
atuais 11% paraníveisrecordes
de 25%,superandoo piormo-
mentoda recessão recente en-
frentadapelopaís.
“O mercado de trabalhoinfor-
mal vinhaevitandoque ataxa de
desemprego aumentasse, mas,
sem ninguémsaindonas ruas,
essa válvula de escapese perde. O
empregadoformaltambémvai
ser afetado”, diz o pesquisador,
queacreditaemmelhorasupera-
do o pior momento do contágio.
“Comaspessoasvoltandoparaas
ruas,oinformalserecupera.”
MenezesFilhoconcordaque o
mercadodetrabalhoprecisapas-
sar por transformações,comoa
reduçãodosincronismodehorá-
rios sugeridopelo economista
RicardoPaes de Barrosem entre-
vista publicada na sexta-feirape-
loValor.“Deveriase produzir
maisflexibilidades em horários
de trabalhos,mudara cultura de
sincronismo”,dizoeconomista.

NaércioMenezes: “Mercadoinformalvinhaevitandoquedesempregoaumentasse”

ANAPAULAPAIVA/VALOR

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