O Estado de São Paulo (2020-03-24)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:X-15:20200324:A15 TERÇA-FEIRA, 24 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


E&N


ECONOMIA & NEGÓCIOS


Bolsonaro recua de parte de MP sobre


trabalho ao ser criticado nas redes


Novo texto deve ser enviado após o primeiro ter sido interpretado como salvaguarda para empresas interromperem contratos sem


qualquer pagamento de salário, o que gerou revolta entre trabalhadores e no Congresso; Rodrigo Maia chamou a MP de ‘capenga’


Paulo Guedes, ministro da Economia


‘Tira, porque estou


apanhando muito’


Idiana Tomazelli
Adriana Fernandes
Jussara Soares / BRASÍLIA


O governo federal deve edi-
tar nos próximos dias uma no-
va medida provisória (MP)
para deixar explícito que a fle-
xibilização da suspensão de
contratos de trabalho duran-
te a crise do novo coronaví-
rus está condicionada à ga-
rantia de um pagamento de
ao menos um salário mínimo
(R$ 1.045). O novo arranjo se-
rá feito após um primeiro tex-
to enviado pelo presidente
Jair Bolsonaro ter sido inter-
pretado como salvaguarda pa-
ra empresas interromperem
os contratos sem nenhum pa-
gamento de salário.
Essa percepção gerou pânico
nos trabalhadores e revolta no
Congresso Nacional.
Uma primeira MP publicada
na noite de domingo dizia que,
na negociação para a suspensão
do contrato, o empregador po-
deria conceder ao empregado
ajuda compensatória mensal
“com valor definido livremente
entre empregado e emprega-
dor”. Partidos políticos ameaça-
ram ir ao Supremo Tribunal Fe-
deral (STF) contra a MP, e o pre-
sidente da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ), que tem dialo-
gado com a equipe econômica
sobre as medidas, classificou o
texto de “capenga”.
O barulho foi tanto que o pre-
sidente Jair Bolsonaro foi ao
Twitter dizer que o dispositivo
seria revogado depois que a
hashtag #BolsonaroGenocida
chegou aos trending topics da
rede social. O presidente é pro-
fundamente sensível aos movi-
mentos das redes. Bolsonaro
também ficou decepcionado


com a equipe econômica por
“apanhar” com a medida. A in-
terlocutores, disse assinar tudo
que o Ministério da Economia
manda por confiar no time do
ministro Paulo Guedes.
Uma reunião no Palácio do
Planalto foi feita para discutir o
problema. Mais tarde, o secretá-
rio especial de Previdência e
Trabalho, Bruno Bianco, disse
em coletiva no Planalto que

houve um “descasamento”,
uma vez que a medida que asse-
guraria recursos para a compen-
sação que será paga pela União
acabou ficando para depois. Se-
gundo ele, um “novo dispositi-
vo” está sendo pensado.
Segundo apurou o Esta-
dão/Broadcast, a ideia do gover-
no é que a compensação, via par-
cela do seguro-desemprego,
mais a “ajuda” do empregador
somem, ao menos, um salário
mínimo (R$ 1.045). A necessida-
de da empresa ajudar o empre-
gador ficará explícita para evi-
tar qualquer novo ruído em tor-
no da medida.
Em entrevista ao Estado, Gue-
des disse que a compensação da
União pode ser equivalente a
25%, podendo chegar a 33% em
casos de setores mais afetados,

quando a capacidade de paga-
mento da empresa será menor.
Esse seria um instrumento a
mais à disposição das empre-
sas, que também poderão ado-
tar a redução de jornada e salá-
rio em até 50%. Em compensa-
ção, o governo vai antecipar aos
trabalhadores que ganham até
(R$ 2.090) uma parcela equiva-
lente a 25% do seguro-desem-
prego a que teria direito – na
prática, o valor ficará entre R$
261,25 e R$ 381,22.
A principal razão por trás do
“descasamento” escancarado
ontem foi a demora na libera-
ção do crédito de R$ 10 bilhões
necessários para implementar
a ajuda com dinheiro da União.
Essa MP com os recursos demo-
rou mais tempo para sair por
conta da checagem da parte or-

çamentário-financeira.
Em reunião tensa na sexta-fei-
ra, um grupo de auxiliares de
Guedes já havia apontado o pro-
blema e o risco de anunciar a
MP sem a compensação. Houve
grande discussão, mas a cúpula
do ministério optou em seguir
com a estratégia e deixar a com-
pensação para uma segunda
MP, o que causou a confusão.

Outras medidas. Os demais
dispositivos da MP editada no
domingo continuam em vigor.
O texto permite a adoção de te-
letrabalho, a antecipação de fé-
rias individuais, a concessão de
férias coletivas, o aproveita-
mento e a antecipação de feria-
dos, entre outras medidas (ver
quadro ao lado). / COLABORARAM
TÂNIA MONTEIRO E CAMILA TURTELLI

Cleide Silva
Douglas Gavras


As idas e vindas do governo,
com a mais recente publicação
da Medida Provisória (MP) 927
e o recuo do trecho que previa a
suspensão dos contratos de tra-


balho e de salários por quatro
meses, preocupam quem acom-
panha o mercado de trabalho.
“A MP, em si, não faz sentido.
O fato de o artigo ter sido revoga-
do horas depois da publicação
mostra como o governo está per-
dido. É preciso ter uma rede de
sustentação das pessoas, com
uma renda básica emergencial”,
disse em suas redes sociais a eco-
nomista e pesquisadora do Pe-
terson Institute, nos Estados
Unidos, Monica de Bolle.
O economista e professor da
Universidade de São Paulo

(USP) José Pastore, especializa-
do em relações do trabalho, pon-
dera que em uma “crise dantes-
ca” como a atual, a desburocrati-
zação de medidas, como a de dis-
pensa temporária de trabalho
(ou lay-off), teria efeito rápido e
viabilizaria a manutenção de
empregos. Ele defende também
mais injeção de dinheiro por par-
te do governo para se manter
empregos, a exemplo do que es-
tá sendo feito em países como
Alemanha, Reino Unido e EUA.
No caso do lay-off, Cássia
Pizzotti, sócia da área traba-

lhista do Demarest, ressalta
que a Constituição estabelece
que as negociações sejam en-
tre empresas e sindicatos de
trabalhadores e que uma MP
não pode alterar para negocia-
ções individuais.
Já para o sócio da área traba-
lhista do L.O. Baptista Advoga-
dos, Fabio Chong, uma nova me-
dida poderia ser anunciada esta-
belecendo, por exemplo, paga-
mento de salário desemprego
aos funcionários que fossem
afastados temporariamente.
Sem diálogo com o governo,

as maiores centrais sindicais do
País têm negociado diretamen-
te com o Congresso medidas de
emergência. É como se o Brasil
não tivesse mais presidente, re-
sume um dos dirigentes.
“Quando se está em meio a
uma crise, é necessário ter coor-
denação, um grupo com autori-
dade. Este governo é completa-
mente doido”, diz o presidente
da Central Única dos Trabalha-
dores (CUT), Sérgio Nobre. Ele
conta que as seis centrais do
País estão sugerindo a criação,
com o Congresso, de um gabine-

te de crise, que proponha solu-
ções para proteger formais e in-
formais durante a epidemia.
O presidente da Força Sindi-
cal, Miguel Torres, avalia que,
mesmo com a revogação das sus-
pensões de contrato de traba-
lho, a “MP da madrugada” tira o
poder dos sindicatos e implanta
as negociações individuais en-
tre empresas e trabalhadores.
“O trabalhador nem sabe o
que está acontecendo. Quem
toma essas medidas são pes-
soas ignorantes, sem liderança
e que podem levar o Brasil a
uma violência que nunca ocor-
reu”, avalia o presidente da
União Geral dos Trabalhado-
res, Ricardo Patah.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


ENTREVISTA


lPor que o presidente Jair Bol-
sonaro revogou o artigo?
Houve um mal entendido. Co-
meçou todo mundo a bater e
dizer que estão tirando do tra-
balhador. O presidente virou
e disse: ‘Tira isso daí, está dan-
do mais confusão do que solu-
ção’. Ele ligou para mim e per-


guntou. ‘PG, o que está haven-
do?’ Eu falei que era uma coi-
sa boa, mas não normatizou”.
Eu disse, presidente, ainda
não está redondo. Ele disse:
‘Vocês arredondam e depois
mandam’. Politicamente, ele
fez certo. Foi uma precipita-
ção mandar sem estar defini-

do. A gente está querendo é
evitar o pior.

lO que o governo fará agora?
Toda vez que dá confusão, vo-
cê anula. Editou, deu essa con-
fusão, anula, tira o artigo 18.
Mas tinha um pedaço que foi
mal redigido. A gente queria
proteger os trabalhadores de
demissão. Faltou colocar a su-
plementação salarial. A ideia é
fazer o que estão fazendo lá
fora. Você pega um trabalha-
dor que ganha R$ 2 mil e a em-
presa não aguenta pagar. Ai,
reduz à metade (o salário), cai

para R$ 1 mil. O governo paga
25%. Acaba o salário caindo
para 75% (do que era original-
mente). A empresa paga 50%, o
governo 25% e todo mundo
perde um pouquinho.

lO governo está estudando me-
didas para setores?
Nos setores normais, pode ser
que caia 50% (do salário) e aí a
gente teria de dar um estímu-
lo de 25%. Tem setores que a
queda é abissal, como bares,
restaurantes, hotelaria. Talvez
a empresa só consiga pagar
um terço (do salário). Se ele
conseguir pagar um terço, aí a
gente convocaria outros 33%.
Nos setores que foram atingi-
dos demais a gente acaba aju-
dando mais. Como a empresa
não aguenta pagar 50%, ele
vai pagar um terço. Aí, a gente

paga um terço. Não perde tan-
to. O que estamos estudando
é uma suplementação salarial.
Esses números estavam sendo
feitos.

lQuanto custaria essa medida
aos cofres públicos?
Tem de fazer o cálculo. Na
ansiedade, antes de fechar o
cálculo, não se especificou se
seria 25% ou 33%. Porque 25%
para todo mundo daria para
pagar, mas se tiver um setor
mais prejudicado, que vai pre-
cisar de 33%, aí poderia forçar
muito o Orçamento.

lCondição

O QUE ESTÁ EM VIGOR

Economistas e sindicalistas criticam falta de coordenação


Consenso é de que


governo está perdido e


trabalhadores precisam


de medida que garanta


alguma fonte de renda


Congresso Nacional articula ‘Orçamento de guerra’. Pág. A17}


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 9/3/

JOÉDSON ALVES/EFE

l Teletrabalho
Não será preciso alterar contrato
para o empregador determinar o
teletrabalho; o empregado deve
ser informado da mudança com
no mínimo 48 horas de antece-
dência; um contrato escrito deve
prever aspecto relativos à res-
ponsabilidade da aquisição, ma-
nutenção e fornecimento de equi-
pamento para teletrabalho e o
reembolso de despesas arcadas
pelo empregado.

l Banco de horas
A MP também permite que haja
interrupção da jornada de traba-
lho durante o período de calami-
dade pública e que horas não tra-
balhadas sejam compensadas
no futuro pelos trabalhadores.

l Férias
Férias antecipadas precisam ser
avisadas até 48 horas antes; fé-
rias podem ser concedidas mes-
mo que o período de referência
ainda não tenha transcorrido;
para quem tiver férias antecipa-
das, o empregador pode optar
por pagar um terço de férias até
o fim do ano, com o 13º.

l Feriados
Empresas poderão antecipar o
gozo de feriados não religiosos
federais, estaduais, distritais e
municipais, desde que funcioná-
rios sejam notificados ao menos
48 horas antes.

l FGTS
O FGTS devido pelos empregado-
res referentes a março, abril e
maio poderá ser recolhido a par-
tir de julho.

R$ 1.
é quanto deve ser garantido ao
trabalhador no caso de flexibiliza-
ção do contrato de trabalho na
nova MP que deve ser editada
pelo governo federal

Governados pelas redes sociais. Barulho foi tanto que Bolsonaro teve de ir ao Twitter dizer que a medida seria revogada

i
Free download pdf