O Estado de São Paulo (2020-03-24)

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O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 24 DE MARÇO DE 2020 Política A


ELIANE


CANTANHÊDE


O


mundo todo e o Brasil, parti-
cularmente, vivem um dile-
ma típico de “A Escolha de
Sofia”. Aprofundar o isolamento e a
paralisação de estados, cidades, em-
presas, empregos e pessoas, em no-
me da saúde e da vida? Ou mitigar o
combate radical ao cosronavírus pa-
ra tentar preservar empresas e em-
pregos, em nome da economia?
Na prática, uma guerra da área sa-
nitária com parte de governantes,
empresários e economistas. De um
lado, governadores que trabalham
diretamente com o Ministério da
Saúde e os especialistas no setor; de

outro, o presidente Jair Bolsonaro, o
Ministério da Economia e aliados.
Em tese, todos têm razão. A priorida-
de absoluta neste momento é trabalha-
dores, funcionários, autônomos e dia-
ristas em casa para interromper a
transmissão do vírus maldito. A priori-
dade de hoje, porém, não pode descon-
siderar a de amanhã: a pandemia acaba
e as vítimas não serão só os mortos e
contaminados, mas todos que produ-
zem, vendem, trabalham. O horizonte
é de terra arrasada, com recessão, que-
bradeira de empresas e lojas, 40 mi-
lhões de desempregados, na previsão
de um grupo de empresários.

Como sempre, em todas as crises,
dificuldades e momentos, as maiores
vítimas todos nós sabemos quem são e
serão: velhos, homens, mulheres e
crianças da tal da “base da pirâmide”.
Passado o momento em que os infecta-
dos e mortos eram recém-chegados da
Ásia e da Europa, ou por eles foram
contaminados, a expectativa, que dá
um tremor no corpo e um frio na colu-
na, é que o vírus chegue às favelas, corti-
ços, às imensas áreas sem água, sabão,
muito menos álcool gel.

São milhões com imunidade baixa,
higiene precária, compreensão da si-
tuação equivalente ao (mínimo) grau
de educação. Logo, serão os alvos fá-
ceis de um vírus oportunista e letal.
São os moradores de rua, os que ven-
dem água, milho ou qualquer coisa por

aí, os diaristas que só recebem (e co-
mem) quando trabalham e, entre eles,
os informais, que crescem frenetica-
mente e sem amparo legal. Eles vão
morrer mais com o vírus e vão sofrer
mais no pós-vírus. Se correrem, o bi-
cho covid-19 pega; se ficarem, o bicho
da recessão come.
O novo coronavírus chegou para va-
ler em todas as unidades da Federação,
decretando calamidade pública, pre-
nunciando colapso da saúde e crescen-
do na velocidade do exemplo mais dra-
mático, a Itália. E tudo isso na pior ho-
ra. Um dos líderes mundiais em desi-
gualdade social, o Brasil convive com
falta de estado e bolsões de miséria ab-
soluta em todas as suas regiões. E vem
de dois anos de recessão, de mais dois
“crescendo” 1,3% e desperdiçou 2019
com PIB de 1,1%. Mais: a questão fiscal
é o maior obstáculo da economia.
De onde tirar a montanha de dinhei-
ro que o País precisa para salvar vidas,
tratar doentes, preservar setores mais
atingidos, empregos, milhões de famí-

lias sem renda? O governo tem anun-
ciado medidas, como flexibilização
das regras trabalhistas e de paga-
mento de dívidas e vales de R$
200,00 para informais e os mais mi-
seráveis entre os miseráveis. Mas,
num País populoso como o nosso,
significa que a conta é altíssima para
os cofres públicos, mas o valor que
chega à mesa das famílias é irrisório.
Tudo deprimente, apavorante.
A luz no fim do túnel só virá, pri-
meiro, com o máximo rigor contra a
transmissão do vírus e, depois, com
união, patriotismo, solidariedade,
as disputas políticas de lado, o presi-
dente acordando para a realidade e
uma certa elite esquecendo, por
ora, a eterna ganância e a velha arro-
gância. Aliás, uma pergunta: como
os bancos vão entrar nessa onda?
Governos de esquerda, centro e di-
reita vêm e vão e esse é o setor que
mais lucra. É hora de retribuir, por-
que se trata de questão de vida e
morte. Das pessoas e da economia.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

O Brasil hoje: se correr, o
bicho covid-19 pega; se ficar,
o bicho da recessão come

Daniel Weterman / BRASÍLIA


Além de defender o adiamento
das eleições municipais, sob o
argumento de que é preciso dar
prioridade para o combate ao
coronavírus, prefeitos e dirigen-
tes partidários passaram a pre-
gar também a ideia de realizar a
escolha para todos os cargos do
País de uma única vez. A propos-
ta envolve, ainda, acabar com a
reeleição para o Executivo.
A Confederação Nacional
dos Municípios (CNM) defen-
de uma disputa única no País a
cada cinco anos, sem reeleição.
Atualmente, prefeitos, governa-
dores e o presidente da Repúbli-
ca podem ser eleitos para dois
mandatos consecutivos, cada
um deles de quatro anos.


Duas propostas de realização
de eleições únicas no mesmo
ano tramitam na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da
Casa. A presidente do colegia-
do, Simone Tebet (MDB-MS),
porém, afastou a possibilidade
de discutir o adiamento do plei-
to. O presidente da Câmara, Ro-

drigo Maia (DEM-RJ), disse
que a hora é de se concentrar
apenas no combate à pande-
mia. “Na hora correta, vamos
cuidar da eleição.”
“Entendo que a suspensão da
eleição é inevitável”, afirmou o
presidente da CNM, Glademir
Aroldi, citando a projeção de pi-

cos da doença em julho e agosto
no Brasil e a estabilização em
setembro. “Quanto custa uma
eleição para o País? Esse dinhei-
ro não deveria ser usado para o
combate ao coronavírus, para
tratar da saúde das pessoas?”
Presidente da Frente Nacio-
nal de Prefeitos, Jonas Donizet-
te (PSB), disse que o adiamento
das eleições pode ser decidido
mais para frente, se for o caso.
No domingo, o ministro da
Saúde, Luiz Henrique Mandet-
ta, propôs o adiamento das elei-
ções. Na sua opinião, seria uma
“tragédia” fazer campanha nos
próximos meses, pedindo voto.
No Congresso, o líder do PSL
no Senado, Major Olimpio
(PSL), começou a coletar assi-
naturas para protocolar uma
Proposta de Emenda à Consti-
tuição (PEC) para oficializar o
adiamento. “Essa medida faz-
se necessária neste momento
não só para que evitemos aglo-
meração de pessoas, mas para
que economizemos bilhões”,
afirmou. O vice-líder do gover-
no no Senado, Elmano Férrer
(Podemos-PI) também defen-
de a aprovação de uma PEC.
Pelo calendário eleitoral, a
campanha começa em 16 de
agosto. O primeiro turno está
marcado para 4 de outubro.

Camila Turtelli / BRASÍLIA


O presidente da Câmara, Ro-
drigo Maia (DEM-RJ), disse
ontem ver como necessária a
ajuda de todo o poder público
para bancar despesas de com-
bate ao coronavírus e admitiu
que a medida poderá incluir
redução de salários de inte-
grantes do Legislativo, do Ju-
diciário e do Executivo. Maia
estimou que o enfrentamen-
to à pandemia pode alcançar
a cifra de R$ 400 bilhões e o
governo precisará utilizar to-
dos os recursos disponíveis
para enfrentar a pandemia.
“Tem que começar a gastar e
se precisar tirar da política, Judi-
ciário, de quem precisar tirar,
vai tirar porque nós sabemos
que o gasto para o enfrentamen-
to dessa crise, tanto do ponto de
vista social, econômico e, princi-
palmente, da estrutura de saúde
pública para garantir as vidas vai
ser na ordem de uns R$ 300, R$
400 bilhões”, afirmou o deputa-
do em entrevista à CNN Brasil.
Questionado se a Câmara dis-
cute reduzir salários de parla-
mentares, Mais afirmou que “to-
dos” terão dar sua parcela de
contribuição em algum momen-
to. “Acho que todo o poder públi-
co vai ter que contribuir. Trans-
ferir isso para o parlamentar é
fazer apenas um gesto importan-
te, mas sem impacto fiscal. Os
salários no nível federal são o do-
bro dos seus equivalentes no se-
tor privado, todos com estabili-
dade pelo mandato ou concur-
so”, constatou o presidente da
Câmara. “Na hora de organizar
as despesas, o que a gente pode
controlar, é importante que to-


dos os servidores, os que têm
mandato, contribuam.”
Atualmente, o salário bruto
de deputados e senadores é de
R$ 33,7 mil. Somados os 594 par-
lamentares, o valor chega a pou-
co mais de R$ 20 milhões.

Fundos. Ainda na entrevista,
Maia afirmou que o governo po-
de usar todos os recursos dispo-
níveis, inclusive dinheiro dos

fundos eleitoral, que financia as
campanhas, e partidário, pro-
gramado para custear as despe-
sas do dia a dia das legendas,
com o intuito de combater a cri-
se. Há também alguns projetos
na Câmara sobre esse tema.
“O governo, entendendo que
precisa usar os R$ 2 bilhões, eu
não vejo problema”, disse o pre-
sidente da Câmara. “O tama-
nho do nosso problema não é

pequeno. É muito grande. To-
dos os recursos que o governo
entender necessário, certamen-
te ele vai poder usar, de todos os
Poderes”, completou.
Em outra entrevista, desta vez
pela internet e para o banco BTG,
Maia vai apresentar ao governo
uma proposta de emenda consti-
tucional que institui o regime ex-
traordinário fiscal de contrata-
ções exclusivamente para a crise.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Prefeitos defendem adiamento


de eleições e votação única


Eike assina


delação e vai


pagar R$ 800 mi


A Escolha de Sofia


l’Problema’

Presidente da Câmara diz que combate ao novo coronavírus pode chegar a R$ 400 bi e vê como necessária ajuda de todo o setor público


Marco Aurélio


proíbe cortes no


Bolsa Família


Justiça libera


investigação


sobre Flávio


‘Hipótese de crise institucional séria entrou no radar’., diz diretor da Eurasia. Pág. A6 }


ISAC NÓBREGA/PR - 2/10/

Parlamentares também


aprovam ideia de realizar


escolha de prefeitos e


vereadores, prevista para


outubro, em outra data


Precaução. Para Glademir, mudança de data é ‘inevitável’

O empresário Eike Batista fe-
chou um acordo de delação pre-
miada com a Procuradoria-Ge-
ral da República em que se com-
prometeu a pagar multa de R$
800 milhões e cumprir, inicial-
mente, um ano de prisão em re-
gime fechado. Os valores serão
destinados ao combate ao coro-
navírus. O termo será submeti-
do à homologação do relator da
Operação Lava Jato no Supre-
mo Tribunal Federal, ministro
Edson Fachin.
Este é o primeiro acordo de
delação com Aras à frente da
PGR. Pesou a favor do termo o
fato de que ficará parte do tem-
po preso e de que valores serão
usados no combate à pande-
mia. Desde 2016, o empresário
tenta negociar um acordo com
os investigadores. Em janeiro
de 2017, ele foi preso na Opera-
ção Eficiência e ficou três me-
ses em reclusão. Em 2019, foi
preso novamente, na Operação
Segredo de Midas, mas solto no
mesmo dia. O Estado não locali-
zou a defesa do empresário.

O tamanho do nosso
problema não é pequeno. É
muito grande. Todos os
recursos que o governo
entender necessário,
certamente ele vai poder
usar, de todos os Poderes.”
Rodrigo Maia (DEM-RJ)
PRESIDENTE DA CÂMARA

LUIS MACEDO/CÂMARA DOS DEPUTADOS - 5/2/

Maia admite cortar salário nos Poderes


Câmara. Maia estima em R$ 400 bilhões os gastos no enfrentamento ao covid-19 e diz que ‘todos têm que dar sua parcela’

Paulo Roberto Netto

O ministro Marco Aurélio Mel-
lo, do Supremo Tribunal Fede-
ral, suspendeu cortes no progra-
ma Bolsa Família e determinou
a garantia de liberação unifor-
me de recursos para novos bene-
ficiados entre os Estados até o
fim do período de estado de cala-
midade pública decretado pelo
governo federal em função do
avanço do novo coronavírus.
A decisão também ordena à
União que torne disponível da-
dos que justifiquem a concentra-
ção de cortes na região Nordeste.
A ação foi movida por seis Esta-
dos após reportagem do Estado
revelar que o governo Jair Bolso-
naro priorizou o Sul e o Sudeste
na liberação de novos benefícios
em detrimento do Nordeste, que
concentra 36% das famílias em
situação de pobreza ou extrema
pobreza na fila do Bolsa Família.
“Defiro a liminar para deter-
minar a suspensão de cortes no
Programa, enquanto perdurar
o estado de calamidade pública
e assentar que a liberação de re-
cursos para novas inscrições se-
ja uniforme considerados os Es-
tados da Federação”, disse Mar-
co Aurélio na decisão. Os Esta-
dos do Nordeste questionavam
no Supremo a redução “díspar”
dos beneficiados pelo Bolsa Fa-
mília na região.

O Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro liberou ontem as investi-
gações sobre suposto esquema
de “rachadinha” no gabinete do
senador Flávio Bolsonaro (sem
partido) na Assembleia Legisla-
tiva do Rio (Alerj). Uma das sus-
peitas é que os servidores devol-
viam parte dos salários para o
gabinete. Com a decisão, o Mi-
nistério Público Estadual pode
retomar as apurações.
A desembargadora Suimei
Meira Cavalieri, da 3.ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça
do Rio, revogou liminar de sua
própria autoria havia suspendi-
do as apurações no início do
mês até que um colegiado do tri-
bunal analisasse o caso. Na deci-
são de ontem, a magistrada re-
gistrou que, como as sessões es-
tão suspensas por causa do coro-
navírus, a liminar seria revoga-
da e as apurações deveriam pros-
seguir sob risco de o caso ficar
suspenso indefinidamente.
A defesa de Flávio não foi loca-
lizada ontem. / RICARDO BRANDT,
FAUSTO MACEDO E P.R.N.

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