Valor Econômico (2020-03-24)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 5 da edição"24/03/20201a CADC" ---- Impressa por GAvenia às 23/03/2020@20:18:44


Te rça-feira, 24demarçode (^2020) |Valor| C5
Finanças
EntrevistaParaMarioTorós,crise
émaisagudadoqueade2008


BC deve agir

para aliviar

condições

financeiras

ANAPAULAPAIVA/VALOR

Mario To rós,daIbiuna:anunciarumprogramacambial,mostrandoquepodeusardiferentesinstrumentos,seriabastanteimportante


LucindaPinto e SergioLamucci


DeSãoPaulo


Ainda que qualquer cenário


traçadonestemomentoseja car-


regadode incertezas evariân-


cias, já é possívelafirmar que a


crise deflagrada pelapandemia


provocada pelonovocoronaví-


rus tem um impacto maisagudo


sobreas economiasglobaisdo


que avividaem 2008e2009.Pa-


ra osócio da IbiunaInvestimen-


tos, MarioTorós, queesteveà


frente da diretoriade Política


Monetáriado BancoCentral du-


rantea crisefinanceirainterna-


cional que culminouna quebra


do bancoLehmanBrothers, é


possível esperarque oPIB, tanto


de economiascentrais quanto


das emergentes,tenhaomaior


tombo no segundo trimestre


nesteano da história.


Ocenário baseda Ibiuna é


que as economiacentrais te-


nhamumaretraçãode 5% neste


ano. No Brasil,a retraçãopode


ser da ordemde 3%.


Diantedessequadro,os ban-


cos centraisdo mundo, inclusive


o brasileiro, estãoagindocorre-


tamente, tomando umasériede


medidas para tentarestabilizaro


mercadomonetário —injetando


recursos no sistema,recompran-


do dívida,entreoutrasmedidas.


Mas,no Brasil, Torós considera


que opasso seguinteédar alívio


àscondiçõesfinanceiras,quetor-


naram-seapertadascoma alta


dodólaredosjuroslongoseque-


dadabolsa.E,nessequesito,oBC


tem que fazer mais.“É primor-


dial tentartomar medidaspara


mitigar esseapertodas condi-


çõesfinanceiras”,afirma.


Oex-diretordoBCdefendeum


programade atuaçãono câmbio


etambémum reforçoda ação do


Tesourode recomprar títulospú-


blicos.“Retirarum poucoda vo-


latilidadede câmbioem relação


a muitosdos paresjá é um bene-


fício no sentidode afrouxaras


condiçõesfinanceiras. Anunciar


um programa, mostrandoque


podeusar diferentesinstrumen-


tos, seja o spot,sejamos derivati-


vos, seriabastanteimportante”,


afirma Torós, observandoque o


usodeprogramasdeintervenção


cambial só deveacontecer em


momentosexcepcionais, como


foi2008ecomoéoatual.


Porfim, Torós acreditaque o


BC poderáter que voltaracortar


os juros—mensagemque foi, in-


clusive, ajustadana ata do Co-


pom, divulgada hoje.“A questão


é que só haverá reuniãodo Co-


pomdaquia40 dias, oque pare-


ce umavida.OBancoCentral


eventualmenteteria que atuar


antesdisso. Lembrando,esta é


uma crise diferente de 2008,


muitomaisaguda”, afirma.


Veja, a seguir, os principais


trechos da entrevista.


Valor:A bolsabrasileirajá caiu
mais entreo vale eopico do que em

2008, eoS&P500 está pertodisso,


mas num períodomaiscurto.Essa


crise podeser pior do que foi a de


2008 e2009?


Mario To rós:Há diferenças ese-


melhanças. Vamos analisar pri-


meiro a parte da economia. A bol-


sa na verdadeéum reflexo muito


do que é a economia,mas ela tem


umacaracterística do ponto de


vista macroeconômico muito es-


pecífica. Ela é muito maisaguda


do ponto econômico do que foi a


de 2008. Essas são as diferenças.


Há uma semelhança/diferença


que é importante.Em 2008, um


fator de produção, que foi o capi-


tal, travou.Um belo dia ocapital


deixou de circularno mundo.


Umacrise de crédito brutal a par-


tir de um sistema que estava supe-


ralavancadocomeça agerar uma


crise que teveas consequências


que agenteviu. Trazendo para


agora, o que está ocorrendo éque


o outro fator de produção é que


travou —otrabalho. Simplesmen-


te a sociedade parou de funcionar,


algo inédito na história. Isso tem


obviamente consequências e ris-


cos para o fator de produção capi-


tal também,àmedidaque pode


gerar e já está começando a gerar


umacrise de crédito grande. Éa


primeira coisaque, ao analisar as


duascrises esemelhanças e dife-


renças, é avaliar isso.Em 2008 vo-


cê começa umacrisetravando o


fatordeprodução capital eagora


vocêcomeça travando o fator de


produção trabalho. Em alguma


medida, elas são semelhantes,em


alguma medida, são diferentes. O


fator de produção primordial afe-


tado é diferente. Essa é a primeira


observação quando eu comparo


os dois momentos.


Valor:Qual o seu cenáriopara o


desempenho das economias no


mundo?


To rós:Essa éuma crisemuito


maisagudadoquefoiade2008e


2009,porqueafetadiretamente


o setorprodutivo. Ofator de pro-


duçãotrabalho—eportantoto-


do o setorprodutivo—paroue


issogeraumefeitocascata.Opri-


meiroefeitoé,portanto,agudo.E


a velocidadeda volta,ninguém


sabe ainda.Qualquerprevisão


que se faça agoraestarásempre


cercada das palavras incertezae


variância.Mas, dito isso,não édi-


fícil acharum cenárioem que a


atividade econômicanos países


centrais caia algocomo5% no


ano.Uma coisaécerta: vamoster


um PIB do segundotrimestrenas


economiascentrais e também


nas emergentesque certamente


será o pior da história,desdeque


se medeoPIB trimestral, muito


piordoqueem2008,justamente


por ser maisagudaacrise. Oque


remanesce e qual é avelocidade


de voltadisso. E cada um faz uma


simulação.Masdefatovocêpode


chegarater quedasde PIB nas


economiascentraisque podem


serdaordemde-5%.


Valor:Já tem genteachandoque


arecessãopodeser estenderpor


2021...


To rós:O processode voltapo-


de ser muito demorado. O


exemplo que a gentetem é a


China. Apesarde haver diferen-


ças culturais,a Chinaestá três


mesesna frentedo Ocidente.O


que se vê éque tem umavolta,


mas não é uma voltaem ‘V’. Isso


já dá para saber. Avolta émuito


maislentado que foi aqueda


abrupta. A grandequestãoé que


está alémda políticaeconômica.


Diferentemente da crise de


2008,em que a políticaeconô-


mica—apolíticamonetária,a


fiscal—dominava, era o fator


primordial,aquinão é. Aquio


fatorprimordialéu ma questão


de saúde.As políticaseconômi-


cas de algummodoestãoa rebo-


que do que vai acontecer.


Valor:EparaoBrasil?


To rós:Comtoda aincerteza


que se tem, é razoáveldizer que o


Brasilpode ter um desempenho


negativo no segundo trimestre


da ordem de 4% a 5% em relação


ao primeiro.Esse éumcenário


base, com todas as variantes. Para


o ano, depende da velocidade da


volta. Certamente éum PIB bas-


tante negativo,caminhandopara


umaquedade3%,nessadireção.


Valor:Essascorreçõesde preços


de ativostão brutaisindicamem al-


gumamedidaque haviabolhasem


váriosdeles,alimentadaspor anos


dejurosultrabaixos?


To rós:Achoque éuma visão


um poucosimplista da situação.


Asituaçãoéumpoucomaiscom-


plexa.Os mercados passarama


ter essa novarealidade,de uma


capacidade muitomaiordos go-


vernosfazerempolíticafiscal,le-


vou a uma novaformade organi-


zação,inclusivedosistemafinan-


ceiro.Existemquestõesespecífi-


cas do sistemafinanceiroque le-


vam ater esse tipo de comporta-


mentoque há agora.Você dimi-


nuiumuitootamanhodo balan-


ço dos bancose transferiuisso


muitopara os fundosde investi-


mento, sejamos fundosmútuos,


sejamos hedgefunds,à medida


que aRegraVolckercriouum


ambiente regulatórioem que os


bancosreduziram muitooba-


lançoeestão até um poucomais


protegidos.Vocêpassoutudopa-


ra omercado. O papelde inter-


mediador do banco,que sempre


foi muitogrande, hojeé muito


menor. Isso leva com que o tipo


de comportamento numacrise


comoessa passaa ser diferente—


e aí tem um riscofinanceiro no-


vo, e achoque os BCs e as políti-


cas econômicasvão ter que lidar


—, em que se passou muitodesse


riscoparaos fundosde investi-


mento. Há outrascaracterísticas


específicas que fazemos merca-


dos teremdinâmicasde preços


diferentes.Um exemplosão os


‘algotraders’,que não existiam


em 2008ehoje existemmuito.


Os algoritmos,os tradersquanti-


tativos.Isso passoua dar uma di-


nâmicade mercadoque leva a


movimentosquesãograndesmi-


tigadoresdevolatilidadeemmo-


mentosde estabilidade,o que é


bom,mas aumentamavolatili-


dadeem momentosde instabili-


dade.Isso de algummodoim-


pactaomercado,porqueaumen-


ta orisco, aumentaa percepção


de riscodos ativos.Isso faz com


que a capacidadede tomarposi-


ções seja muitomenor. Em mé-


dia, dos ativosque nós operamos


aquinoBrasiletambémláfora,o


riscodelesaumentounovevezes


em um par de semanas.Alguns


aumentaram14 vezeseoutros


sete,mas em médiaaumentou


novevezesorisco.


Valor:O que significaexatamen-


teisso?


To rós:Você compraumaação


da Petrobrasou da Apple—e


ação é mais do que novevezes—,


o riscoque você tem nesseativo,


comovocêo mede,pelovalor


que está em risco,quando você


compraum determinadoativo


você colocao seu capitalem ris-


co.Esse riscoera um aumpar de


semanasatrás,hoje énove vezes


a maishoje.É maisarriscadono-


ve vezescomprarum ativohoje


do que há três ou quatrosema-


nas. Em algunsativos,isso chega


a 14, 15 vezes.Isso faz com que as


pessoasnão possamter ativos.É


umapercepçãoderisco.Éfunção


dosbancoscentraisatuarnosen-


tido de mitigaro aumentodesse


risco, ou você não consegue


afrouxaras condiçõesfinancei-


ras.Paraafrouxarascondiçõesfi-


nanceiras, aprimeiracoisaé ser


capazdereduziravolatilidade.


Valor:Arespostadosbancoscen-


traisestáàalturadessecenário?


To rós:Quandovocêtem uma


crisecomoessa,ou comofoi a


de 2008,vocêgeradisfunciona-


lidadesdo mercado.Todas as


medidasque estãosendodadas


vão na direçãode restabelecer


essa funcionalidade dos merca-


dos. Não é de uma horapara ou-


tra que isso acontece,não éli-


near.Et em uma agendapara is-


so.Aprimeiracoisaque épreci-


so restabeleceréafuncionalida-


de dos mercadosmonetários.O


Fed começoude formamaisin-


cisiva,na quarta-feira passada,a


atuarno sentidode restabelecer


o mercado monetário, em um


movimento que culminouna


decisãodestasegunda-feirade


fazerum programadecompras


de ativos sem limites.Ele estava


estabelecendo limitesde US$ 70


bilhõesao dia, agoraestá esta-


belecendo que pode fazerna


quantidade que ele quiser. Tam-


bémadotoumedidasde ajuda


ao créditoparaempresas. E a


gentenota que os mercadosmo-


netárioscomeçamaganhar fun-


cionalidade.Os ativoscomeça-


ram a se movercorretamente.


Valor:EnoBrasil?


To rós:No Brasil,o BancoCen-


tral foi exatamentenessalinha.


Ele anunciouas medidasde es-


tabilização nos mercadosmone-


tários:amplioua liquidezno sis-


temafinanceiro, via reduçãode


compulsório,criou apossibili-


dadede fazeroperações com-


promissadas comoutrosativos,


está estudandopossibilidade de


fazercomprade carteirade cré-


dito dos bancos.Medidasim-


portantes paradeixaros merca-


dos sem grandeestresse.Isso


não funcionade umahorapara


outra,éalgo contínuo,eestá in-


do na linhacorreta.Se é sufi-


ciente,não dá parasaberagora.


É no dia a dia que oBancoCen-


tral tem que avaliaretem que


dar maisou menosliquidez.Por


experiência, nãoadiantafazer


tudode umavez. Tem que ir fa-


zendoeir vendooefeito,vendo


qualéoproblema.É oque os


bancoscentraisestãofazendoe


o BC aqui começou a fazer.


Valor:E oque maistem nessa


agendaqueoBancoCentralprecisa


implementaragora?



Emmédia,o


riscodosativos


queoperamosno


Brasile no


exteriorsubiu


9 vezes emcerca


deduas


semanas”


To rós: Oprimeiro item da


agendade mercados financei-


ros,atuar para dar liquidez, oBC


preencheu.Tem que monitorar


essa parteda agenda, provavel-


mentemaiscoisas serãoneces-


sárias. Mas ele preencheu.No


Brasil,o próximoitem éafrou-


xar as condiçõesfinanceiras, que


estão muito apertadas. Nesse


quesito, eu achoque oBC fez


pouco eprecisa fazer mais.


Apertaramporque a bolsacaiu


muito,ocâmbiodesvalorizou


muitoe acurvade jurosficou


muitoinclinada. Éprimordial


tentartomarmedidaspara miti-


gar esse apertodas condições fi-


nanceiras.Mas eu achoque éne-


cessáriofazermaiscoisasna li-


nha de afrouxaras condiçõesfi-


nanceiras.Não só oBancoCen-


tral, mas também o Tesouro.Há


duasmedidasque devemser fei-


tas na minhaopinião. Umadelas


émostrarao investidorque o


BancoCentraltem US$ 360 bi-


lhõesem reservas, que está dis-


postoa usare que vai usarda


melhorforma.Ao anunciarum


programa, não necessariamente


o BC vai cumpriro programa,


masvai mostrarque podedar


umamaiorestabilidadena taxa


de câmbio, sem afetaratrajetó-


ria. Retirarum poucoda volatili-


dadede câmbioem relação a


muitosdos pares,já é um bene-


fício no sentidode afrouxaras


condições financeiras. Anunciar


um programa, mostrando que


podeusar diferentes instrumen-


tos, seja o spot,sejamos deriva-


tivos,seriabastanteimportante.


Valor:Qualseriaotamanhoade-


quadodesseprograma?


To rós:Difícil dizer, mas épos-


sível olharalgunsdados.O défi-


cit do balançode pagamentos


foi de cercade US$ 26 bilhõeses-


te ano. Digamos queseja de


US$ 50 bilhõeseste ano,porque


vai ter maissaídade recursos.


Alémdisso, vamos assumirque


vá ter uma demandanaturalpor


hedge.Se der a demonstração de


que oBC está dispostoa suprir


demanda adicionalpor hedge


maisodéficitde balançode pa-


gamentos,isso ajudaria aredu-


zir a instabilidadedo câmbio,


sem impactaro nívelda taxa.


Valor:Qualasegundamedida?


To rós:Seriaumaação do Te-


souro,algo que está sendobem-


sucedidono Méxicoe que, aqui,


foi feitode formaparcial.Édar


liquidezatoda acurvados pa-


péispúblicos.Aqui tem muita


demandae movimentosde fun-


dos, que leva às vezesaliquida-


çõesforçadas. Se há um saque


muitogrande numfundo, isso


impactaacota dos fundosecau-


sa prejuízo grandeaos investi-


dores.Elevaincerteza e instabili-


dade.O próprioFed eoBCE es-


tão fazendoisso,compras diá-


rias para os diferentes papéisdo


Tesouro.Nuncaénum volume


muito alto,mas dá muita tran-


quilidadeparaestabilizar aes-


trutura da curvaa termo.


Valor:Sobrea agendado BC,


qualéoterceiroitem?


To rós:A Selic. Achoque oBan-


co Centraldeixourelativamente


claroa intençãodele.O comuni-


cadoda decisãodo Copom[de


cortaros jurosem 0,5 ponto per-


centual,para3,75%,na última


reuniãodoCopom]foi,ameuver


equivocadoao dizerque essa ta-


xa era adequada para o momen-


to.Aocolocaradiscussãotodana


ata ficoumuitomaisclaroque o


BC irá agir quandojulgarque as


circunstânciasestiveremreque-


rendo. OBC podecortarojuro


novamenteeacho que até o fará,


mas disseque querter um con-


vicçãomaiorde que aquedado


juro se traduziráem afrouxa-


mento das condiçõesfinancei-


ras. Aquestãoé que só haverá


reuniãodoCopomdaqui40dias,


o que parece umavida.OBanco


Centraleventualmente teriaque


atuarantesdisso.Lembrando,es-


ta é uma crisediferentede 2008,


muitomaisaguda.O BC deixou


clarona ata que ele querbaixar


os juros,mas só querfazerisso o


impactoparaascondiçõesfinan-


ceirasfor positivo.Então, a ideia


étomarmedidasporumladopa-


ra estabilizaras condições finan-


ceirasque são os doisprimeiros


itensda agenda.E entãopode


atuar, sabendoque o impacto


que suas decisõesde taxa de ju-


ros será positivosobreas condi-


çõesfinanceiras.


Valor:Mas parteda alta dos ju-


ros mais longosnão tem a ver com


as dúvidassobreorumo da política


fiscal,dadaa necessidade de medi-


dasemergenciais?


To rós:Aquestãofiscalfez a


curvainclinar. Comotodossabe-


mos,oespaçofiscalno Brasilé


muito maislimitado que dos


paísescentrais. Agoramesmovi


o presidenteda Câmara[Rodri-


go Maia]dizendoque odecreto


de calamidadedá ao Executivoo


poderde ter um déficitprimário


de R$ 200 bilhões,R$ 300 bi-


lhõesou R$ 400 bilhões. A estru-


tura atermo da jurosjá reflete


isso, o que significa maisaperto


nas condições financeiras. Por


exemplo, com todoo gastoadi-


cionalque os EstadosUnidoses-


tá usando, o juro real de longo


prazoestá negativo. No Brasil,


estamos voltandopara os 5%.


Precisaque desenhe?



Comtodoo


gasto adicional,


o juro real de


longoprazo dos


EUA está


negativo; no


Brasil,está


quaseem5%”


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