O Estado de São Paulo (2020-03-25)

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B8 Economia QUARTA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


mauríciobenvenutti


Para brasileira, nível das
startups do País subiu
nos últimos anos, mas
valorização também
deixou aportes ‘mais caros’

Giovanna Wolf

Há quase uma década, a brasilei-
ra Bedy Yang tem um trabalho
difícil: fazer o Vale do Silício
olhar além do próprio umbigo.
Sócia do fundo de investimen-
tos americano 500 Startups des-
de 2011, ela é responsável por fe-
char aportes em mercados fora
do radar como África do Sul, Rús-
sia e Brasil. O trabalho tem dado
resultado: sob orientação de
Bedy, a firma já fez 44 aportes no
País, em empresas como Con-
taAzul, Olist, Pipefy, Quero Edu-
cação e Viva Real – esta última se
fundiu em 2017 ao Grupo Zap,
que foi comprado neste mês pe-
la OLX por R$ 2,9 bilhões.
Para Bedy, que mora no Vale
desde 2015, negócios como esse
são um sinal do amadurecimen-
to das startups brasileiras, que
estão entrando num novo ciclo
de investimento. “A qualidade
dos empreendedores melho-
rou muito. Mas agora, como há
muito capital, os valores das em-
presas subiram e ficou mais ca-
ro investir”, diz ela.
Ao Estado , a executiva avalia
o posicionamento do Brasil no
cenário global de inovação e o
momento do ecossistema local.
Além disso, ela também afirma
que o coronavírus desafiará star-
tups que prestam serviços a em-
presas, mas pode trazer oportu-
nidades em alguns setores. E fa-
la sobre como é ser mulher em
um mundo ainda bastante mas-
culino. “As empresas percebe-
ram que diversidade dá resulta-
do, então há uma vantagem com-
petitiva. Mas acabamos sendo
‘tachadas’: quando vou a even-
tos, não quero só falar sobre mu-
lheres, tenho competência para
vários outros assuntos”, diz.

lA 500 Startups acabou de fa-
zer uma saída de investimento de
peso, com a venda do Viva-
Real/Grupo Zap para a OLX. É o
tipo de movimento que permite
um novo ciclo de aportes em star-
tups do País. Como a sra. vê o
momento do ecossistema?
A qualidade dos empreendedo-
res melhorou muito nos últi-
mos anos e isso é uma excelen-
te oportunidade para os inves-
tidores. Converso com vários
e eles dizem que não faltam
startups interessantes. Mas co-
mo há muito capital, os valo-
res das empresas estão subin-
do. Ficou mais caro investir.

lNos últimos dois anos, o ecos-
sistema cresceu bastante e ge-
rou 11 unicórnios (startups avalia-
das acima de US$ 1 bilhão). Ago-
ra, porém, já há casos de derra-

padas, como a Grow. Mais proble-
mas vêm por aí?
A jornada do empreendedor é
tortuosa. As startups sempre te-
rão altos e baixos. O mercado
brasileiro mudou bastante: há
três anos, as empresas tinham
de se financiar principalmente
via clientes. Agora, entrou mui-
to capital de risco aqui, o que
impulsionou o surgimento de
unicórnios. Houve sim uma eu-
foria. Mas eu não acho que vão
ter muitas histórias de furo,
não acho que o mercado vá en-
trar em uma bolha. O que ocor-
reu, porém, pode ser um alerta

para os empreendedores: eles
precisam ajustar expectativas e
alinhar o caixa.

lQuais podem ser os impactos
do coronavírus para as startups?
O impacto maior vai ser em
startups que vendem para em-
presas (B2B, no jargão do se-
tor), porque grandes empresas
que trabalham com startups
vão precisar conservar o fluxo
de caixa e a inovação pode dei-
xar de ser prioridade. Já há vá-
rias startups revendo expecta-
tivas e vemos empreendedores
focando em vendas online.

Mas também há oportunida-
des: com o coronavírus, as pes-
soas estão aprendendo mais
pela internet, o que é interes-
sante para startups de educa-
ção. Empresas de saúde tam-
bém devem crescer bastante.

lÉ bastante possível que uma
crise econômica venha aí. Haverá
mais cautela para investir?
Para nós, que entramos cedo
na vida dos empreendedores,
o cenário não muda. A 500
Startups compete muito com
investidores anjo, pelo primei-
ro cheque da startup. E mo-
mentos de crise são os melho-
res momentos de investimen-
to: com menos dinheiro no
mercado, o valor das empresas
cai e há menos competidores.
Além disso, com a crise, as pes-
soas são mais conscientes de
como se usa o capital. Muitas
empresas do nosso portfólio
que cresceram muito vêm de
momentos de crise.

lQuais setores atraem no País?
Às vezes, é mais importante
olhar para o modelo de negó-
cio do que para o tipo de indús-
tria em si. Nós olhamos muito
para o negócio de assinaturas
e temos interesse em modelos
de marketplaces. Falando so-
bre mercado, vemos muita
oportunidade em serviços fi-
nanceiros e em soluções que gi-
ram ao redor da movimenta-
ção de dinheiro – como é o ca-
so da ContaAzul, que otimiza
trabalhos de contabilidade.

lA sra. esteve por trás dos 44
cheques da 500 Startups no Bra-
sil. Como é pautar o País no Vale?
No Vale, há muita vontade de
construir operações internacio-
nais, mas o processo não é
fácil. A língua é diferente e as
pessoas não conhecem o Bra-
sil. Mas, nos últimos anos, com
a chegada do SoftBank aqui, is-
so mudou. Além disso, hoje te-
nho argumentos para inserir o
Brasil nas rodas de conversa
do Vale: PagSeguro e Stone, lis-
tadas na Bolsa americana, se
tornaram bastante conhecidas
lá fora. Mas é um processo du-
ro. As pessoas não acordam
pensando no Brasil: é preciso
lembrá-las a todo momento.

lÉ raro ver uma executiva mu-
lher em um fundo de investimen-
tos. Como é sua experiência?
Hoje, tem sido bom. O lado po-
sitivo, atualmente, é que as em-
presas perceberam que diversi-
dade dá resultado e estão bus-
cando mais mulheres. Acaba
sendo uma vantagem competi-
tiva. Mas há muitos pontos ne-
gativos. Tudo é muito tachado.
Muitas vezes, nos pautam só
para falar sobre diversidade.
Quando vou a eventos, não
quero falar só sobre mulheres
no mercado. Tenho competên-
cia para falar sobre vários as-
suntos. Essas coisas acabam
sendo irritantes. Tenho supe-
rorgulho de ser brasileira e lati-
na, minha equipe é 70% femini-
na e, quanto mais sucesso elas
tiverem, mais se prova a com-
petência delas.

usuários são clientes da
healthtech, comandada por
Mara Redigolo (ao lado)

3 mil


nova economia
StartSe oferece
curso gratuito
A empresa de educação conti-
nuada StartSe lançou nesta
semana um programa online
de capacitação voltado para a
área da nova economia.
O curso é gratuito e conta
com 30 dias de aulas, dividi-
dos em quatro módulos. Ins-
crições: https://start-
se.com/restartse.

COMPETÊNCIACOMPETÊNCIA


1.700%


frota
Startup Vai.Car tem
1,2 mil novos carros
A startup americana Vai.Car,
plataforma de compartilhamen-
to de carros, anunciou a aquisi-
ção de 1,2 mil novos carros na
frota brasileira para atender à
demanda de aluguel de automó-
veis da empresa. Até o fim do
ano, o plano da empresa é de
chegar a uma frota com 12 mil
automóveis disponíveis.

ENTREVISTA


TABA BENEDICTO / ESTADÃO

E


m 2002, a SARS impulsionou o crescimen-
to meteórico da então pequena Alibaba. Es-
sa expansão foi alimentada pelas restrições
a viagens e ao contato humano, semelhante ao que
vemos hoje. Como consequência, os chineses co-
meçaram a comprar mais online. Em 2008, a crise
financeira estimulou trabalhadores a compartilha-
rem os próprios bens em busca de renda. Uber e
Airbnb nasceram nesse período. Agora, vivemos a
propagação do novo coronavírus, uma emergên-
cia de saúde pública global, com impactos sociais e


econômicos ainda imensuráveis.
O trabalho remoto está sendo incentivado, a lu-
cratividade das companhias aéreas está derreten-
do, as cadeias de suprimentos estão se deterioran-
do. Algumas dessas consequências são momentâ-
neas e voltarão ao normal quando a pandemia for
contida. Outras, porém, vão permanecer em nossa
rotina, provocando transformações de longo pra-
zo e moldando oportunidades nos próximos anos.
Assim como em quase todos os setores, a educa-
ção enfrenta um dos maiores impactos da memó-
ria recente. Da noite para o dia, essa instabilidade
mudou a forma como milhões de pessoas são ensi-
nadas. Segundo a Unesco, um número sem prece-
dentes de jovens e adultos deixou de frequentar
aulas por causa do atual surto. Até semana passa-
da, 862 milhões de crianças – ou metade da popula-

ção estudantil do mundo – já tinham sido afetadas
pelo fechamento de suas escolas em 107 países.
Em função disso, boa parte das respostas a es-
sas adversidades estão sendo dadas com soluções
de e-learning. Governos, instituições de ensino,
empresas de tecnologia e de telecomunicações se
uniram para oferecer plataformas digitais como
forma de solucionar temporariamente os proble-
mas causados pela crise. Na China, o Ministério
da Educação desenvolveu uma nova ferramenta
de aprendizagem online baseada na nuvem. Em
Hong Kong, professores passaram a dar aulas no
Zoom, aplicativo de videoconferência que libe-
rou acesso gratuito a escolas de vários países. Na
Nigéria, colégios intensificaram o uso do Google
Classroom, sistema que gerencia conteúdos edu-
cacionais. A Coursera disponibilizou todo o seu

catálogo de cursos a faculdades afetadas pela pan-
demia. Stanford e diversas universidades ameri-
canas já rodam há semanas em modo 100% a dis-
tância, inclusive para aplicar exames.
Além disso, gigantes de tecnologia já investem
pesado no setor desde a década passada. Samsung
na Coreia do Sul. Microsoft e Google nos EUA.
Tencent e Alibaba na China. Mesmo que a maioria
dessas iniciativas ainda tenha escopos limitados,
a covid-19 se tornou um catalisador para a educa-
ção buscar soluções realmente inovadoras em um
curto espaço de tempo. Isso poderá desencadear
um boom no segmento de e-learning. Ou, no míni-
mo, nos tornar mais próximos dele.

]
É SÓCIO DA EMPRESA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA STARTSE

[email protected]

foi o crescimento no
faturamento da Dandelin,
aplicativo que conecta
médicos e pacientes

INSIGHT


“No Vale, há muita
vontade de fazer

operações globais,
mas não é fácil.

As pessoas não
acordam pensando
no Brasil, é preciso

lembrá-las
do País.”

Lista. Sob
comando de
Bedy, 500
Startups
já fez 44
cheques
no Brasil

Bedy Yang, sócia do fundo
americano 500 Startups

‘Mulher não sabe ‘Mulher não sabe


só falar sobre só falar sobre


diversidade’diversidade’


Será o boom


do e-learning?


DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

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