O Estado de São Paulo (2020-03-25)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-9:20200325:
O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2020 Economia B9


PME


Bianca Zanatta
ESPECIAL PARA O ESTADO


Apesar de o mercado edito-
rial estar em crescente retra-
ção, algumas iniciativas ain-
da brotam e florescem. A lite-
ratura feminista – obras escri-
tas por mulheres ou que abor-
dem temáticas feministas –
vem ganhando espaço no
País com uma onda de redes-
coberta do feminismo e rema
contra a maré dos números.

Quando abriu as portas em
2014, a Pólen Livros tinha um
faturamento que dependia em
grande parte da prestação de
serviços. “Até 2017, praticamen-
te 70% do faturamento vinha
da produção de livros encomen-
dados por editoras, jornais, tra-
duções”, lembra Lizandra Ma-
gon de Almeida, diretora edito-
rial. A virada chegou após o lan-
çamento de Heroínas Negras
Brasileiras em 15 Cordéis
, de Ja-
rid Arraes. Foram três tiragens
só no ano de lançamento.
A situação se inverteu de vez
com a coleção Feminismos Plu-
rais, parceria com a filósofa e es-
critora feminista Djamila Ribei-
ro. “Hoje 80% do faturamento


vem dos livros”, diz Lizandra.
O resultado tem a ver com a
relevância das discussões levan-
tadas pelo feminismo. De acor-
do com uma pesquisa coordena-
da pela professora Regina Dal-
castagnè, do Grupo de Estudos
em Literatura Brasileira Con-
temporânea da Universidade
de Brasília, mais de 70% dos li-
vros publicados de 2005 a 2014
no Brasil foram escritos por ho-
mens – quase 90% por brancos.
“As pessoas começaram a
querer outros sujeitos que es-
crevem essa história”, analisa
Djamila, autora best-seller de
diversos livros sobre feminis-
mo negro. Os títulos da coleção
Feminismos Plurais, que está
no guarda-chuva do selo Sueli
Carneiro, incluem autoras e au-
tores negros. “Trazemos tam-
bém a temática do racismo por-
que é uma questão estruturante
da sociedade brasileira”, diz a
curadora. “Na nossa perspecti-
va, não tem como pensar em gê-
nero sem pensar em raça.”
Essa diversidade de pensa-
mento atrai olhares não só por
aqui, mas no mundo todo. Os li-
vros da coleção agora estão sen-
do traduzidos para outras lín-

guas, como francês, espanhol e
italiano. “Viemos para cá como
escravizados e agora consegui-
mos exportar nossos saberes,
mostrando que o feminismo
não é um movimento só femini-
no, mas sim um movimento so-
cial e antirracista”, diz Djamila.
Outro ponto é o acesso ao li-
vro. Títulos como Lugar de Fala
(Djamila Ribeiro) e Racismo Re-
creativo (Adilson Moreira) são
vendidos ao preço fixo de R$
24,90. Hoje a editora tem parce-
ria para chegar a grandes lojas,
mas a maioria da distribuição é
feita para 100 pequenas lojas
Brasil afora. É o caso de um es-
tabelecimento chamado Sertão,
em Jacobina (BA), que tem clu-
be de leitura de mulheres. “Ban-
camos o frete porque queremos
estar lá”, diz Lizandra.
Foi também a percepção do
movimento na sociedade que le-
vou a matemática Lu Maga-
lhães, fundadora da Primavera
Editorial há 12 anos, a redirecio-
nar seu negócio cerca de três
anos atrás. Desde que nasceu, a
editora foi criando um catálogo
com obras de ficção, não ficção,
livros voltados a desenvolvi-
mento, negócios, psicologia.

Chegou a publicar 90 títulos.
Há cerca de três anos, com a
contratação de uma consulto-
ria, entendeu onde o negócio es-
tava mais consolidado. “Desco-
brimos que nosso público era
composto de mulheres que gos-
tam de se desenvolver e estão
ávidas para discutir e contri-
buir para o mundo em que vi-
vem.” Naquele momento, o fo-
co do catálogo passou a ser o
que essas mulheres, que têm en-
tre 20 e 65 anos, querem ler.
Desde o reposicionamento,
75% das obras são sobre o uni-
verso feminino. O faturamento
subiu em torno de 30% no pri-
meiro ano, 20% no segundo e
18% em 2019. “Isso mostra que
estamos no caminho certo, cres-
cendo numa curva constante”,
diz Lizandra. A editora também
viu a comunidade de leitoras fi-
car 45% maior com os 14 livros
dessa nova fase. Para este ano,
são previstos de 8 a 10 títulos.

Grandes. Editoras maiores tam-
bém identificaram o potencial
de vendas do feminismo. No
fim de 2017, o Grupo Editorial
Record resgatou o selo Rosa
dos Tempos, idealizado por Ro-
se Marie Muraro e Ruth Esco-
bar e lançado em 1990. O título
inaugural da retomada foi Femi-
nismo em Comum – Para Todas,
Todes e Todos , de Marcia Tiburi.
“O livro até hoje segue forte
em vendas, já na 13.ª reimpres-
são”, conta Livia Vianna, edito-
ra do Rosa dos Tempos. O foco
é lançar livros que sirvam de su-
porte para que as mulheres pen-
sem seus lugares. “Temos publi-
cado um a cada dois meses, re-
sultando em pouco mais de 10
títulos desde a retomada.” Se-
gundo a editora, a assertividade
do selo é alta por falar com um
público bem nichado e fiel.
Além disso, rende mais vendas
do que na primeira fase do selo,
diz ela, sem revelar números.

Feminismo puxa


negócios no


mercado editorial


Editoras e selos veem faturamento crescer com tema; Primavera


Editorial registra salto de 30% no primeiro ano de reposicionamento


ESTADÃO

Curadoria. Djamila Ribeiro (E) e Lizandra Almeida, da Pólen

NILTON FUKUDA/ESTADÃO

i
Free download pdf