O Estado de São Paulo (2020-03-25)

(Antfer) #1

NA


Julia Lindner / BRASÍLIA

Cartazes, carros de som e adap-
tações de músicas funk são es-
tratégias adotadas por morado-
res de comunidades periféricas
para tentar minimizar os danos
da pandemia do novo coronaví-
rus em áreas de risco. No Com-
plexo do Alemão, no Rio de Ja-
neiro, entidades criaram um ga-
binete de crise para elaborar
ações de conscientização sobre
a importância de lavar as mãos e
evitar aglomerações.
Diante dos desafios para com-
bater a covid-19 nas favelas, re-
presentantes de entidades da
sociedade civil se organizam
em todo o País para suprir lacu-
nas em regiões desassistidas pe-
lo Estado. Além de reunir doa-
ções de alimentos e itens bási-
cos de higiene, um dos princi-
pais desafios das organizações
é fazer as entregas chegarem
aos beneficiários de forma segu-
ra, sem chance de contágio.
“Tá ligado no coronavírus?
Deixa eu te passar a visão. Essa
doença triste que afetou nosso
mundão. Vamos ter consciên-
cia e fazer toda a prevenção pa-
ra nossa comunidade. Lave as
mãos frequentemente, com
água e sabão. Evite sair de casa
para não ter aglomeração”, diz
um trecho de uma música funk
criada pelo Coletivo Papo Reto,
do Complexo do Alemão.
“Sabemos que temos um pre-
cário abastecimento de água.
Caso você tenha água em casa,
compartilhe com quem precisa.
Escolha o bom senso e, se possí-
vel, colabore com aqueles me-
nos informados para passar-
mos bem por esse momento”,
afirma um cartaz divulgado pe-
lo grupo Juntos Pelo Complexo
do Alemão. “Sua saúde é muito
importante. Não deixe de lavar
as mãos e manter sua casa areja-
da”, diz outra mensagem.
Outro foco é a campanha de
arrecadação de doações para
moradores da favela. No Rio, al-
guns dos responsáveis são do
jornal comunitário Voz das Co-
munidades. Eles afirmam que
parte do valor arrecadado será
usada para a compra de água,
álcool em gel e sabonete. A se-
gunda etapa terá foco na distri-
buição de alimentos.
Criador do Voz das Comunida-
des , o ativista Rene Silva afirma
que as doações ficam isoladas
por pelo menos três dias em um
local seguro a fim de evitar con-
taminações. Depois, tudo é hi-
gienizado e manuseado com lu-
vas até chegar ao destino final.
“Temos grupos de What-
sApp com pessoas de várias re-
giões da cidade. Estamos con-
centrando nossos esforços no
Alemão, mas temos contribuí-
do para replicar essas mesmas
ideias em outros locais. As fai-
xas, por exemplo, são uma alter-
nativa para quem não tem televi-
são ou rádio”, contou Silva.
Como mostrado pelo Esta-
do na semana passada, muitas
casas nas comunidades brasilei-
ras sofrem com a falta de itens
básicos, como abastecimento
de água. Outro problema são as
dificuldades que os moradores
possuem de cumprir isolamen-
to em casas com poucos cômo-
dos. Por isso, o Ministério da
Saúde avalia usar navios de cru-
zeiros e hotéis como alternati-
va para tratar pessoas de baixa
renda na quarentena.
Em Paraisópolis (SP), a orga-
nização G10 das Favelas procu-
ra 420 voluntários para atuar no
combate à covid-19. Eles vão re-
passar informações a respeito
do vírus, distribuir alimentos e
itens úteis (cestas básicas, pro-

dutos de higiene, máscaras e lu-
vas) e conscientizar moradores
sobre a necessidade de ficarem
protegidos em casa.
Empresas sociais também
têm atuado para reforçar a aju-
da em comunidades durante a
crise. Fundador do Projeto Ci-
dades Invisíveis, o empreende-
dor Samuel Schmidt afirma
que é “quase impossível” se-
guir à risca todas as orienta-
ções de isolamento do Ministé-
rio da Saúde. Nos últimos dias,
a organização mudou o foco da
capacitação profissional para
doações diretas de mantimen-
tos. Em uma semana, foi arreca-
dado o suficiente para comprar
500 cestas básicas – mais da me-
tade já distribuída na comuni-
dade Frei Damião, em Palhoça
(SC).
O empreendedor considera
que a atuação nas comunidades
é algo que diferencia o Brasil de
estratégias adotadas em países
desenvolvidos, o que demanda
uma atuação específica. “Mui-
tos perguntam ‘por que vocês
não procuram a prefeitura, o Es-
tado, o Exército?’. Nós procura-
mos, mas por enquanto nin-
guém está fazendo isso”, decla-
rou Schmidt.
A Central Única das Favelas
(CUFA) divulgou suas propos-
tas para reduzir impactos da
pandemia da covid-19 nas fave-
las. Entre elas está o financia-
mento para as redes de comuni-
cação próprias de cada favela;
aumento de apoio financeiro pa-
ra famílias inseridas em progra-
mas sociais, além daquelas que
possuem crianças impedidas de
frequentar creches e também
as que possuem pessoas porta-
doras de deficiência.

Equipamentos. Outra frente
de atuação para a realização de
doações parte de Organizações
Não Governamentais (ONGs)
que buscam ajuda na iniciativa
privada. É o caso da Comunitas,
que afirma ter reunido cerca de
R$ 23 milhões em três dias por
meio de doações de empresá-
rios. Com os recursos, a ONG
promete encomendar cerca de
350 equipamentos de respira-
ção para ventilação mecânica.
Os itens serão destinados para
hospitais em São Paulo.
“Era necessário que a inicia-
tiva pública tivesse a mesma
agilidade que a iniciativa priva-
da. Estávamos perdendo tra-
ção pelo próprio tempo que a
iniciativa pública tem. E acho
que temos muito a contribuir
nesse sentido para que o gover-
no consiga fazer a sua opera-
ção. Esse tem que ser um papel
muito grande da iniciativa pri-
vada e da sociedade”, disse Re-
gina Esteves, diretora-presi-
dente da organização.
O governador de São Paulo,
João Doria, já anunciou que o
Hospital das Clínicas irá abrir
900 novos leitos a partir do dia
27 de março. Segundo Doria,
até o dia 10 de abril, 700 já esta-
rão disponíveis.
Segundo o governador, a
abertura de novos leitos foi
possível “graças às doações
que recebemos do setor priva-
do”, principalmente respirado-
res e monitores. De acordo
com Doria, em reunião com
empresários, foram doados R$
96 milhões por 28 empresas,
em recursos e equipamentos,
que serão destinados à infraes-
trutura de hospitais no comba-
te ao coronavírus. Com isso, o
governador ainda acrescentou
que haverá 2.300 leitos de UTI
para o tratamento de pessoas
com coronavírus no Estado de
São Paulo.

Paladar


Veja dicas para fazer um café imbatível PÁG. H5


DA PERIFERIA


QUARENTENA


VISÃO


Criatividade e união ajudam favelas no combate ao novo coronavírus


FOTOS: SAMUEL SCHMIDT

GABRIELA BILÓ / ESTADÃO

‘Cidades invisíveis’. Em Palhoça
(SC), projeto levou mais de 500
cestas básicas para comunidade

%HermesFileInfo:H-1:20200325:H1 QUARTA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2020 (^) O ESTADO DE S. PAULO
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