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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2020 Política A
ENTREVISTA
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Caio Sartori / RIO
O cientista político Miguel La-
go , mestre em Administração
Pública e diretor executivo do
Instituto de Estudos para Po-
líticas de Saúde (IEPS), já clas-
sificou o presidente Jair Bolso-
naro como um “fenômeno tec-
nopolítico” que, segundo ele,
atuaria numa lógica de inter-
net, inflando os apoiadores
nas redes sociais. Em casos co-
mo a crise do coronavírus, diz,
o perfil de fidelizador dos se-
guidores mais fanáticos fica es-
cancarado. Para Lago, há méto-
do no modo como o presiden-
te ataca governadores, a im-
prensa e as recomendações do
próprio Ministério da Saúde.
“Se a ação de contenção (da
pandemia) for bem-sucedida,
ele consegue colher os louros.
Se for malsucedida, diz que
não tem nada a ver com isso,
porque foi contra o isolamen-
to social”, disse ao Estado.
lO sr. já definiu Bolsonaro como
um fenômeno ‘tecnopolítico’. Is-
so ficou escancarado com a crise
do coronavírus?
A disputa do Bolsonaro é por
narrativa. Está sempre jogando
com os seguidores dele. Preci-
sa fidelizar essa base, da qual
depende todo o sucesso dele
no governo. Está jogando com
dois meses de antecedência.
Tem método. Está jogando o jo-
go dele, que é muito perigoso
para a saúde pública. É isso o
que acontece quando a política
deixa de ser ancorada na reali-
dade e é puro discurso político.
lComo analisa essa estratégia?
Ele aposta em duas vias. Em
uma, se a ação de contenção
for bem sucedida, consegue co-
lher os louros. Na outra, se for
mal sucedida, diz que não tem
nada a ver com isso porque foi
contra o isolamento social, a
“histeria” que ele diz que a im-
prensa e os governadores es-
tão instalando na população.
Vamos supor que a política de
isolamento funcione. Isso sig-
nifica que o coronavírus foi
contido, mas que o maior pro-
blema é a recessão econômica.
Se ele dizia que as medidas de
contenção seriam responsá-
veis pela recessão, ele tira a
própria responsabilidade. Nar-
rativamente, está tentando ga-
nhar mesmo que o Brasil te-
nha uma recessão tremenda.
lA crise amplia a rejeição a ele?
Minha impressão é a de que as
pessoas que não gostam dele
estão mais eloquentes, até por-
que ele tem dado muitos argu-
mentos para isso. Mas tem um
fenômeno de classe também.
As primeiras vítimas são de
classe mais alta, que votou ma-
joritariamente nele. A queda
de popularidade abre espaço
para a oposição construir um
método, como é o caso dos pa-
nelaços, mas acho que ele ain-
da continua muito forte.
lHá espaço para impeachment?
Até vejo a instalação de um pro-
cesso de impeachment, porque
ele está levando a briga com as
instituições até a última conse-
quência. Mas, politicamente,
uma coisa é Collor ou Dilma,
que tinham índices de populari-
dade minúsculos. Bolsonaro
tem um segmento da população
fanático por ele. Essa parcela da
população vai brigar. Seria um
impeachment muito mais custo-
so do ponto de vista político.
Após desprezar quarentena, Bergamo se torna epicentro de mortes na Itália. Pág. A10 }
‘Se contenção der errado, Bolsonaro culpa os outros’
Para cientista político,
discurso do presidente
visa a fidelizar aliados e
se proteger politicamente
em caso de recessão
Miguel Lago, cientista político
NA WEB
Portal. A íntegra
da entrevista
com Miguel Lago
estadao.com.br/e/miguellago
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