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A10 QUINTA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Internacional
Após desprezar quarentena, Bérgamo
se torna epicentro de mortes na Itália
ANDREA FASAN/EFE
Tragédia. Soldado italiano em meio a 45 caixões, na Igreja San Giuseppe, em Seriate, cidade vizinha a Bérgamo: corpos levados para crematórios próximos
Príncipe Charles, de
71 anos, tem coronavírus
MADRI
A Espanha superou ontem o nú-
mero de mortes registradas na
China em decorrência do coro-
navírus, com 3.445 vítimas des-
de o início do surto, 738 nas últi-
mas 24 horas, informou o Minis-
tério da Saúde. Apenas a Itália
tem número superior ao da Es-
panha, que também registrou
aumento de 20% no número de
casos diagnosticados, para
74.610, à medida que as autorida-
des aumentam os testes dos pa-
cientes suspeitos. A Itália tem
7.503 mortos e a China, 3.281.
Depois de uma semana e
meia de confinamento quase to-
tal para os espanhóis, que deve
prosseguir até 11 de abril, o go-
verno advertiu que a semana se-
ria “difícil”, mas acredita que o
país esteja próximo de atingir o
pico de contágios.
Apesar de registrar o maior
número de mortes em um dia, o
Ministério da Saúde também
anunciou um aumento expressi-
vo no número de pacientes cura-
dos, de quase 3,8 mil para 5,
mil. Mais da metade das mortes
(53%) se concentra na região de
Madri, a mais afetada pela pan-
demia, tanto em número de
mortes quanto de em casos diag-
nosticados. A capital registrou
290 mortes em 24 horas, segun-
do dados divulgados ontem.
Diante da sobrecarga do sis-
tema de saúde e funerário, as
autoridades regionais instala-
ram um hospital em um cen-
tro de convenções – que pode-
rá receber até 5,5 mil leitos – e
prepararam uma pista de pati-
nação no gelo para funcionar
como necrotério.
O governo regional também
anunciou a conclusão de um
contrato de ¤ 432 milhões (R$
2,34 bilhões) com a China para
adquirir suprimentos médicos
para lidar com a pandemia. Se-
gundo o ministro da Saúde, Sal-
vador Illa, o contrato prevê a
entrega de 550 milhões de más-
caras, 5,5 milhões de testes rápi-
dos, 950 respiradores e 11 mi-
lhões de luvas para atenuar a
falta de material na Espanha.
Ontem, o craque argentino
Lionel Messi e o técnico Pep
Guardiola fizeram doações pa-
ra ajudar no combate à pande-
mia. Messi doou ¤ 1 milhão, sen-
do que parte para o Hospital
Clínic, de Barcelona, e outra pa-
ra um centro médico na Argenti-
na. Guardiola fez uma doação de
¤1 milhão para a Fundação Án-
gel Soler Daniel, que ajuda médi-
cos idosos em situação vulnerá-
vel. / AFP
Marcelo Godoy
Uma cidade da região da Lom-
bardia, no norte da Itália, é o
pesadelo dos que defendem
relaxar a quarentena contra a
covid-19 em benefício da eco-
nomia. Trata-se de Bérgamo,
a Wuhan italiana, de onde o
Exército retirou em comboio,
na semana passada, dezenas
de caixões com corpos para se-
rem cremados em outros luga-
res, pois a cidade – cujo siste-
ma de saúde entrou em colap-
so – não consegue lidar mais
nem com seus mortos.
No boletim do Ministério da
Saúde divulgado ontem, a Pro-
víncia de Bérgamo, de 1,1 milhão
de habitantes, tinha 7.272 casos
de contágio – um dia antes,
eram 6.728. Os mortos eram
1.328, 60 a mais do que na terça-
feira. Na Itália, já são quase 75
mil casos com 7,5 mil mortes.
O desastre de Bérgamo come-
çou a tomar corpo no fim de feve-
reiro, quando os primeiros ca-
sos de italianos contaminados
pelo coronavírus surgiram no
país. Os habitantes da província
continuaram tocando a vida.
No dia 23 de fevereiro, 48 mil
torcedores da Atalanta, time da
cidade, foram a Milão ver a vitó-
ria por 4 a 1 contra o Valencia, da
Espanha, pela Liga dos Cam-
peões. Foi uma “bomba biológi-
ca”, diria mais tarde o prefeito
Giorgio Gori. No dia 27, a Confe-
deração das Indústrias de Bérga-
mo, lançou um manifesto dizen-
do que tudo seguia normal. “Bér-
gamo está funcionando”, dizia o
vídeo.
Era um recado para os parcei-
ros internacionais. Naquele mo-
mento, perto dali, na cidade de
Codogno, o pesquisador Mat-
tia, de 38 anos, seguia internado
na UTI. Primeiro paciente da Itá-
lia diagnosticado com covid-19,
ele estava em estado grave. Mes-
mo assim, as fábricas e o comér-
cio da região permaneciam aber-
tos – a cidade tinha então 103
casos. O próprio primeiro-mi-
nistro italiano, Giuseppe Con-
te, dizia na ocasião que fechar as
fronteiras do país “causaria da-
nos econômicos irreversíveis e
não era praticável”. Todos ti-
nham uma certeza: o país não
podia parar. A Itália tinha 650
infectados.
Em Milão, capital da região, es-
tava o cientista e farmacologista
Silvio Garattini, de 91 anos, pre-
sidente do Instituto de Pesqui-
sas Farmacológicas Mario Ne-
gri. Nascido em Bérgamo, Garat-
tini dizia que era melhor tomar
medidas drásticas do que se arre-
pender depois. Mas era necessá-
rio que as ações fossem aceitas
pela população como um sacrifí-
cio que devia ser feito, pois en-
frentavam um desafio desconhe-
cido: o coronavírus.
Havia dois dias, em 25 de feve-
reiro, que o governo de Conte
havia tomado as primeiras medi-
das para barrar a doença na Lom-
bardia com o objetivo de conter
o surto em 11 cidades: cancelava
eventos, restringia a circulação
e fechava 5,5 mil escolas por cin-
co dias, além de creches, tea-
tros, cinemas e museus. Por fim,
o Ministério da Saúde pedia às
pessoas um “toque de recolher
voluntário”.
Em Bérgamo, os conselhos de
Negri e do ministério caíram em
ouvidos moucos. “Foram come-
tidos erros demais e esses erros
pesam”, contou Garattini à TV
Rai3. “Infelizmente, aqui foi pri-
vilegiada a proteção da ativida-
de econômica em relação à tute-
la da saúde.”
Dezenas de empresas da re-
gião têm relação com a China. A
cidade ficou fora da zona de ex-
clusão inicial. Então, os casos co-
meçaram a explodir. E o mundo
reagiu. Em 1.º de março, os clien-
tes estrangeiros passaram a re-
jeitar os produtos com receio de
serem postos em quarentena
em seus países.
Em 8 de março, Conte anun-
ciou a quarentena na Lombar-
dia e 11 províncias. Havia então
230 mortes na Itália e 5.883 ca-
sos de covid-19. No dia seguinte,
ele estendeu a medida para toda
a Itália. Dez dias depois, chega-
va a Bérgamo um comboio de 15
caminhões do Exército. Era a
primeira das missões para reti-
rar corpos da cidade e cremá-los
em outros locais.
Ontem, os militares entraram
na cidade vizinha de Seriate. Re-
tiraram mais 45 corpos. Ao mes-
mo tempo, um grupo de 30 médi-
cos russos chegou a Bérgamo pa-
ra ajudar os italianos. “Em Bér-
gamo, houve grave subavalia-
ção”, conclui Garattini.
LONDRES
O príncipe Charles, filho mais
velho da rainha Elizabeth II e
herdeiro do trono britânico, es-
tá infectado com coronavírus,
informou ontem a assessoria de
imprensa da residência oficial.
“O príncipe de Gales, de 71
anos, apresenta sintomas leves
da covid-19 e está em boa saú-
de”, afirma o comunicado. O
herdeiro do trono está confina-
do com sua mulher, Camila, na
residência real em Balmoral, na
Escócia.
“Seguindo recomendações
médicas e do governo, o prínci-
pe e a duquesa estão agora isola-
dos”, informou o comunicado.
Os testes foram feitos pelo Ser-
viço Nacional de Saúde (NHS,
na sigla em inglês), em Aber-
deenshire, na Escócia. Segun-
do a assessoria, é difícil saber
onde Charles foi infectado em
razão do número de compro-
missos que ele teve nas últimas
semanas.
Elizabeth II, de 93 anos, e seu
marido, o príncipe Philip, de
98 anos, estão no Castelo de
Windsor, em Londres, há uma
semana.
“Sua majestade, a rainha, es-
tá bem de saúde”, disse ontem
um porta-voz do Palácio de
Buckingham, que rejeitou di-
zer se ela foi testada. “A rainha
viu pela última vez o príncipe
de Gales brevemente após a au-
diência do dia 12 e segue todos
os conselhos para garantir seu
bem-estar.”
Os sintomas não impediram
Charles de “trabalhar em casa
nos últimos dias, como de cos-
tume”, segundo a residência
oficial. Camila, “a duquesa da
Cornualha, também foi testa-
da, mas não tem o vírus”, infor-
mou a assessoria do príncipe.
De acordo com a imprensa
britânica, Charles se reuniu no
dia 10, em um evento em Lon-
dres, com o príncipe Albert de
Mônaco, que também está com
a covid-19. O Reino Unido tem
pelo menos 8 mil casos confir-
mados de coronavírus e 422
mortes. / AFP e EFE
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Espanha passa China em número de mortos
lEscassez
lContaminação
A vice-primeira-ministra espa-
nhola, Carmen Calvo, de 63
anos, testou positivo para o novo
coronavírus, informou ontem o
governo, acrescentando que ela
está bem e sob tratamento.
BALDESCA SAMPER / AFP
Desde o início do
surto, 3.445 pessoas
já morreram no país;
maioria dos casos é
registrada em Madri
Esforços. Militar ajuda no trabalho de desinfecção em Madri
“Não é fácil encontrar
caixões. Nos últimos dias,
encomendamos uma
quantidade, mas a empresa
de Veneza não conseguiu
entregá-los. Então, fomos
buscá-los com uma van. Dos
60 caixões pedidos, nos
deram apenas 30. Estamos
em colapso. Quando a
morte acontece no hospital,
os corpos são colocados em
sacos pretos e ficam ali uns
dois dias antes que
possamos pegá-los”
Funcionário de uma funerária
Cidade ignorou confinamento enquanto a confederação local das indústrias avisava clientes estrangeiros que tudo seguia normalmente;
hoje, registra 1.328 mortes e recebe comboios do Exército para retirar corpos para serem levados para crematórios de outras regiões
DAVID MARIUZ/EFE-10/11/
Isolamento. Charles tem
sintomas leves de covid-
i