O Estado de São Paulo (2020-03-26)

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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2020 Internacional A


C


ostumamos imaginar que as


grandes pragas têm como


efeito igualar os homens dian-


te da dor, da angústia e da morte. O


rico e o pobre se submetem aos mes-


mos exames, aos mesmos tratamen-


tos. O coronavírus teria, portanto,


encontrado um método simples,


mas um pouco brutal de resolver a


questão social que se coloca para os


homens há 3 mil anos, que resiste


aos remédios mais diversos: libera-


lismo, teocracia, comunismo. Sejam


indivíduos do norte ou do sul, da flo-


resta ou do deserto, todos são sub-


metidos ao mesmo inimigo, destina-


dos aos mesmos cuidados, aos mesmos


delírios, a sofrimentos semelhantes.


Mas o vírus não é da mesma opinião.


Parece que ele aplica a suas diferentes


vítimas tratamentos adaptados para


cada uma delas, “sob medida”, e segun-


do regras misteriosas. A Europa, sobre


a qual a onda se abateu há algumas se-


manas, sugere isso. O primeiro país vi-


timado, a Itália, levou inicialmente a


coisa sem se preocupar muito, e depois


trancafiou todo mundo. E a doença se-


guiu com o seu programa. A Espanha


está pasma. Já chegou aos primeiros


lugares, talvez ao primeiro entre as na-


ções martirizadas pelo coronavírus.


Há três dias, o país soube de uma notí-


cia espantosa: alguns soldados que de-


sinfetavam casas de repouso forçaram


uma porta e descobriram algo espanto-


so. Ali, jogados como ao acaso sobre


leitos, jaziam pessoas idosas, abando-


nadas e mortas. Outros soldados pro-


curaram em vão o pessoal de outra casa


de repouso. Não encontraram nin-


guém. Trata-se de uma falha humana,


não de um ataque de loucura do vírus.


E estas falhas não são raras na Espa-


nha, explicáveis por um despreparo


chocante diante de um acontecimen-


to excepcional. A Espanha não tinha


nenhum equipamento. Ela improvi-


sou desordenadamente dispositivos


com o que tinha à mão. Foram monta-


dos 500 leitos de campanha, com to-


da a velocidade, em um enorme edifí-


cio, no norte de Madri, reservado pa-


ra exposições.


Mais preocupante ainda: na semana


passada, uma pista de patinação de ge-


lo foi transformada em necrotério,


pois os crematórios estavam lotados.


Como sempre, os grandes pintores vi-


ram antecipadamente estas cenas bár-


baras. Como não evocar as telas de


Goya sobre a guerra que Napoleão tra-


vava contra a Espanha? Menos sensível


do que Goya, o diretor do centro de


emergências comentou o triste espetá-


culo com fleuma. “Estamos em uma se-


mana difícil.” Esperemos então a próxi-


ma semana. Será mais fácil então?


Madri, aflita, quis recuperar o atraso.


O período de confinamento decretado


é feroz. Pior do que o da França. Raros


carros são autorizados a circular. Mul-


tas gigantescas recaem sobre as cabe-


ças ocas, mas as pessoas continuam


morrendo. Os funerais são suspensos


por causa das aglomerações. O que re-


sultou disso tudo?


O contraste é total com a Alemanha.


Os próprios alemães estão incrédu-


los. Parece que a doença se esque-


ceu deles. Até ontem, haviam sido


206 mortes no país. Na França, 1.331.


Na Espanha, 3.445, na Itália, 7.503. A


Alemanha parece preparada. Faz tes-


tes em massa, é disciplinada e tem


um grande número de leitos disponí-


veis, equipamentos aperfeiçoados,


caríssimos e eficientes.


Por outro lado, é bem verdade que


o vírus afeta pessoas mais ou menos


resistentes aqui como lá e os exames


chegam às mesmas conclusões: é o


grau de preparo de uma população e


de um país que explica as disparida-


des entre vizinhos. O coronavírus


parece indiferente a essas nuances


sociológicas, históricas, religiosas,


culturais ou fisiológicas na Europa.


Ele atinge todos os lugares da mes-


ma maneira. “Deus reconhecerá os


seus.” E o diabo também.


]


É CORRESPONDENTE EM PARIS

GILLES


LAPOUGE


Governador


trava disputa


com Trump


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NOVA YORK


Andrew Cuomo era uma figura


local. Nos últimos dias, porém,


o governador democrata de No-


va York se tornou o político


americano mais influente na ba-


talha contra o coronavírus nos


EUA, à frente de Donald


Trump. Há dez dias, Cuomo es-


tá em todas as frentes, buscan-


do mais máscaras, testes, leitos


de hospital, enfermeiros e médi-


cos, explorando compras no se-


tor privado ou pedindo ajuda ao


Exército.


Em pesquisa do instituto Insi-


der, desta semana, 75% dos en-


trevistados aprovam seu desem-


penho durante a crise – número


que só é superado pelo médico


Anthony Fauci, especialista em


infectologia que acompanha e


corrige os pronunciamentos de


Trump. “Cuomo passa por um


momento como o que passou


(Rudy) Giuliani após o 11 de Se-


tembro. Ele se tornou o gover-


nador dos EUA”, disse Doug


Muzzio, professor de ciências


políticas da Universidade Baru-


ch, de Nova York.


Aos 62 anos, ele governa o Es-


tado mais infectado do país,


com quase 26 mil casos e mais


de 200 mortes. Entre suas


ações recentes, Cuomo colo-


cou prisioneiros para fabricar ál-


cool em gel, fechou os teatros


da Broadway, bares e restauran-


tes, decretou o fim de todas as


atividades não essenciais e proi-


biu qualquer tipo de aglomera-


ções.


Sua imagem contrasta com a


de Trump, criticado por uma co-


municação imprecisa e falta de


empatia. Com uma política


agressiva, o governador espera


amenizar o impacto devastador


da pandemia. A popularidade


de Cuomo vem crescendo, mas


não com todo mundo. Oposito-


res e ativistas dos direitos huma-


nos criticam o fato de ele mini-


mizar o impacto do vírus na po-


pulação carcerária de Nova


York – que já registra infectados



  • e de limitar gastos com siste-


ma de saúde antes do surto. / AFP


EMAIL: [email protected]

ISOLAMENTO


RESSUSCITA


VELHOS DRIVE-INS


A tragédia é indiferente a


nuances históricas, religiosas,


sociológicas e fisiológicas


Putin adia


plebiscito e


fecha empresas


Cinemas ao ar livre voltam a fazer sucesso e


viram opção de lazer em meio a confinamento


As variedades do vírus


MOSCOU


O presidente russo, Vladimir


Putin, adiou ontem o plebiscito


da reforma constitucional que,


caso aprovada, abre caminho


para que ele fique no poder até



  1. A votação estava marcada


para 22 de abril. Putin determi-


nou ainda o fechamento de em-


presas e comércios não essen-


ciais por uma semana. Segundo


o líder russo, as medidas são ne-


cessárias para frear o avanço do


coronavírus.


Em discurso transmitido pe-


la TV, ele anunciou uma série


de iniciativas de apoio à econo-


mia e às empresas russas. A or-


dem de suspensão das ativida-


des não vale para hospitais, far-


mácias, bancos, supermerca-


dos e transportes.


Na terça-feira, as autoridades


do país reconheceram que não


tinham uma “percepção clara”


do avanço da doença. A Rússia


tem 658 casos, mas o total de


mortos é impreciso – ontem,


duas pessoas teriam morrido


da doença.


O presidente pediu discipli-


na aos russos e aconselhou que


todos fiquem em casa, ainda


sem emitir uma ordem clara de


confinamento. “O que está


acontecendo em inúmeros paí-


ses ocidentais, tanto na Europa


como no exterior, pode ser o


nosso futuro imediato”, disse.


Sobre o plebiscito, Putin afir-


mou que ainda é preciso definir


quando a votação ocorrerá.


“Avaliaremos como andará a si-


tuação e depois decidiremos.”


Putin afirmou que a economia


russa está “sob forte pressão” e


anunciou medidas econômicas.


Haverá a renovação automática


de todos os auxílios sociais por


seis meses, a suspensão do paga-


mento de empréstimos e aumen-


to do seguro-desemprego. Para


empresários, o presidente permi-


tiu o adiamento do pagamento


de impostos por pequenas e mé-


dias empresas por seis meses pa-


ra “ajudar a seguir um trabalho


sustentável e manter os empre-


gos”. / AFP


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


A


gerente administrati-


va Jen Philhower, de


48 anos, que vive em


Austin, no Texas, ainda está


se adaptando ao isolamento


imposto pelo coronavírus.


“Meu filho mais novo vai a


uma escola em um lugar de-


serto, e até ela está fechada”,


disse. “Quando até brincar


na floresta é vetado, as coisas


começam a parecer um pouco


estranhas.”


Por isso, Philhower ficou sur-


presa ao descobriu um local de


entretenimento que ainda fun-


ciona: o Blue Starlite, um drive-


in para 35 carros localizado em


uma colina, parecido com um


ferro-velho. O dono, Josh


Frank, abriu o cinema uma déca-


da atrás, mas nunca faturou ta-


to quanto agora. Quando os fi-


lhos de Philhower, que têm 20,


16 e 12 anos, eram mais jovens, a


família frequentava o drive-in.


As crianças adoravam sentar no


teto do carro e comer sob as es-


trelas.


As exibições de cinema drive-


in podem parecer um revival do


passado, algo dos anos 50 ou 60.


A nova geração, provavelmen-


te, não sabe nem o que é. Mas


ainda existem 305 estabeleci-


mentos nos EUA, de acordo


com a Associação de Proprietá-


rios de Drive-Ins.


Enquanto a maioria abre só


no verão, alguns começaram


mais cedo este ano para propor-


cionar uma fuga isolada em


seus carros durante a pande-


mia, com fechamento de shop-


pings, salas de concerto e res-


taurantes. “Quem poderia ima-


ginar que o drive-in seria nova-


mente a opção mais atraente pa-


ra sair?”, disse Frank.


“Foi sorte”, disse Stephen


Sauerbeck, dono do Sauerbeck


Family Drive-In, em La Grange,


no Kentucky. “Mas também me


pergunto se é uma coisa boa de-


mais para ser verdade.” Desde a


semana passada, ele tem em-


prestado o lugar também para


cultos de igrejas. “É claro que


nada disso é muito rígido. Pare-


ce mudar todos os dias. É da nos-


sa responsabilidade ser o mais


seguro possível.”


Os drive-ins estão tomando


precauções extras para garantir


o distanciamento social. No


Blue Starlite, o cliente só preci-


sa exibir o ingresso no celular.


Em outros, a venda ocorre pelo


celular e os funcionários entre-


gam o bilhete nos carros, para


evitar aglomerações nas bilhete-


rias. / NYT


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ELI DURST/THE NEW YORK TIMES

Telão. Drive-in Blue Starlite exibe ‘O Grande Lebowski’


Nos EUA


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