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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2020 Metrópole A
Propagação em SP, Rio e
DF é maior do que se previa
Roberta Jansen
“As drásticas medidas de con-
trole implementadas na China
reduziram substancialmente a
disseminação da covid-19.” Es-
sa é a principal conclusão de
um estudo internacional divul-
gado ontem na revista Science,
assinado por cientistas de al-
guns dos principais centros de
pesquisa do mundo, como a
Universidade Oxford, no Rei-
no Unido, Universidade Har-
vard, nos EUA, e Instituto Pas-
teur, na França.
Os autores enfatizaram que
as medidas de distanciamento
social funcionam, mas é neces-
sário esperar algum tempo pa-
ra que os seus efeitos positivos
sejam notados. Em pronuncia-
mento oficial na noite de ter-
ça-feira, o presidente Jair Bol-
sonaro disse ser contrário a ini-
ciativas de confinamento total
da população.
Entre outras medidas drásti-
cas adotadas pela China estão
a quarentena de cidades intei-
ras, o fechamento de serviços
não essenciais e a restrição nas
viagens aéreas. O estudo foi fei-
to com dados de plataformas
móveis, obtidos em tempo
real na cidade chinesa de Wu-
han, epicentro da epidemia.
O novo coronavírus foi de-
tectado no fim de dezembro
do ano passado e rapidamente
se espalhou pela China. Os es-
pecialistas perceberam que,
no início da epidemia, a distri-
buição dos casos de covid-
em Wuhan acompanhava a mo-
bilidade da população.
Depois da implementação
das medidas de controle, essa
correlação cai drasticamente,
comprovando que as iniciati-
vas drásticas de restrição de
movimentação das pessoas fo-
ram eficazes. “As interven-
ções implementadas incluem
o aumento da testagem, o rápi-
do isolamento dos casos sus-
peitos, dos casos confirmados
e das pessoas que tiveram con-
tato com eles”, diz o estudo.
“Notadamente, foram adota-
das medidas de restrição na
mobilidade impostas em Wu-
han já no dia 23 de janeiro. Res-
trições de viagem foram impos-
tas em 14 outras cidades da pro-
víncia de Hubei logo depois.”
Viagens. De acordo com o es-
tudo, as restrições de viagens
são particularmente eficien-
tes nos primeiros estágios,
quando a epidemia está ainda
confinada a uma determinada
área que funciona como a fon-
te de disseminação do vírus.
Entretanto, dizem, podem
ser menos eficazes depois que
epidemia já está mais espalha-
da. “A combinação de interven-
ções adotadas na China foi cla-
ramente bem-sucedida em re-
duzir a disseminação e a trans-
missão local da covid-19”, con-
cluíram. Os cientistas calcula-
ram que a adoção dessas medi-
das também atrasou a dissemi-
nação do vírus em pelo menos
três dias.
Futuro. “As províncias chine-
sas e outros países que já con-
seguiram deter a transmissão
interna da covid-19 devem con-
siderar cuidadosamente como
pretendem liberar as viagens e
a mobilidade para que a doen-
ça não retorne à população”,
afirmou Moritz Kraemer, da
Universidade Oxford, princi-
pal autor do estudo publicado
na revista Science.
Cleide Silva
Fabiana Cambricoli
Os principais fabricantes de
respiradores do País não têm
estoque do equipamento pa-
ra entrega imediata e devem
levar ao menos 15 dias para
fornecer uma nova leva de
aparelhos para os hospitais.
Os aparelhos são essenciais
para a manutenção da vida de
pacientes com quadros gra-
ves de infecção pelo coronaví-
rus. Sem a possibilidade de
novas entregas imediatas, o
País pode iniciar o período de
pico da doença sem respira-
dores suficientes.
O diagnóstico sobre a capaci-
dade produtiva e o estoque dis-
ponível desses aparelhos foi fei-
to pelas indústrias de equipa-
mentos médicos após o Ministé-
rio da Saúde consultá-las, na se-
mana passada, sobre a possibili-
dade de produção de 15 mil no-
vos respiradores para atender o
Sistema Único de Saúde (SUS)
durante o surto de coronavírus.
“O ministério solicitou apoio
das associações da indústria pa-
ra identificar qual o grau de dis-
ponibilidade de 15 mil equipa-
mentos. O que tivemos de res-
posta dos associados foi que a
disponibilidade para entrega
imediata é praticamente nula e
só teremos algum grau de dispo-
nibilidade em 15 dias. Para ter
um estoque maior, imagino que
leve de 30 a 45 dias”, disse ao
Estado Fernando Silveira Fi-
lho, presidente executivo da As-
sociação Brasileira da Indústria
de Alta Tecnologia de Produtos
para Saúde (Abimed), entidade
que representa as maiores fabri-
cantes do aparelho no País.
Ele esclareceu que o cenário
se refere à produção nacional e
não considera os equipamen-
tos importados. Ressaltou, no
entanto, que a importação nes-
te momento é difícil por causa
da alta demanda mundial. “Al-
guns países já proibiram a ex-
portação desse equipamento.
Tem a questão do transporte aé-
reo também. Com a redução de
voos, fica mais difícil a logística
de importação”, explica.
Ele afirma que, no ano passa-
do, os fabricantes associados à
Abimed produziram 2,5 mil res-
piradores, mas destaca que as
indústrias estão aumentando a
produção. “As empresas estão
criando novos turnos, pensan-
do em linhas novas de produ-
ção, contratando pessoal.”
De acordo com o Ministério
da Saúde, o Brasil tem 65.411 res-
piradores, dos quais 46.663 es-
tão disponíveis no SUS. Levan-
tamento feito pelo Estado no
portal Datasus mostra que
3.639 desses aparelhos estão fo-
ra de uso por algum problema.
A General Motors está à fren-
te de uma força-tarefa para con-
sertar os equipamentos. Partici-
pam do grupo representantes
do Ministério da Economia, Se-
nai, Associação Brasileira de En-
genharia Clínica (Abeclin) e ou-
tras montadoras e fabricantes
de autopeças.
A empresa já está preparando
áreas específicas nas fábricas
de São Caetano do Sul, São José
dos Campos (SP), Gravataí
(RS), Joinville (SC) e seu cen-
tro de testes em Indaiatuba,
também em São Paulo, para rea-
lizar os consertos. Com ajuda
do Senai, também está treinan-
do, online, pessoal técnico para
a tarefa.
Alternativas. Outras empre-
sas estão se mobilizando para
desenvolver e produzir, com ur-
gência, equipamentos que aju-
dem no diagnóstico, prevenção
e tratamento da covid-19.
No Rio de Janeiro, a PSA Peu-
geot Citroën vai utilizar suas im-
pressoras 3D para produzir
componentes para protetor fa-
cial, feito de acrílico e usado por
médicos e enfermeiros por ci-
ma das máscaras cirúrgicas. A
iniciativa tem parceria com a Fe-
deração das Indústrias do Rio
de Janeiro (Firjan).
Outra iniciativa é a da Braile,
empresa de São José do Rio Pre-
to (SP) que produzirá um apare-
lho do tipo ECMO, uma espécie
de pulmão artificial. O equipa-
mento fica ligado ao paciente
em situação de gravidade, quan-
do o respirador já não atende a
suas necessidades, e oxigena o
sangue para o pulmão.
O grupo deve colocar no mer-
cado em oito semanas oxigena-
dores capazes de operar por até
30 dias. Hoje, equipamentos si-
milares são usados em cirurgias
cardíacas, mas operam no máxi-
mo por seis a oito horas, infor-
ma Rafael Braile Cunha, diretor
executivo e responsável pela
área de pesquisa e desenvolvi-
mento. “Diante da urgência,
mudamos nosso foco e, por
meio de novas tecnologias, con-
seguimos desenvolver uma
membrana que permite o uso
prolongado.”
A empresa já tem 20 oxigena-
dores prontos, mas pretende
chegar a cem unidades em até
dois meses. Patrícia Braile, pre-
sidente da empresa, informa
que o desenvolvimento do pro-
duto foi feito em parceria com a
Empresa Brasileira de Pesquisa
e Inovação Industrial (Embra-
pii), ligada ao Ministério da
Ciência e Tecnologia.
E a Embraer também está de-
senvolvendo, em conjunto com
seus fornecedores, a fabricação
de peças para a indústria de ven-
tiladores e respiradores, a subs-
tituição de componentes impor-
tados para ventiladores e siste-
mas de filtros de alta eficiência
para transformação de leitos re-
gulares em UTI.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Rede pública de SP
vai receber 345
equipamentos
SÃO PAULO
Pesquisadores da Universidade
de São Paulo (USP), Universida-
de Federal do Rio de Janeiro (U-
FRJ) e Universidade de Brasília
(UnB) afirmam que o novo co-
ronavírus está se propagando
com uma velocidade maior do
que a esperada e, por isso, acre-
ditam que o número de infecta-
dos pode ser maior do que as
projeções iniciais.
O Ministério da Saúde divul-
gou ontem que o País já tem 57
mortes causadas pelo novo co-
ronavírus e 2.433 casos confir-
mados. Até a terça, a pasta regis-
trava 46 mortos e 2.201 casos
confirmados, o que mostra um
aumento de 24% de mortes e de
10% de casos oficiais de um dia
para o outro.
São Paulo, Rio de Janeiro e
Brasília, segundo os pesquisa-
dores, são as cidades que funcio-
nam como eixo de dissemina-
ção para outras regiões. Eles
também afirmam que os níveis
de infecção serão agravados
conforme a transmissão susten-
tada continue e atinja regiões
mais vulneráveis do País.
Para quebrar esse ciclo de
contaminação, eles mencio-
nam duas alternativas: a mitiga-
ção e a supressão. A mitigação
consiste no isolamento de ca-
sos suspeitos. Mas isso não ne-
cessariamente impede a propa-
gação, somente reduz o nível de
demanda de assistência médi-
ca. Assim, só utilizarão o siste-
ma de saúde aqueles que real-
mente precisam. Já a supressão
consiste no isolamento social
para reduzir o número de casos.
É a política que a maioria dos
países tem adotado.
O decreto de quarentena do
governador de São Paulo, João
Doria (PSDB), passou a valer na
terça e, dessa forma, comércio e
serviços não essenciais devem
permanecer fechados. Apenas
bares, restaurantes e cafés pode-
rão funcionar apenas com servi-
ços de delivery. Segundo o go-
vernador, o Estado ainda toma-
ria “medidas policiais” para im-
pedir aglomerações, como bai-
les funk e outros eventos de rua.
A realização de missas, cultos e
outras manifestações religio-
sas não é recomendada, mas
não está vetada. O tucano se
opõe ao presidente Jair Bolsona-
ro, que defendeu isolamento so-
mente para idosos e pessoas de
grupos de risco. / E.M.
lExperiência
Estudo vê eficiência
em confinamento e
no aumento de testes
lEstrutura
Eficácia de máscaras de pano divide analistas. Pág. A14 }
lA rede pública de saúde do
Estado de São Paulo vai receber
345 respiradores pulmonares
para o combate ao coronavírus
até o fim de abril. Cada equipa-
mento custa cerca de R$ 70 mil,
segundo a Comunitas, organiza-
ção da sociedade civil com foco
em gestão pública.
Os respiradores foram adquiri-
dos após a Comunitas arrecadar
R$ 23,4 milhões com 150 líderes
empresariais. Entre os doadores
estão os Moreira Salles, família
de sócios do Itaú Unibanco e da
Companhia Brasileira de Metalur-
gia e Mineração (CBMM). Como
pessoa física, os irmãos Pedro,
Walter, Fernando e João doa-
ram, cada um, R$ 500 mil. Rodol-
fo Marinho, neto do fundador do
Itaú, e o empresário Alberto Aze-
vedo também doaram R$ 490 mil
e R$ 350 mil, respectivamente.
Os primeiros 60 respiradores
foram comprados pelo A.C. Ca-
margo Cancer Center após a Se-
cretaria de Saúde pedir os equi-
pamentos emprestados. / ÉRIKA
MOTODA
Pesquisadores de USP,
UFRJ e UnB acreditam
que número de infectados
pode ser maior do que as
projeções iniciais
REUTERS
Artigo de cientistas
de Oxford, Harvard e
Pasteur aponta que
medidas de chineses
detiveram a covid-
“A combinação de
intervenções adotadas na
China foi bem-sucedida em
reduzir a disseminação da
covid-19”
TRECHO DE ARTIGO DA REVISTA
‘SCIENCE’ SOBRE O CORONAVÍRUS
Limpeza. Funcionários desinfetam estação de Wuhan
AXEL HEIMKEN/REUTERS
Produção de novos
respiradores levará
pelo menos 15 dias
É o número de respiradores
que o Brasil tem, de acordo com
o Ministério da Saúde. Desses,
46,6 mil estão disponíveis no
SUS, mas uma parcela está fora
de uso por algum problema. O
equipamento é essencial em qua-
dros graves da covid-19.
Previsão é de entidade que reúne fabricantes do aparelho, crucial
para pacientes graves; montadoras vão ajudar em consertos
Monitoramento na Alemanha. Os respiradores são fundamentais nos casos mais graves do novo coronavírus, o que envolve cerca de 5% dos infectados
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