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B10 Economia QUINTA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Negócios
Marina Dayrell
Efeitos econômicos da pande-
mia do novo coronavírus têm
preocupado pequenos negó-
cios, num cenário no qual as pes-
soas precisam ficar em casa.
Com a falta de clientela, uma
solução encontrada na área de
alimentação e beleza tem sido
incentivar clientes fiéis a conti-
nuarem pagando por serviços
para desfrutá-los quando o pe-
ríodo de isolamento acabar. Pa-
ra isso, estabelecimentos têm
apostado em vouchers pré-pa-
gos e contribuições com recom-
pensas em vaquinha online.
A Foodpass, plataforma digi-
tal que oferece experiências em
alimentação, criou o projeto
Quarentene-se. Por meio dele,
são vendidos vouchers e car-
tões-presente de inicialmente
seis restaurantes em São Paulo,
como o Mocotó. A expectativa é
reunir 150 negócios até o fim do
mês. “O voucher é a síntese do
nosso propósito: engajar pes-
soas pela potência de conexão
do alimento”, explica a sócia e
fundadora, Priscila Sabará. A
projeção é gerar fluxo de caixa
de R$ 1,2 milhão em três meses.
Os vouchers e cartões-pre-
sente poderão ser usados nos es-
tabelecimentos durante todo o
ano, após o fim da quarentena.
Como forma de engajar o públi-
co, quem fizer a compra recebe-
rá um valor de crédito superior
ao pago quando for usufruir da
recompensa, de 10% a 20%.
Outra iniciativa é o Menu do
Amanhã, idealizado por Ga-
briel Gasparini e João Mendes,
ambos com experiência no mer-
cado de gastronomia. O proje-
to, que será aberto ainda nesta
semana, vai vender vouchers de
cerca de 100 estabelecimentos
(como Ema e Evvai, em São Pau-
lo). Segundo os idealizadores,
não há cobrança de taxa. “Lo-
cais têm fechado, pessoas têm
sido demitidas. A crise na área é
grave, provavelmente sem pre-
cedentes na proporção que está
se desenhando”, diz Gasparini.
Outros restaurantes têm bus-
cado alternativa, ainda que de
forma individual, vendendo
vouchers de refeição, caso de Je-
suíno Brilhante e Oguru, casa
de comida japonesa que diz ter
vendido mais de 5 mil vouchers
de rodízio em quatro dias. O va-
lor é suficiente para cobrir um
mês de operação, diz a casa.
A saída encontrada por ou-
tros empreendedores foi bus-
car apoio em sites de financia-
mento coletivo. Como forma
de incentivar clientes, eles não
pedem doações, mas usam as
plataformas em um modelo pa-
recido com o dos vouchers: os
interessados doam um valor e
futuramente poderão consu-
mir a quantia doada no local.
Outros brindes são ofertados.
O bar Cama de Gato foi um
dos primeiros a lançar campa-
nha na plataforma de crowdfun-
ding Abacashi. Até o fechamen-
to desta reportagem, já havia si-
do arrecadado mais de R$ 18
mil. Segundo Natháia Cirne, di-
retora de operações da Aba-
cashi, 250 novas vaquinhas mo-
tivadas pela quarentena surgi-
ram no site na última semana.
Na área da beleza, a ideia dos
vouchers também foi a solução
encontrada pela Singu, platafor-
ma que oferece serviços de esté-
tica em casa e emprega cerca de
5 mil colaboradoras.
Desde segunda-feira, os clien-
tes podem comprar pacotes
com desconto de até 20%. Com
o dinheiro, a Singu antecipa o
pagamento das colaboradoras,
que após a quarentena presta-
rão os serviços. “80% das nos-
sas prestadoras dependem
100% da renda da Singu”, diz
Tallis Gomes, CEO da empresa.
No primeiro dia da campanha,
foram vendidos 40 pacotes – a
expectativa é chegar a 300.
ENTREVISTA
Mônica Scaramuzzo
Uma das maiores redes de va-
rejo farmacêutico do País, a
Raia Drogasil (RD) montou
um “plano de guerra” para
atender aos consumidores e
dar conta da demanda por con-
ta do coronavírus. Marcilio Po-
sada, presidente da RD, disse
ao Estado que máscaras e ál-
cool gel sumiram das pratelei-
ras e não há previsão de abaste-
cimento. A rede também deci-
diu não repassar em abril o rea-
juste dos preços dos medica-
mentos. A seguir, os principais
trechos da entrevista.
lComo a rede se preparou para
enfrentar o coronavírus?
Estava de férias em janeiro e
passei pela Itália no final da mi-
nha viagem. Lá, vi muitos chi-
neses de máscara tossindo. Ao
chegar aqui no Brasil no fim de
janeiro, a gente começou a tra-
balhar com um cenário de que
iria ser muito difícil. Não tinha
ideia do impacto, mas sabia
que tínhamos de nos preparar.
lO que o grupo fez?
Preparamos um plano de guer-
ra: aumentamos nossos esto-
ques de medicamentos isentos
de prescrição (OTC, na sigla
em inglês) entre o fim de janei-
ro e fevereiro. Geralmente, is-
so é feito em março. Também
elevamos estoques de itens
básicos, como máscaras e ál-
cool gel. Trabalhamos com a
(consultoria) McKinsey aqui e
falamos com o time deles na
Itália, assim como com o dire-
tor-geral da Bayer de lá para
tentarmos entender cenários
nos outros países e como as
farmácias daqui poderiam me-
lhorar o atendimento.
lMas máscaras e álcool gel su-
miram das farmácias...
Não temos para vender há um
bom tempo. A gente preparou
um estoque de segurança para
ter as nossas lojas funcionan-
do. Nossos funcionários estão
usando, mas estamos corren-
do atrás para abastecer nossos
clientes. A máscara é um item
bem polêmico. Ninguém che-
gou à conclusão sobre o uso.
Entendemos que nosso pes-
soal de linha de frente tem de
usar. No caso do álcool gel, o
uso começou a explodir em fe-
vereiro. O fornecimento ao
cliente deve se normalizar nos
próximos 30 a 60 dias. O de
máscara é mais difícil.
lQuais são os medicamentos
mais procurados?
A grande busca para passar
por essa pandemia foram por
medicamentos clássicos de
uma gripe forte, problemas as-
máticos e vitaminas C.
lAs indústrias estão preparadas
para fornecer esses produtos?
A indústria está respondendo
muito bem. Se acaba um dia,
temos entrega no outro. A difi-
culdade é álcool gel e máscara.
lComo ficaram as vendas do
medicamentos de hidroxicloro-
quina (para lúpus)?
Quando começou o boato de
que esses medicamentos pode-
riam ajudar (no tratamento do
coronavirus) e, realmente po-
dem, muitas pessoas começa-
ram a correr atrás. Ligamos pa-
ra a secretaria de Saúde do Es-
tado de São Paulo e doamos
nosso estoque para eles. Nas
redes, vendas só com receita
controlada.
lA demanda por todos tipos de
medicamentos cresceu muito?
Não abrimos esses dados. Hou-
ve uma corrida por certos me-
dicamentos e uma explosão de
demanda no online. Estamos
trabalhando para melhorar es-
se canal.
lO governo quer que as farmá-
cias se tornem postos oficiais de
vacinação. A RD está preparada?
A RD já começa na semana que
vem. O governo falou que será
a partir do dia 13 de abril, mas
estamos tentando antecipar.
Outras redes também vão fa-
zer o mesmo.
lE as vacinas privadas?
A RD fazia a aplicação da vaci-
na privada, mas os estoques
acabaram. Agora, a prioridade
é a pública. Teremos 150 lojas
preparadas em São Paulo.
lE as contratações na rede Raia
Drogasil aumentaram?
Contratamos 2 mil pessoas
desde a crise para atender os
clientes na crise. Temos um
plano agressivo de expansão
de abertura de 20 lojas por
mês. Neste mês, teremos redu-
ção. Para o ano, a previsão são
240 lojas novas, a mesma aber-
tura da do ano passado.
lO que o sr. prevê daqui para
frente?
Nós nos preparamos para cri-
se desde janeiro e estamos tra-
balhando como loucos. No fim
deste mês, tem o reajuste de
preços de medicamentos. Deci-
dimos que não vamos reajus-
tar os preços no mês de abril.
lComo o sr. vê a questão sobre
confinamento?
A gente não se posiciona. Acho
que é uma crise séria e está
atingindo boa parte popula-
ção, sobretudo idosa. E isso es-
tá estrangulando o sistema de
saúde. Estamos fazendo de tu-
do para ajudar o governo.
Acho que o governo do Estado
de São Paulo se posicionou
bem. Temos de ajudar.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Voucher ajuda negócios a terem caixa para sobreviver
Uma das maiores redes
de farmácias não terá
reajustes de preços em
abril e fará aplicação
de vacinas de gripe
Além de itens pré-pagos,
empreendedores de
alimentação e beleza
também apelam
para vaquinha online
TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO -18/10/2019
Ação. Marcilio Posada diz que Raia Drogasil montou um plano de guerra para coronavirus
‘Não há previsão
de abastecer álcool
gel e máscaras’
Marcilio Posada, presidente da Raia Drogasil (RD)
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