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H2 Especial QUINTA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
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SONIA RACY
DIRETO DA FONTE
‘ESTOU PREOCUPADO
COM QUEM VIVE
DE GORJETA E DO
SALÁRIO MÍNIMO’
CORONAVÍRUS
Responsável por uma gama
de empreendimentos em SP
- Blue Note, Bar dos Arcos,
Cine Joia, Lions, Z Carnice-
ria, Ilha e Riviera – Facun-
do Guerra vai na contra-
mão das opiniões de empre-
sários que vêm sendo publi-
cadas sobre como lidar com
a crise econômica provoca-
da pelo coronavírus. Para
ele – que tampouco sabe
avaliar como ficará a situa-
ção de seus negócios após o
lockdown – grande parte do
empresariado brasileiro é
egoísta. E no momento, “é
necessário fortalecer a socie-
dade com medidas de incen-
tivo”. Exemplo? Com paga-
mento de uma renda míni-
ma para todos.”
Leia abaixo a entrevista
com Facundo, realizada por
telefone, à coluna.
l Como está a sua situação no
que diz respeito à demissão de
funcionários? Está conseguindo
segurar?
Quem era contratado como
pessoa jurídica eu consegui
renegociar o salário para 50%.
Hoje, eu virei uma cooperativa
porque os meus funcionários
estão decidindo junto comigo
o que a gente vai fazer, enten-
deu? Todo mundo sabe quanto
eu tenho em caixa, todo mun-
do sabe qual o salário um do
outro, eles me pediram, por
exemplo, que eu não reduzisse
o salário em março, porque o
pagamento de todo mundo já
estava comprometido.
lMas já chegou a demitir pes-
soas neste período?
Eu quis que eles soubessem
que se a gente chegar em abril
e ainda estivermos em lock-
down, eu vou ter que demitir.
As pessoas que estavam em
regime de experiência foram
desligadas, as PJs renegociadas
e os funcionários estão em re-
gime de férias.
lEm relação ao fluxo de caixa,
como está a situação?
A situação é desesperadora.
Minha única preocupação ago-
ra é manter os negócios aber-
tos pós-crise. Não fechar, não
decretar falência. Estou me
perguntando exatamente isso,
se eu posso renegociar o di-
nheiro que eu vou ter que gas-
tar agora, se posso pagar mais
adiante... Entrei em regime de
hibernação pensando na mi-
nha sobrevivência. É óbvio que
eu também não posso machu-
car os mais fracos, entendeu?
lSim, existe a questão social
também.
Eu estou muito preocupado
com gente que trabalha, por
exemplo, na limpeza, gente
que ganha salário mínimo e
vive de gorjeta, essas pessoas
vão voltar pro lugar delas e
vão comer o quê? Acho que a
gente está vivendo no meio de
duas grandes crises, primeiro
uma crise pandêmica, mas
existe também uma enorme
crise social.
lO que é que você achou das
medidas econômicas e trabalhis-
tas propostas pelo governo?
Esse governo pra mim é um
desgoverno, o Bolsonaro, um
palhaço, com o perdão dos pa-
lhaços. Francamente, eu não
sei nem o que comentar. Ele
lança MP, desmente a MP.
Também nunca fui à favor de
deixar funcionário quatro me-
ses sem receber salário.
lAlguns empresários estão se
posicionando publicamente para
dizer que o lockdown é excessi-
vo. Você concorda?
Os empresários que são bolso-
naristas, né? O que é que eu
posso falar disso? Eles estão
contradizendo os maiores cien-
tistas do mundo. Eu entende-
ria que existe uma preocupa-
ção social de verdade nesses
comentários se eles revertes-
sem seus lucros para os seus
funcionários, porque eu tam-
bém me preocupo com os
efeitos secundários.
lMuitos alegam que o fecha-
mento de todo comércio seria
um desastre econômico e afe-
taria toda a população.
Obviamente existe uma con-
sequência secundária e eco-
nômica, mas eles estão dis-
postos a dividir seus lucros
para amenizar? A preocupa-
ção é social mesmo ou a
preocupação é com o lucro?
Na minha opinião, o grande
empresariado está preocupa-
do com a interrupção de
lucros. Teve um que falou
que tinha caixa pra aguen-
tar até seis meses sem se
preocupar. O que ele está
fazendo de fato com isso?
Outro fala ‘olha, eu tô bem,
eu vou pra Miami, vou pra
outro lugar’. Isso é o que é
o mais despudorado.
lPela sua experiência, o que
seria efetivo para evitar esse
colapso econômico e ajudar
de fato pequenos empresá-
rios, comerciantes?
Primeiro, aqui no Brasil é
muito mais difícil empreen-
der do que em qualquer ou-
tro lugar no mundo. Eu não
posso falar do pequeno em-
presariado porque eu não
sei até que ponto esse di-
nheiro vai chegar na ponta,
entendeu? É importante a
manutenção dos lucros? É
super importante. Mas tam-
bém é importante a manu-
tenção de um mercado con-
sumidor. Não adianta você
salvar o pequeno negócio e
esse dinheiro chegar na
ponta por meio de um salá-
rio mínimo.
lO problema é geral...
Agora não é hora de olhar
para só um setor, como o
dos empresários, é hora de
olhar pra sociedade como
um todo. Eu acho que o em-
presariado em algum mo-
mento, e eu não estou tiran-
do o meu da reta, vai pen-
sar só em si. Todo mundo
vai pegar a linha de BN-
DES. Isso vai chegar no fim
das contas na ponta? Acho
que não...
l Diria que esse pensamento
é dominante entre os empresá-
rios brasileiros?
O empresariado brasileiro é
extremamente egoísta, pou-
quíssimo preocupado com
a área social. Eu não estou
dizendo que sou comunis-
ta, que sou socialista, que
eu sou petista, nem que eu
sou de esquerda, mas acho
que é necessário fortalecer
a sociedade e a ponta por
medidas de incentivo como
o pagamento de uma renda
mínima para todos. A gente
tem vários exemplos desses
acontecendo mundo afora.
O capitalismo não vai desa-
parecer. O que vamos de-
morar muito tempo para
retomar é o mercado consu-
midor, porque as pessoas
vão ficar com muito medo
de gastar. Essa é a hora de
garantir uma quantidade
mínima de dinheiro pra to-
dos e suspender cobranças,
pagamento de dívidas.
lVocê escreveu um livro inti-
tulado Empreendedorismo
para Subversivos – que trata,
entre outras coisas, de manei-
ras de empreender. Acha que
depois dessa crise vai ser ne-
cessário mais criatividade pa-
ra lidar com negócios?
Sim, acho que completamen-
te. E, olha, por uma grande
coincidência eu falo de certa
forma sobre tudo isso no
livro, que a gente ia chegar
num colapso se a continuás-
semos nos comportando e
pensando desse jeito. Va-
mos ter que repensar em
quem a gente está colocan-
do dinheiro, vamos ter que
repensar o que é métrica de
sucesso, o quanto de traba-
lho aguentamos... Estava to-
do mundo sucumbindo por
excesso de comunicação e
trabalho. Então, acho que
nada vai ser igual. Estamos
vivendo uma dor que é pla-
netária. Não é só uma dor
individual, ela atinge o indi-
víduo, mas é uma dor coleti-
va. Se formos um pouco oti-
mistas, haverá alguma lição
para tirarmos disso tudo. /
MARCELA PAES
Colaboração
Cecília Ramos [email protected]
Marcela Paes [email protected]
Sofia Patsch [email protected]
POLAROID
Sensibilizado pelo coronavírus,
o artista plástico carioca André
Niemeyer começou a pintar
uma série de quadros batizada
de Noite dos Mascarados – em
homenagem à música de Chico
Buarque. “Há poucas semanas
estávamos usando máscaras
de carnaval. Hoje, usamos
máscaras para nos proteger.
Essa dicotomia me inspirou a
criar essas telas”.
Blog: estadão.com.br/diretodafonte Facebook: facebook.com/SoniaRacyEstadao Instagram: @colunadiretodafonte
Lado bom
As adoções de cães aumenta-
ram na quarentena, segundo
Marcela Rohde, do Recanto Bi-
cho Feliz. Cinco animais foram
adotados essa semana no shop
Vito e Carmela, na Vila Madale-
na. “Isso ajuda, mas estamos
em dificuldades porque não es-
tamos conseguindo fazer even-
tos de arrecadação. Estamos
sem ração para dar aos ani-
mais” , diz a resgatadora.
Proteção
A JBS, junto à Central Única das
Favelas (Cufa), fará distribui-
ção de sabonetes neste sábado
em comunidades carentes de
São Paulo. O movimento é parte
de campanha para doação de 2
milhões de unidades do produ-
to em diferentes áreas do Brasil.
Paredão
Tem gente desconfortável
dentro da equipe econômi-
ca. Acham que as decisões do
Ministério da Economia, con-
tra o coronavírus, estão fican-
do presas na burocracia. O
que tem causado tensão.
Pois é, administração públi-
ca é bem diferente da atua-
ção na iniciativa privada.
Na outra ponta
A Petrobras fez as contas: a
estatal reduziu, só este ano, o
preço da gasolina em 40,5%.
Hoje o litro da gasolina na re-
finaria é de R$ 1,14 , o menor
desde 31 de outubro de 2011.
Espera-se que os donos de
postos repassem para os con-
sumidores.
De janeiro até ontem, a redu-
ção foi, em média, de 1,5%.
No prato
Gustavo Junqueira mon-
tou um comitê de gestão pa-
ra mitigar os estragos da co-
vid-19. O secretário de Doria
estuda medidas de socorro a
produtores que vendem dire-
tamente a restaurantes -
abertos agora só para deli-
very. “Cerca de 3 mil funcio-
nários estão em home office,
registra Junqueira.
Por sua vez, Tirso de Salles
Meirelles, do Sebrae-SP, des-
carta risco de desabasteci-
mento no estado. Pelos seus
cálculos, são 12 mil produto-
res rurais e mil feiras livres
operando, monitorados.
“Não há razão para corrida a
supermercados”.
Iniciativa...
Paulo Somucci, da Abrasel –
Associação Brasileira de Ba-
res e Restaurantes – está há
dias negociando com o gover-
no medidas para socorrer o
setor durante o lockdown.
Mas enquanto o socorro não
chega, chefs, restaurateurs e
até jornalistas estão se me-
xendo por conta própria.
A crítica de gastronomia Ale-
xandra Forbes, em parceria
com a start-up brasileira
Start Pay, está lançando hoje
loja virtual de vale-presente
para bares e restaurantes.
Eles custam R$150 reais e só
poderão ser redimidos a par-
tir de outubro – quando, espe-
ra-se, que a maioria deles já
terá reaberto.
...privada
Empresas como S.Pellegrino
(da multinacional Nestlé) e
Beam Suntory (gigante de
destilados) já compromete-
ram-se a comprar mais de R$
60 mil reais em vales.
O nome da iniciativa? GGG,
de Gentileza Gera Gentileza.
O site http://www.gggbrasil.org já
reúne mais de 60 bares e res-
taurantes paulistas. E a ideia
é levar a iniciativa online pa-
ra todo o Brasil.
IARA MORSELLI/ESTADÃO
SILVANA GARZARO/ESTADÃO
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