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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2020 Política A
Vera Rosa / BRASÍLIA
O presidente Jair Bolsonaro
se isolou ainda mais na crise
do coronavírus. Desde que a
calamidade pública começou
a assombrar o dia a dia da po-
pulação, Bolsonaro deu mais
poder ao “gabinete do ódio”,
núcleo ideológico que o in-
centiva a adotar um estilo
mais beligerante, atacou go-
vernadores e a imprensa e de-
sautorizou o ministro da Saú-
de, Luiz Henrique Mandetta.
Diante da pandemia, o presi-
dente nem cogitou a possibilida-
de de convocar o Conselho da
República. Em conversas reser-
vadas, ele chegou a dizer que
não vai ficar “refém” de conse-
lhos existentes no governo.
Uma foto que circula nas re-
des sociais sob o título “Modelo
de Comunicação Institucional”
mostra Bolsonaro de bermuda
nos jardins do Palácio da Alvora-
da, em posição de “pronuncia-
mento”, na frente dos três fi-
lhos parlamentares.
Sem camisa, o vereador Car-
los Bolsonaro (PSC), uma es-
pécie de gerente do “gabinete
do ódio”, e o deputado Eduardo
Bolsonaro (PSL-SP), também
de bermuda, gravam o pai pelo
celular. Com as mãos no bolso,
o senador Flávio Bolsonaro
(sem partido-RJ), filho “zero
um”, acompanha a cena, mas
não participa da filmagem.
Bunker. Na prática, o núcleo
que ficou conhecido como “ga-
binete do ódio” virou o Conse-
lho da República de Bolsonaro.
O bunker ideológico, que já dei-
xou digitais na queda de popula-
ridade do presidente, é compos-
to por seguidores do escritor
Olavo de Carvalho, guru do bol-
sonarismo, e vive em confronto
com generais do governo.
Defensores da pauta de costu-
mes e de uma estratégia de guer-
ra, integrantes desse grupo tra-
balham no terceiro andar do Pla-
nalto, a poucos metros de Bolso-
naro. Produzem “artilharia pe-
sada” para mídias digitais, além
de conteúdos para pronuncia-
mentos do presidente, como o
da noite de anteontem, quando
ele criticou o fechamento de es-
colas para combater a pande-
mia e o confinamento em mas-
sa. Seus alvos preferenciais são
o Congresso, o Supremo Tribu-
nal Federal (STF), governado-
res e a imprensa.
Enquanto isso, o Conselho da
República, previsto na Constitui-
ção, continua esquecido. O cole-
giado de consulta do presidente
já foi acionado por outros chefes
do Executivo em situações de cri-
se. O então presidente Michel
Temer convocou o Conselho da
República, em 2018, para discu-
tir a intervenção federal na segu-
rança pública do Rio.
As atribuições desse núcleo
de assessoramento do chefe do
Executivo incluem manifesta-
ções sobre casos de intervenção
federal, estado de defesa e de sí-
tio e temas considerados rele-
vantes para a estabilidade das
instituições democráticas.
Compõem o colegiado o vice-
presidente da República, os pre-
sidentes da Câmara e do Sena-
do, os líderes da Maioria e da Mi-
noria das duas Casas e o minis-
tro da Justiça. Além disso, pela
lei, seis brasileiros natos, com
mais de 35 anos, devem fazer par-
te do Conselho da República.
Bolsonaro, no entanto, nun-
ca gostou desses grupos de
aconselhamento do governo.
“Como regra, a gente não pode
ter conselho que não decide na-
da. Dada a quantidade de pes-
soas envolvidas, a decisão é qua-
se impossível de ser tomada”,
disse ele, em julho do ano passa-
do, ao anunciar que pretendia
enxugar vários conselhos de po-
líticas públicas, como o de com-
bate a drogas.
Ex-presidentes. Em um passa-
do não muito distante, Fernan-
do Henrique Cardoso e Luiz Iná-
cio Lula da Silva, então presi-
dentes, recebiam no Alvorada
ministros do Supremo para tro-
car ideias, quando enfrentavam
turbulências e crises agudas.
Fernando Henrique gostava de
tomar diariamente a temperatu-
ra política em reuniões com o
comando do Congresso.
Na noite de anteontem, em
mensagem no Twitter, FHC
afirmou que Bolsonaro passou
dos limites ao fazer um pronun-
ciamento na contramão das re-
comendações de infectologis-
tas e até do ministro da Saúde.
“O momento é grave, não cabe
politizar (...). Se não calar esta-
rá preparando o fim. E é melhor
o dele que de todo o povo. Me-
lhor é que se emende e cale”,
escreveu o ex-presidente. Foi
uma referência indireta à per-
gunta “Por que não te calas?”,
feita em 2007 pelo rei Juan Car-
los, da Espanha, ao então presi-
dente da Venezuela, Hugo Chá-
vez, morto seis anos depois.
Até aliados de primeira hora
do Planalto, como o governa-
dor de Goiás, Ronaldo Caiado,
do DEM, mesmo partido do mi-
nistro Mandetta, avaliam ago-
ra que Bolsonaro está perdido.
Depois do pronunciamento e
de suas últimas declarações, su-
gerindo que apenas idosos fi-
quem fora do convívio social
porque, se o desemprego se
agravar, o País pode “sair da
normalidade democrática”, as
cúpulas do Congresso e do Po-
der Judiciário não esconderam
a perplexidade.
Há, nos bastidores, muitas
conversas entre os Poderes, na
tentativa de encontrar solu-
ções. “As agruras da crise, por
mais árduas que sejam, não sus-
tentam o luxo da insensatez”,
afirmou no Twitter o ministro
do Supremo Gilmar Mendes.
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lColegiados
Recomendações de Bolsonaro devem ser seguidas?. Pág. A8 }
ISAC NÓBREGA/PR
‘Gabinete do ódio’
vira o Conselho
da República
“Como regra, a gente não
pode ter conselho que não
decide nada. Dada a
quantidade de pessoas
envolvidas, a decisão é
quase impossível de ser
tomada.”
Jair Bolsonaro
PRESIDENTE DA REPÚBLICA, EM
JULHO DO ANO PASSADO, AO ANUNCIAR
QUE PRETENDIA ENXUGAR CONSELHOS
DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Na crise da Saúde, Bolsonaro troca o colegiado de aconselhamento
do governo pelo núcleo ideológico comandado pelo filho Carlos
Espaço. Vereador Carlos Bolsonaro (à esq.) participa de reunião do pai com governadores
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