JornalValor--- Página 10 da edição"26/03/2020 1a CAD A" ---- Impressapor ccassiano às 25/03/2020@21:31:
A10|Valor|Quinta-feira, 26demarçode 2020
IMPACTOSDO
CORONAVÍRUS
Brasil
Políticas públicasApóspronunciamentodeBolsonaro,
grupodizquebomsensoerazãosão‘armasmaiseficazes’
Sociedade deve rejeitar
isolamento flexível,
defende setor de saúde
Sidney Klajner,doHospitalAlbertEinstein:setor lançamanifestocomcríticasa mudançasnoisolamento
ANAPAULAPIAVA/VALOR
BethKoike
DeSãoPaulo
Maisde150representantesliga-
dos à área da saúde, como hospi-
tais, universidades, operadoras de
convêniomédico, laboratórios, se-
cretariadeSaúdeeBancoMundial,
criaramummanifestocriticandoa
posição daquelesque defendem o
fim do isolamento social, que tem
por objetivocontrolar apandemia
do novo coronavírus, por causa
dos impactos que a paralisação vai
provocarnaeconomiadopaís.
Na terça-feira à noite, o presi-
dente Jair Bolsonaro fez um pro-
nunciamento em cadeia nacional
defendendo um isolamentoape-
nas parapessoascommais de 60
anos,pessoas com doençascrôni-
cas e comsintomas da covid-19.
Algunsempresários tambémtêm
defendidooretorno às atividades.
Atualmente, não há um prazo de-
terminado de quando as pessoas
devemvoltaraotrabalho.
“Manifestações de autoridades
públicas, ou de qualquerpersonali-
dade, que contrariem essas reco-
mendações não têm qualquerem-
basamento científico que a sustente
edevemser rejeitadas pela socieda-
de brasileira. A ciência, a tecnologia,
os profissionais bem preparados, a
razãoe obom senso,continuam
sendoas armas maiseficazespara
enfrentarmosas incertezas”, diz o
manifesto, preparado logoapós o
pronunciamentodeBolsonaro.
O documento tambémé uma
manifestação em favor da perma-
nência do ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, que defende
oisolamentosocial.
O manifestoem apoioao isola-
mentosocial tem assinatura de re-
presentantes do setor comoPaulo
Chapchap, presidente do Hospital
Sírio-Libanês;ocirurgiãoBen-Hur
Ferraz Neto, Carlos Gadelha,da
Fiocruz; Daniel Coundry, presi-
dente da Amil; José LuizEgydio Se-
túbal, do Hospital Infantil Sabará,
Francisco Balestrin, da Anahp
(reúne os cem maiores hospitais
do país), José Seripieri Junior, da
QSaúde,eLígiaBahia,daUFRJ.
Ocomunicado argumenta ain-
da que “todo o mundocientífico
está debatendo sobre a melhor
formadereduziroimpactoeconô-
micoe ocaos social que oconfina-
mento total, por prazo indetermi-
nado,tem gerado” eque ainter-
rupção abrupta do confinamento
atual“colocaemriscoavidademi-
lharesdebrasileiros”.
Para os médicos Sidney Klaj-
ner, presidente do Hospital Al-
bertEinstein,MiriamDalBem,do
HospitalSírio-Libanês,e ainfec-
tologista Raquel Muarrek, ainda
nãoépossívelmensurarcomexa-
tidãoquando apopulaçãopode-
ráretornarasatividadesporquea
base de dados de testes parade-
tecçãodonovocoronavírusainda
é pequena e com isso não é possí-
velfazerprojeçõesapuradas.
OEinsteinjá tem uma base de
cercade700examescomresulta-
do positivosparacovid-19que
servirãode baseparaestudos.
“Nos próximos dias, teremos
uma percepçãomelhorde quan-
do éum prazoseguropara retor-
naraotrabalho”, disseKlajner.
SegundoMiriam, em São Paulo,
considerandooatual cenário,é
provável que seja necessáriocerca
de doismeses de isolamentopara
que oretorno seja seguroeainda
assimde formaescalonada. No en-
tanto, ainfectologista do Sírio
pontua que essaprojeçãopode
mudarporquedepende de muitos
fatores externos comoaadesãoda
populaçãoàquarentena.
Klajner considera doismeses
um prazomuito elevado,oque le-
varia o país a uma profunda crise
econômica. A infectologista Ra-
quel defendeaaplicação de testes
paradetectar quais populações
podemretornarasatividades.
Flexibilização é ameaça ao sistema, dizem especialistas
Hugo Passarelli e LeilaSouzaLima
DeSãoPaulo
A flexibilização das medidasde
isolamentojáadotadasnopaíspa-
ra conter o avançodo novocoro-
navírusévista comoprematura e
podelevarosistema de saúdeao
colapso,opinamespecialistas.
Ao contrário,muitos defen-
dem a necessidadede ampliaras
restrições,eum recuosó deveria
ocorrerquandohouverevidên-
cias segurasde que o ritmode
transmissãodiminuiu,o que de-
pendede umaamplatestagem
da populaçãocomsuspeitade
tercontraídoadoença.
Professor da FGV e pesquisador
do departamentode saúde global
da Harvard, Adriano Massudadis-
se que uma quarentenamais radi-
cal no Brasil é umamedida“para
já”, principalmente nas regiões
maispopulosase naquelas com
maiorvulnerabilidade social, em
queaofertadeleitoseunidadesde
terapiaintensivaéescassa.
“O adiantamento dessa decisão
podeprecipitar ocolapso do siste-
ma de saúde num futuro nãomui-
to distante. Todas as lideranças
mundiais que usama ciência para
orientaroenfrentamentoàpande-
miadocoronavírusesuaspolíticas
estãoagindodessaforma.”
Segundoos especialistas, a deci-
são está atreladaa informações
precisas sobre os gruposou locali-
dades com maiorcrescimentode
casos.“É preciso mapear em larga
escala apopulação contaminada
oucom suspeitadecontaminação.
Se conseguirmos fazerum ‘roteiro
doscasos’,serámaisfáciladotares-
tratégias pontuaispara não desa-
celeraraatividadede outraspes-
soas nãoenvolvidas nesse proces-
so”,disse AndréMedici, economis-
tasêniordoBancoMundialeespe-
cializado em saúde pública, em se-
minário on-line do Instituto Fer-
nandoHenriqueCardoso.
Apesar de elogiar medidas pre-
ventivasadotadas por União,Esta-
dos e municípios, oeconomista
lembra queoalcance das políticas
públicasbrasileirastemlimites.“O
problema por aqui é a implemen-
tação,que édifícilporquenãote-
mos uma máquina totalmente
azeitada para fazerisso numpaís
extremamentedesigual”,afirma.
O Brasil ainda tem um nível
baixo de testagempara o corona-
vírusemproporçãoàsuapopula-
ção, mesmocom as iniciativas re-
centes do governo federal para
aumentaro número de exames
disponíveis.Umacomparaçãoin-
ternacional, organizada pela pla-
taforma Our World Data, aponta
que, no dia 13 de março, o país
não havia feito examesnem em 3
milpacientes.ACoreiadoSul,um
dos casosmaiseficientes na con-
tenção do vírus, já realizou 316,
miltestesparadoença—nesteca-
so,osdadossãomaisrecentes,até
20demarço.
“Se a capacidade de testefor li-
mitada, um distanciamentosocial
mais agressivo poderá ser adotado
maiscedo. Da mesmaforma, mais
capacidade de teste ajudaria a in-
formar quando terminaras restri-
ções”, disse, por e-mail, Josh Petrie,
professor-assistente de pesquisa
da Escolade Saúde Pública da Uni-
versidadedeMichigan.
SegundoMassuda,a radicali-
zaçãoda quarentena,que éuma
ação preventiva, deveduraro
“tempoadequado”—ou seja, até
o momentoem que a vigilância
epidemiológica, apartir do mo-
nitoramento, constatarredução
de transmissãodo agente infec-
cioso. A estimativade um prazo
exato, explica, dependeria de
uma análisemuitosofisticada de
modelagemepidemiológica.
“É precisoagir agoraparaco-
ordenar adequadamente essa
respostae garantir o menornú-
mero de pessoas infectadas e
com necessidadesde internação.
Casocontrário, teremosopior
dos dois cenários,um país com
um sistemade saúdecolapsado e
emdificuldadeseconômicas”.
Mesmo que o diagnóstico avan-
ce rapidamente, oBrasil pode ob-
servar aumento desenfreadoda
doençaepodechegarummomen-
to em que nãoimportará mais tes-
tar equantificar os infectadose,
sim, atender os que precisarem de
cuidados intensivos, opinaocon-
sultortécnico da Sociedade Brasi-
leiradeInfectologiaHélioBacha.
“ÉclaroqueoBrasiltemdiferen-
ças regionais, e aindapodemos fa-
zer um desenho melhorda pande-
mia”, disse Bacha. “Mas haverá cer-
tamenteumgrandenúmerodeca-
sos não registrados com ainvasão
do agente infeccioso pelo país, so-
bretudoemáreaspobres.”
Medici,do BancoMundial,es-
clarece que os níveisde letalida-
de da doençaaumentamconfor-
me o sistemade saúdede país se
aproximedoesgotamento.“Exis-
te um determinadolimitedos
sistemas de saúde[de todoo
mundo]para atenderas interna-
ções,por isso tem de achatara
curvade infecção”, afirma.Isso
explicaporque na Itáliaapro-
porção de mortoscommaisde
80 anosé bastantesuperiorà da
CoreiadoSul:20,2%contra9,3%.
Defendidapelo presidente Jair
Bolsonaro, a retomadada livre
circulaçãoda populaçãoé um te-
ma aindapreliminar mesmonos
EUA,fontede inspiraçãoparao
posicionamentopolíticodolíder
brasileiro. “O debatesobreapos-
sibilidade de relaxaras regrasde
bloqueioestá crescendoapenas
em certoscírculosamericanos,
principalmente conservadores,
muitopara tentarracionalizar os
comentáriosaparentementeer-
ráticos do presidenteDonald
Trumpsobreoassunto”, afirmou
Paolo Pasquariello,professorda
Escolade NegóciosRoss,da Uni-
versidadedeMichigan.
Não há precedentes em outros
países de encurtamentoda qua-
rentena, aponta Pasquariello. “A
únicaexceção é HongKong, onde
osucesso precoce na lutacontrao
víruslevouasautoridadesarelaxar
algumasrestrições. Infelizmente,
pouco depois, ataxa de contágio
começouaaumentar.”
Origemda doença,a Chinaco-
meçoua permitiralgummovi-
mentona regiãode Hubei,onde
Wuhan está localizada,mas ain-
da não está relaxandoseu con-
trolegeralda população local.“A
China,noentanto,nãoéumbom
exemplo, poissua vastaecono-
mia podepermitirum bloqueio
regionaltotal,mantendo grande
partedo sistemaindustrial fun-
cionando”,afirmaPasquariello.
Primeiro caso completa um mês e mortos já chegam a 57
Rafael Bitencourt
DeBrasília
O Brasil completahoje um
mês do primeirocaso confirma-
do de pessoainfectadapelo no-
vo coronavírus,registadona ca-
pital paulista.Ontem, onúmero
de mortesrelacionado à doença
saltoude 46 para57 e os casos
confirmados subiramde 2.
para 2.433,no períodode 24 ho-
ras, segundo informouo Minis-
térioda Saúde.
Ontem,oministroda pasta,
Luiz Henrique Mandetta,afir-
mouque a evoluçãoda pande-
mianesteprimeiromêsestáden-
tro da expectativado governo.
Ele avalia que, com a previsão de
uso massivo de testesrápidospa-
ra detectar acovid-19,haverá
uma alta nos registrosde pacien-
tes infectados,porém“cairá mui-
to” ataxa atualde letalidade, que
estáem2,4%.
O aumentode casos na região
Sudeste, puxadopor São Paulo e
Rio de Janeiro, continuapreocu-
pandoosgestoresdaáreadesaú-
de por representarlocalidades
comalta densidadepopulacio-
nal. Oboletimde casosmostrou
que São Paulo,com 862 infecta-
dos e 48 óbitos, seguecomooEs-
tadocomomaior impactoda
doença,seguidodo Rio de Janei-
ro,com outros370 pacientesin-
fectadose maisseis mortesrela-
cionadasàcovid-19.
Mandettaconsidera que oRio
Grande do Sul éoutrofocode
preocupação das autoridades sa-
nitárias, por dois motivos: a
grande quantidade de idososea
proximidade do inverno.OEsta-
do,juntoaPernambuco eao
Amazonas, registrou ontem a
primeira mortepelonovocoro-
navírus.
A situação do Ceará, com 200
casos, é oterceiro Estado como
maiornúmerodeinfectados.Man-
detta disseque épreciso investigar
se o aumento abrupto está relacio-
nadoàtransmissão descontrolada
ou ao fato do sistema de saúdees-
tadual ter uma vigilânciabastante
“sensível”,eficiente na detecçãode
pacientes contaminados. Ele res-
saltouque arededesaúdedoEsta-
do éreconhecida por oferecerà
população umaatençãoprimária
“bemestruturada”.
Para hoje,oministérioprome-
te apresentar um plataforma
mais detalhada para acompa-
nhamento da evoluçãoda pan-
demiano país.Tambémfoi pro-
metidaumaprojeçãodo com-
portamentodo vírusnos próxi-
mos30dias.
Ontem,o secretárioda ciência,
tecnologiae insumosestratégi-
cos da pasta, Denizar Vianna,
anunciouque ogovernovai au-
torizaro uso das substânciasclo-
roquinae hidroxicloroquinaem
casos graves. Segundoele, serão
distribuídos3,4 milhõesde uni-
dade desse medicamento aos
hospitaisemtodopaís.
Viannaressaltouque o medi-
camento não deveser usadona
prevenção contra covid-19. O
alertatambémfoi feitopelo mi-
nistroda Saúde.Os dois partici-
paramda divulgação do balanço
decasosdadoençanoBrasil.
Ontem,Mandettaafirmouque
serãoliberadosmaisR$ 600 mi-
lhõesparamunicípiosreforça-
rem o atendimento. Ele se quei-
xou do cancelamentode voos
domésticos,o que tem dificulta-
do adistribuiçãode equipamen-
tos de proteçãoindividual(EPIs)
a Estadosdas regiõesNortee
Nordeste.
Aofalardapreocupaçãocoma
falta de leitosde CTIs,o ministro
afirmouque ataxa de ocupação
caiurecentemente entre30% a
40%.Ele ressaltouque oBrasil
tem uma quantidade “muitoex-
pressiva” de quartoshospitalares
dedicadosaoacolhimentodepa-
cientescomestadograve.
“Se soubermosfazerum bom
uso, vamosconseguiracomodar
um número muitograndede
pessoascom o que já temos”, dis-
seoministro.
Osecretário-executivo da pas-
ta, João Gabbardodos Reis,des-
tacouque os fabricantesnacio-
nais de respiradores mecânicos,
que auxiliama respiraçãode pa-
cientescomsintomasgraves da
doença,trabalham“24 horaspor
dia” paraentregaras encomen-
das do governo. Oprimeirolote,
segundoele, será disponibiliza-
doem30dias.
Gabbardodisseque aenco-
menda de respiradoresfeitaà
Chinachegaránumprazome-
nor, até 10 dias.Ele registrou
que,entre540respiradoresjáad-
quiridos,200foramenviadospa-
ra os Estadosde São Paulo, Rio de
JaneiroeRioGrandedoSul.
AdrianoMassuda:quarentenamaisradicalnoBrasilé umamedida“para já”
RUYBARON/VALOR
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