JornalValor--- Página 12 da edição"26/03/2020 1a CAD A" ---- Impressapor ccassiano às 25/03/2020@21:29:
A12|Valor| Quinta-feira, 26demarçode 2020
IMPACTOSDO
CORONAVÍRUS
Brasil
InfraestruturaValoresdeacordosde
leniênciapoderiamfinanciarobras
Empreiteiras
pedem fundo
de R$ 7,5 bi
contra a crise
GUITO MORETO/AGÊNCIA O GLOBO
ObrasdaTransbrasil,para acessodoBRT à avenidaBrasil,noRio:construturase entidadesdosetor queremumplanodeemergênciapara evitarquebradeira
Daniel Rittner
DeBrasília
As grandes empreiteirasde-
fendem um planoemergencial
de estímuloà economia, com in-
vestimentos bilionáriosem in-
fraestrutura,paraconterorisco
de“convulsãosocial”emmeioao
avançodo coronavírus.Elas pro-
põemaconstituiçãoimediatade
um fundocom recursosa serem
pagospelasprópriasconstruto-
ras à União, por meio dos acor-
dos de leniência firmados em de-
corrênciadaOperaçãoLava-Jato.
OSindicatoNacionaldaIndús-
tria da ConstruçãoPesada (Sini-
con) estima que o pagamento
ainda em aberto nos acordos so-
ma R$ 7,5 bilhõesesugereque
100% do dinheiroseja aplicado
na retomada de obras paralisa-
das. Aideia, que foi levadaao go-
vernonos últimos dias, écapitali-
zar o fundo com recursos da
União,tendo parcelas futuras das
leniências —muitosacordos du-
ram20anos—comorecebíveis.
Aassociação das construtoras
pedeaindasuspensãotemporá-
ria dos pagamentosrenegocia-
dos no âmbitodo Refis,enquan-
toduraraemergênciasanitária,e
a comprapor bancospúblicosde
precatórios em possedas empre-
sas. Aestimativaéque hoje elas
detêmprecatóriosno valor total
deR$1,5bilhãoaR$2bilhões.
“Já existe um mercadode com-
pradesses papéis, mas os bancos
comerciais pedem30%, 40%,até
50%de desconto[para antecipar
o dinheiro]”, afirma opresidente
do Sinicon,Cláudio Medeiros
Netto.“Porqueos bancospúbli -
cos nãoliberam agoraesses re-
cursoscomocapitaldegiroecom
descontosmenores?”,questiona.
No casodo fundo, Medeiros
calcula que só as empresasle-
nientestêm maisde 400 obras
paralisadas,com a possibilidade
de retomadaimediata. Ele expôs
esse conjunto de propostasain-
tegrantesdaequipeeconômica.
“Tem uma ondaque é acovid-
19, mas tem uma ondadez vezes
maior,vindologoatrás,que é
umarecessão”, diz oexecutivo,
que representa a Odebrecht na
diretoriado Sinicon.“Imagine a
convulsão social que estamos
por viver.Isso poderiafazerparte
deumgrandePlanoMarshall.”
Para ele, no entanto,isso não
significa flexibilizar as restrições
de carátersanitário. “Hojeo go-
verno tem que ter duasmetas:
salvar vidasereativar a econo-
mia.Eu fico indignadoquando
vejo alguémdizendoque a eco-
nomia não podeparar, que as
pessoasmorremmaisde fome,
que vão morrersó sete mil pes-
soas.Ocálculonãoésimples.”
Em canteiros afastados de cen-
tros urbanos, como nasobras do
Canal do Sertão (AL), Medeiros
não vê necessidade de paralisa-
çãodas atividades. Nessecaso, há
doismil trabalhadores isoladose
com apoio médico.Segundo ele,
osalojamentosforamredesenha-
dosparahaver maisdistância en-
treseus ocupantes e osemprega-
dos só vão acampoem grupos
menores,deseisaoitopessoas.
De 2014ao terceirotrimestre
de 2019,o PIB da construção(ci-
vil e pesada)acumulou quedade
23,5%, mas o setoraindaempre-
ga cercade dois milhõesde tra-
balhadoresformais. De acordo
comoSinicon,paracadaR$1mi-
lhão de investimentosna área,
geram-se34 ocupaçõese R$ 514
mil em salários.Há um “efeito
dominó” sobreoutros60setores.
“Sem juízode valor e nem poli-
tização,as empresasvêm san-
grandohácincoanos,masacons-
trução e ainfraestrutura têm con-
dições de oferecer umaresposta
rápida, mediante estímulos, à cri-
sequevemporaí”, dizMedeiros.
Porisso mesmo,sugere,ogo-
vernodeveriaenxergaras obras
de infraestrutura comoprincipal
alavancacontracíclicafrenteao
riscode recessãoglobal.“Só dife-
rimento de impostonão adianta,
évendero almoçoparapagara
janta.Asoluçãopassapor injetar
dinheironaeconomia”, afirma.
Acelerar o programa de conces-
sões éindispensável, segundo ele,
mas talvez não suficiente. “Neste
momento tão crítico, é preciso se
desgarrar do teto de gastos, com
responsabilidadeeprudência.”
O Siniconreúnecercade 400
associadosem 17 Estados, in-
cluindo construtorasmédiase
pequenas,etem representantes
de empreiteiras comoAndrade
Gutierrez, Camargo Corrêa,
QueirozGalvão, OAS,Galvãoe
Cariocaemseuconselhodiretor.
Dono da Engevix propõe usar reservas internacionais
DeBrasília
O empresárioJosé AntunesSo-
brinho, donoda NovaEngevix,
defende um “Proerda Infraestru-
tura” comorespostaà criseeco-
nômicaprovocada peloavanço
do coronavírus.Ele argumenta
que ogoverno deveria converter
umaparcela das reservas inter-
nacionais,algo entreUS$ 50 bi-
lhõeseUS$ 60 bilhões,emrecur-
sosparafinanciarobrasnosetor.
Em entrevista aoValor, por te-
lefone, Antunes ressaltou que is-
so não é incompatível com apre-
servação da responsabilidade fis-
cal, bem como da prioridadeda-
da às reformas eàs privatizações
tãologo acabeaatual situaçãode
emergênciasanitária.Osrecursos
paraesseprogramadeinfraestru-
tura,emsuaavaliação,podemser
contabilizadosem uma conta es-
pecífica, um “orçamento de guer-
ra”,àpartedasdemaisdespesas.
Antunesacredita que obras em
saneamentobásico eem 15 mil
quilômetros de rodovias necessá-
rias para oescoamento da produ-
ção agrícola, mas sem viabilidade
econômica para administração
pela iniciativa privada,são candi-
datas naturais a receber os investi-
mentos. “Isso movimenta tudo: fá-
brica de cimento, pequenos muni-
cípios, dá ânimo para que as pes-
soasenfrentemessesacrifíciotem-
porário.Enãoseriainflacionário.”
O empresário elogia a agenda
dereformasdaequipeeconômica
edizqueelasbuscavamaumentar
a confiançados investidores no
Brasil, atraindo capital privado e
mudando o perfil do crescimento
no país. “Até aí, tudocerto. Mas,
comocoronavírus, temosdois
problemas: comoatravessar a no-
va crise ese ocapital privadoain-
daestarádispostoavir”, afirma.
“Agoraogovernoteráqueassu-
mir odesafio da geração de em-
pregos. Nenhuma das grandes
economias—EstadosUnidos,Rei-
no Unido,Espanha —está discu-
tindo, neste momento, arelação
dívida/PIB. Trata-se de uma ques-
tão de sobrevivência. Podemos
cair numa situaçãoterrível, de
maisde20%dedesemprego,eaía
situaçãodopaísvaificarrealmen-
tedramática.Nãopodehaverrigi-
dezintelectualnestemomento.”
Para Antunes,esse “programa
de salvaçãoda economia”deve-
ria ser acompanhadopelo Poder
Judiciário, órgãosde controlee
um conselhoempresarialpara
manter credibilidadee ficarsob
a gestãodo ministroda Infraes-
trutura, TarcísioFreitas,o“mais
competente” destegoverno.
Depoisde ter sido atingidape-
laLava-Jato,aEngevixencolheue
mudoudenome—acrescentouo
“Nova”. Ela fechouacordo de le-
niênciaehoje faturaem tornode
R$100milhõesporano.(DR)
RodrigoCarro
DoRio
OBrasilterá de encararuma
recessãoagudaaté o iníciode
2021, quandoa economianacio-
nal devecomeçar a se recuperar
dos efeitosprovocadospela pan-
demia atual,afirmou hoje o eco-
nomista Thomas Trebat,da Uni-
versidadedeColumbia,emsemi-
nário pela internet. Aindaassim,
ele não acreditaque país passe
porumadepressãoeconômica.
Na análisede Trebat, a econo-
mia global vai levarde 15 a 18
mesespararetornarà normali-
dade. “Acho que essa éuma crise
muito pior do que a crisefinan-
ceirade 2008.Talvez, só encon-
tre eco na crisedos anos20 e 30
nos EstadosUnidos”, comparou
Trebat,diretor do ColumbiaGlo-
bal Centers Rio de Janeiro. Com
relaçãoao aspectomédicoda
crise, ele acredita que os núme-
ros na Europasinalizampers-
pectivas menos animadoras
quandocomparadosaos resul-
tados chineses.
“Nãoachoque 80% da popula-
ção mundial vai ficar doente,
masnãoachotambémqueopra-
zo[paracontroledacovid-19]se-
ja de dois,três meses,comoofoi
o caso de Wuhan [cidadechinesa
ondecomeçouapandemia]ou
da Coreia do Sul”. A diferençaes-
taria, segundo ele, na taxade
propagação da doençaem países
comoItália,EspanhaeFrança,
muito mais acelerada do que
aquelaregistradaemWuhan.
Ex-diretor executivo do Insti-
tuto de EstudosLatino-America-
nos da UniversidadeColumbia,
Trebat sustentaque ocenário
maisprovável parao Brasil é de
uma“granderecessão”nos pri-
meiros dois trimestres deste
ano, comqueda“curtae acen-
tuada” da atividade. “E talvez
continuando esse quadro reces-
sivo,eudigo recessivo enão de-
pressivo, nos próximosseis me-
ses, seguidopor umaligeirare-
cuperação maisparao fim do
ano e umarelativamenterápida
reativação da produçãoa partir
do primeiro trimestrede 2021”,
resumiu o economista.
No cenáriointernacional,are-
cuperação viria no médioprazo.
“Esperoqueeuestejaerrado,mas
calculo que daquia 15 a18me-
ses, ou seja, entremeadosao fim
do ano que vem,calculoisso co-
mo um prazorazoável, dentrode
um horizontede planejamento,
paraque aatividadeeconômica
mundial retorneaníveis,diga-
mos, maisou menosnormais”,
disseoeconomista.
Ele destacaque oimpacto da
pandemiasobreaeconomiase
dá não apenaspeloladoda de-
manda, afetada pelo provável
aumentodo desemprego epela
diminuiçãoda renda,mas tam-
bém pelo lado da oferta de bens
eserviços,uma vez que aprodu-
ção está parando para tentarevi-
tar ocontágiodos trabalhadores
pela doença.
“Essaé umacriseque começa
de umaformacompletamente
diferentedaquela de 2008,com
umchoquecomacadeiadeinsu-
mos produtivos, a chamadasup-
ply chain,do lado da oferta.Nes-
sas condiçõesnão adiantamuito
gastar,gastaregastarrecursos
públicossem foco. Ochoqueini-
cial vem do ladoda oferta,uma
fato quaseque inédito,não leva-
do muitoem contanos nossosli-
vros-textos”,esclareceuoecono-
mista, paraquemos governos
precisarão ir alémdas medidas
monetáriasparaenfrentaracrise
numa segunda fase,de retração
nademanda.
“Essas medidas monetárias,
por maisbenéficas que sejam,
taxasde jurozeronos Estados
Unidos,coisaque eu nuncaes-
pereiver,são apenasum primei-
ro passo.No sentidode que os
governosprecisamentraragora
gastandoe gastando muito”, fri-
sou Trebat.
O economista defendeuno se-
mináriovirtualque oBrasil ado-
te açõesde reforço do sistemade
saúde para fazerfrenteàs neces-
sidades geradaspelo combate ao
coronavírusnopaís.Eledestacou
aindaa importânciade o gover-
nofederalapoiarfinanceiramen-
te Estados emunicípios neste
momentodecrise.
Um terceiro pontoressaltado
pelo economistacomoessencial
é aconcessãoàpopulação mais
pobrede benefícios —seja por
meio do SeguroDesempregoou
do programa BolsaFamília —
que garantam algumarendaa
estacamadadapopulação.
Brasilnãodeveráentrar emdepressão
devidoa pandemia,dizeconomista
Canal Unico - O Jornaleiro