Valor Econômico (2020-03-26)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 19 da edição"26/03/2020 1a CAD A" ---- Impressapor ccassiano às 25/03/2020@21:24:


Quinta-feira, 26 de marçode 2020 |Valor|A


E se a recuperação não for em “V”?

Aemergênciadesaúdepúblicapodevirarumacrisefinanceira.PorCarmen Reinhart


“As decisões do


presidente em


relaçãoà saúde


pública não


atingem a


fronteira de


Goiás.Está bem


entendido?”


DogovernadorRonaldoCaiado,


querompeucomBolsonaro


Jorge Arbache


Sistemasfinanceiros de


muitos paísesestão


sólidos. Preservar esta


condiçãofará toda a


diferençana retomada


D

iferentementeda crise


financeirade2008,ex-


perimentamos, desta


vez, uma crisecom for-


tíssimochoque simultâneode


oferta ede demandaem nível


global.Esta combinaçãotão in-


comum, juntamente com o


comprometimentode enormes


recursos fiscais emergenciais,


sugere que a fase de recuperação


da economia provavelmente


não será em “V”.


O formatoda recuperação de-


penderá da extensãotemporalda


paralisação econômica, dos im-


pactosfiscaisdacrise,dacapacida-


de e condiçõesde financiamento


dos governos edos bancos, dos


efeitos da crise em setores essen-


ciais, do graude sincronização do


ritmode saída da pandemia, das


condições de consumo, dentre ou-


trosfatorescríticos.


De fato, parecerazoável supor


que acombinação, em maiorou


menorgrau,de fatorescomopa-


ralisaçãomaisprolongada das


atividadesprodutivas, impacto


fiscalsubstancial, elevaçãodos


custos de financiamento das


contaspúblicas, dificuldadesde


liquidezedeampliaçãodefinan-


ciamento de bancos, limitada


efetividadeda políticamonetá-


ria, eventuaisdisfunçõesdeca-


deiaslogísticas, comércio exte-


rior ede serviçospúblicosessen-


ciais,aumentodo desemprego,


quedadarendaerecessãonosEs-


tadosUnidose na Europa leve a


uma recuperaçãolenta e com


possibilidade de fortes danos


econômicosesociais.


Nessecontexto,ajáiniciadavol-


ta à normalizaçãodas atividades


econômicas na Chinae no Japão


não serão capazes de ajudar a ace-


lerar significativamentea recupe-


raçãoda economiaglobalnempe-


locanaldocomércioexterior,nem


pelo canalfiscal. Até porque, essas


economias enfrentam debilidades


internasquelimitamacapacidade


deaçõesfiscaisdegrandeporte.


O que se deveriafazer?Por


maisque seja necessáriocontero


“incêndio” deste momento,é


tambémimportanteter em con-


ta a necessidadede preservarre-


cursose capacidadede ação para


aspróximasetapasdestacrisesa-


nitária,socialeeconômica.


De outraforma,por maisque


se reconheçaque omomentoé


de profundagravidadee emer-


gência,é precisoagir compru-


dênciae planejaro uso dos re-


cursosescassoslevandoem con-


ta anecessidade futurade recur-


sos financeiros enão financei-


ros. Esseplanejamentopoderá


ser fundamental paraajudara


encurtar a fase de recuperação e


torná-lamenosdolorosaepara


se poderagir com maiorefetivi-


dadee de formamaisordenada.


Há que se considerar, portanto,


umaestratégiamaisamplade


intervençãoe a correspondente


necessidadede recursoseins-


trumentos próprios e adequa-


dos para cadafase.


Éóbvio que o maisimportante


nestaatual fase édar suportepara


asaçõespúblicasemergenciaispa-


ra as áreas sanitária esocialepara


as micro epequenas empresas e


dar liquidez aosmercadosfinan-


ceiros.Mas,seaparalisaçãoeconô-


micapersistirpor algumassema-


nas mais,ép rovávelque também


sejamnecessários, numa segunda


fase,de instrumentos erecursos


para apoiaredarsuporte às ativi-


dades eserviços essenciais, cadeias


logísticas eabastecimento, comér-


cio exterior, incluindoaimporta-


çãodeinsumoseoutrasnecessida-


des, dentre outrasatividades e se-


torescríticos para ofuncionamen-


to da economia e dos mercados fi-


nanceiros.


Na fase de recuperação, serão


necessáriosinstrumentos apro-


priados e recursospara arecom-


posição de setores,mercadose


sistemas econômicoscríticose


de novossuportesmacroeconô-


micoe social.


Destaforma,há que se traba-


lhar comum arsenalde instru-


mentosarticuladoscomumami-


radade curtoemédio prazos.


P

andemiassão relativa-


menterarase as real-


mente graves, ainda


mais,de formaque não


tenhoconhecimento de algum


episódiohistóricoque possatra-


zer indíciossobreas prováveis


consequências econômicas da


crisemundialsendoprovocada


pelocoronavírus.Desta vez, é


realmentediferente.


Um aspectofundamental que


tornaeste episódio único éares-


posta das políticas econômicas.


Governos pelo mundo vêm priori-


zandomedidas que limitam adis-


seminação da doençaesalvam vi-


das, incluídoocompleto confina-


mentoderegiões(comonaChina)


ou de inteirospaíses(Itália, Espa-


nha e França, por exemplo). Uma


listamuitomaior de países, in-


cluindo os Estados Unidos,tem


imposto proibições estritas avia-


gens internacionais eproibido to-


dotipodeeventopúblico.


As medidas não poderiam ser


maisdiferentes das políticas ado-


tadascontra o caso viralmais mor-


tal dos tempos modernos, apan-


demia da influenzaespanhola em


1918 e1919. Essa pandemia, que


provocou675 mil mortes nos EUA


e pelo menos 50 milhões no mun-


do, aconteceu tendo comopano


de fundoa Primeira Guerra Mun-


dial.Sóessefatojáimpossibilitaria


traçarqualquercomparaçãosigni-


ficativa quanto aos efeitos da pan-


demiadacovid-19porsisónaeco-


nomiadosEUAoudomundo.


Em 1918, ano de pico das mor-


tesporinfluenzanosEUA,onúme-


ro de quebras de empresasfoi me-


nos do que ametade do registrado


antesdaguerra.Em1919,foiainda


menor. O Produto Interno Bruto


(PIB)real dos EUA, puxadopelos


esforços de produção em tempos


de guerra, subiu9% em 1918ecer-


cade1%noanoseguinteenquanto


agripeassolavaopaís.


Em contraste,com acovid-


as vastasincertezas em tornoà


possível disseminaçãodo vírus


(dentrodos EUA enomundo)e


à duraçãoda virtualparalisação


econômicaexigidaparacomba-


ter o vírusfazem comque as


previsões poucodifiramde me-


ros palpites.Mas, dadaaescalae


aabrangênciado choqueprovo-


cadopelocoronavírus,que vem


abalando ao mesmo tempoa de-


mandaagregadae interrompen-


do aoferta,os impactosiniciais


sobrea economia real provavel-


mentesuperarãoos da crisefi-


nanceiramundialde 2007-


(CFM).


Emboraa crise do coronavírus


não tenhacomeçadocomouma


crise financeira,podemuitobem


transformar-se em uma de gravi-


dadesistêmica.Pelo menosaté


que a reduçãona atividade eco-


nômica resulteem perdade em-


Portanto, deve-seplanejaro uso


da “ág ua”,pois oincêndiopode-


ráterdistintasmanifestações.


Apesardas imensasdificulda-


des, a boa notíciaé que, embora


estejamtrabalhandosobprofun-


da e intensapressãoe em condi-


ções sem precedentesem termos


de referência,muitosgovernos


estãoconscientesdaquelesdesa-


fios. A outraboa notíciaé que os


sistemasfinanceirosde muitos


paísesestãosólidos,em parteem


razãodas medidasmacropru-


denciaiseregulatóriaslevadasa


cabonos últimosanos.Preservar


estacondiçãofarátodadiferença


nafasederecuperação.


A esta altura, uma coisa é certa:


quanto maiorfor aarticulação,co-


ordenação e o planejamento,


maiorseráacapacidade de otimi-


zar ouso dos recursosescassose


potencializar o impactodas inter-


venções públicas eprivadas. Isto


parece válido tantoemnível inter-


no,comoemníveldecooperaçãoe


esforçosinternacionais.


JorgeArbacheé vice-presidente de


setor privado do Bancode


Desenvolvimento da América Latina


(CAF) e escreve mensalmente às quintas


feiras neste espaço.


pregos, as contasfamiliares nos


EUAnão parecemproblemáti-


cas, comoestavam antesda CFM.


Osbancos,alémdisso,estãomui-


to maisbemcapitalizados do


queestavamem2008.


Os balançospatrimoniais das


empresas, contudo, parecem estar


bemmenossaudáveis. Comoob-


servei há um ano,as“obrigações


garantidas por empréstimos”


(CLOs, na sigla em inglês), cuja


emissãoexpandiu-se apassoslar-


gos nos últimosanos, comparti-


lhamdemuitassimilaridadescom


os infames“títulos lastreadospor


hipotecas” (MBS)de baixaquali-


dade,quefomentaramaCFM.


A buscapor rendimentosmais


altosemumcenáriodebaixosju-


ros alimentouondasde conces-


são de empréstimosde baixa


qualidade —enão apenasna for-


ma de CLOs.Não é surpresa, por-


tanto, que orecente“crash” no


mercado de açõestenhaexposto


altosníveisdealavancagemeum


maiorriscodeinadimplência.


Não fossesuficienteochoque


do coronavírus, aguerra de preços


do petróleo entre Arábia Saudita e


Rússia praticamente cortoupela


metade acotaçãodo barril, agra-


vandoosofrimento do setor ener-


géticonos EUA.Com grande parte


da produção afetada por desesta-


bilizaçõesna cadeiade forneci-


mentoecom amplas faixas do se-


tor de serviços maisou menospa-


ralisadas, as quebras e a inadim-


plência de pequenas emédias em-


presas terãoum salto,apesar dos


estímulosmonetáriosefiscais.


Alémdisso,àmedidaqueacri-


se do coronavírusse desdobre


em 2020,as similaridadesentre


os títulosde alto rendimento das


empresas e os dos governosde


paísesem desenvolvimentopa-


recemestaraumentando.


Acrisefinanceira edas dívidas


nos anos80 afetouosmercados


emergentes, enquantoa CFMfoi


uma crise financeira (e em alguns


casostambémumacrisededívida)


nas economiasavançadas. O cres-


cimento médioanual do PIB da


China de 10% entre 2003 e 2013


elevou os preços mundiais das


commodities, impulsionandoos


mercados emergentes e a econo-


mia mundial.E, diferentemente


das economias avançadas depois


da CFM,os mercadosemergentes


tiveram umarecuperaçãoeconô-


micaemformade“V”.


Nos últimos cincoanos, contu-


do,os balançospatrimoniaisdos


mercados emergentes (tanto pú-


blicosquantoprivados)sedeterio-


rarameoc rescimentose desacele-


rou bastante. Se os demaisfatores


continuaremiguais, orecentecor-


te significativo dos juroseasde-


maismedidas do Federal Reserve


contra apandemiatambém alivia-


riam as condições financeiras


mundiaispara os mercados emer-


gentes. Mas os demais fatoreses-


tãolongedecontinuaremiguais.


Paracomeçar,aclássicafugapa-


ra os títulos do Tesourodos EUA


em tempos de estresse mundialea


alta no índice de volatilidade VIX


revelam um aumento acentuado


na aversão dos investidoresa risco.


Isso normalmente coexiste com


uma forte elevação do spread dos


jurospelorisco ecom reversões


abruptas nosfluxos financeiros,


nas quaisocapital passa a sairdos


mercadosemergentes.


Alémdisso,o“c rash” nos preços


das commodities e do petróleo re-


duz ovalor de muitas exportações


de mercados emergentes e, por-


tanto,afetaoacessodessespaísesa


dólares. No casomais extremo


(masnão único) do Equador, o


spread soberano se aproxima dos


40pontospercentuais.


Por fim, ocrescimentoeconô-


micoda Chinafoi um importan-


te motordos grandesemprésti-


mos que concedeu amais de cem


paísesem desenvolvimento de


baixaamédia rendanos últimos


dez anos,comomostreiem re-


cente estudo com Sebastian


Horne ChristophTrebesch.Asé-


rie de dadoseconômicos fracos


no iniciode 2020,portanto,au-


menta a probabilidadede uma


reduçãosubstancialna conces-


sãodeempréstimosaoexterior.


Desdeosanos30aseconomias


avançadase emergentesnão vi-


viamuma combinação de colap-


so no comércio internacional,


quedanos preçosmundiaisdas


commoditiese maumomento


econômicosincronizado. É ver-


dadequeasorigensdoatualcho-


que agorasãoaltamentediferen-


tes, assimcomoas políticaseco-


nômicasadotadasem resposta.


Mas o confinamentodepopula-


çõese as políticasde distancia-


mento socialque estãosalvando


vidastambémtrazemum enor-


mecustoeconômico.


A emergênciade saúdepúbli-


ca podetransformar-se em uma


crisefinanceira. Claramente,es-


te é um momentopara“fazero


que for preciso” em termosde


políticasmonetárias efiscaisde


grande escalae fora dos padrões


convencionais.(TraduçãodeSa-


binoAhumada)


CarmenM.Reinharté professora de


sistemafinanceiro internacional na


Escola de Governo Kennedy, da Harvard


University.


Copyright:ProjectSyndicate, 2020.


http://www.project-syndicate.org


Cartasde


Leitores


Desta vez é realmente diferente

Frase do dia


Bolsonaro


OromancistaindianoPankaj


Mishracertavezescreveuque


“falta-nosinteligênciaparaas


questõesdaalma”.Apósopro-


nunciamentoànaçãodopresi-


dentedaRepública,edareunião


realizadanamanhãdeontem


entreopresidenteeosgoverna-


dores,somoscompelidosareco-


nhecerquefalta-lhesinteligên-


cianasquestõesdanação.


Oqueseassisteéumpresiden-


tesemestaturadeestadista,per-


didonasteiasdesuaspróprias


elucubrações;umpresidente


quejánãoaceitaouvirverdades


nemmesmodeseucírculopró-


ximodeauxiliares.SeaBíbliadiz


quenamultidãodeconselhos


nãofaltasabedoria,aonãoacei-


tarnenhumconselhosensato,o


presidentesecondenaàtolicee


irrelevância.


Doutrolado,assistimosaogo-


vernadordoEstadodeSãoPaulo,


quejáhaviaabandonadopela


metadeomandatocomoprefei-


todamaiorcidadedopaís,utili-


zardemagogicamenteumadas


piorescrisesdasaúdepúblicado


mundo.Mirandosomenteasi


mesmoeaoseufuturopolíticoo


espelhodesuavaidadepessoal,


ogovernadordeSãoPaulosacri-


ficamilhõesnoaltardaeleição


de2022.


Estamosassistindolíderesfra-


cos,demagogos,populistas,per-


didosjogaranaçãonocaos,nas


trevasenaescuridão.Nomo-


mentoemqueanaçãobrasileira


maisprecisadeumestadista,ne-


nhuméencontrado.


LucianodeOliveira


[email protected]



Atéosmaisferrenhosdefensores


doatualpresidenteestãoperple-


xos,anteaesteseuúltimopro-


nunciamento,propondoofim


damobilizaçãoeconfinamento


faceaatualpandemiadaco-


vid-19.Oqueassustaatodos,é


quetalpostura,revelaaincapa-


cidadedessaautoridade,emper-


ceberumarealidadequesevivee


assimnãotercondiçõesdedeci-


dircomomínimodecoerência


emoutrosassuntossobresua


responsabilidade.


JosédeAnchietaNobre deAlmeida


[email protected]r



Ocomportamentoinstáveldo


presidente,naguerracontraaco-


vid-19esuainevitávelpropagação


pelopaís,sabotaosesforçosem-


preendidosprincipalmentepela


equipedoministériodaSaúde,


sobaliderançalúcidadoministro


Mandetta,cujodesempenhome-


receoreconhecimentodetodaa


sociedade.Bolsonaro,talcomo


TrumpnosEUA,sóestápreocupa-


docomsuasreeleiçãoevêoperigo


daeconomia,jáfragilizada,su-


cumbirdiantedasmedidasdrásti-


casqueestãosendoexigidasno


combateàpandemia,oqueseria


fatalparasuacandidatura.Daísua


atitudeinsana,semlevaremconta


asopiniõesabalizadasdosepide-


miologistas,quecolocaráemrisco


milharesdevidas,numaapostate-


merária.


DirceuLuiz Natal


Desdeos anos30 as


economias avançadase


emergentes não viviam


combinaçãode colapsono


comércio internacional,


quedadas commodities e


maumomento econômico


sincronizado. Mas


as políticas de


distanciamento socialque


salvam vidastrazemum


enormecusto econômico


Opinião


Correspondênciaspara


Av. 9 de Julho,5229 - Jardim


Paulista- CEP01407-907 - São


Paulo - SP, ou para


[email protected],comnome,


endereço e telefone. Os textos


poderãoser editados.


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