O Estado de São Paulo (2020-03-27)

(Antfer) #1

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A10 Política SEXTA-FEIRA, 27 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Caio Sartori


Wilson Tosta / RIO


Eleito na onda bolsonarista de


2018, o governador do Rio, Wil-


son Witzel (PSC), afirma que


o presidente Jair Bolsonaro vê


todos os que têm “destaque


maior” na política nacional co-


mo potenciais adversários na


disputa pelo Palácio do Planal-


to em 2022. Nessa percepção


estaria a origem da crise entre


ele e os governadores. Witzel


diz que Bolsonaro cometeu im-


probidade administrativa ao


atacar recomendações da Orga-


nização Mundial da Saúde


(OMS) e do próprio Ministé-


rio da Saúde, favoráveis ao con-


finamento para diminuir a ve-


locidade do contágio do coro-


navírus. Witzel acha, contudo,


que o momento não é adequa-


do a um processo de impeach-
ment. A seguir, os principais
trechos da entrevista:

lComo o sr. avalia a estratégia
do presidente de combate ao co-
ronavírus?
Desastrosa. Na medida em que
o pronunciamento se dissocia
dos atos administrativos já
existentes, até do próprio go-
verno, ele incide em improbi-
dade administrativa, porque
praticou desvio de finalidade
no ato convocatório em cadeia

de rádio e televisão, e fala abso-
lutamente contra o que já esta-
va estabelecido.

lEle tem que responder juridica-
mente por isso?
Juridicamente, sim. Está na re-
comendação do Ministério Pú-
blico Federal: desvio de finali-
dade. Diz que o pronunciamen-
to do presidente refutou a ne-
cessidade de isolamento so-
cial, criticando o fechamento
das escolas e do comércio.

lQuais providências?
Ação de improbidade, no míni-
mo. O presidente deveria ago-
ra, em cadeia nacional, fazer no-
vo pronunciamento e corrigir o
equívoco, o que não o impede
de ser responsabilizado pelo an-
terior. Desautorizar os governa-
dores cria para nós uma situa-
ção de desobediência civil.

lJuridicamente teria motivo pa-
ra impeachment? E politicamen-
te, tem clima?
Estamos vivendo muitas crises.
Econômica, de saúde. Neste mo-
mento, o mais racional é con-
vencer o presidente de que ele
tem que fazer a coisa certa, e
deixar para pensar em qualquer
outra situação depois que supe-
rarmos o coronavírus. Não é ho-
ra de se falar em impeachment,
que vai paralisar o Congresso.

lQual é a saída política para o
cabo de guerra entre o presiden-
te e os governadores?
Está faltando ao presidente en-
tender que é preciso buscar o
consenso na política.

lO que pesa? É a sucessão de
2022? O sr. é percebido pelo pre-
sidente como adversário.
Todo mundo que tem um des-
taque maior ele acha que vai
ser candidato a presidente. O
único que está pensando em
eleição em 2022 é o presiden-
te. Todos os outros estão traba-
lhando. E ele vê todos os ou-
tros como adversários. As
ações dele demonstram que to-
do mundo que faz o seu traba-
lho e está fazendo o certo, acer-
tando, vira inimigo para ele.

lInclusive o ministro Mandetta?
O ministro Mandeta,.. quem
mais entrou? Daqui a pouco o
(Paulo) Guedes também en-
tra...Ou seja, todo mundo que
está fazendo o seu trabalho e
que acaba, de uma forma ou de
outra, tendo protagonismo, vi-
ra adversário do presidente.

Felipe Frazão / BRASÍLIA


O governador de Goiás, Ronal-
do Caiado (DEM), afirma que
o presidente Jair Bolsonaro de-
veria dar ao ministro da Saúde,
Luiz Henrique Mandetta, a
mesma autonomia que tem o
ministro da Economia, Paulo
Guedes, e desativar o chamado
gabinete do ódio, que o orien-
tou a minimizar a pandemia do
novo coronavírus. Caiado con-
versou com o Estado um dia
após romper com Bolsonaro.

lPor que romper com Bolsona-
ro?
Caiu a ficha. Ele jamais pode-
ria ter vulgarizado a gravidade
do coronavírus. Jamais. Eu
sempre fui um aliado, nunca
fui submisso. Ele se enganou,
achou que eu pudesse estar in-

cluído naqueles que estão para
cumprir ordens. Eu não estou
para cumprir ordens, sou ho-
mem para discutir e apoiar po-
sições. Nos assuntos da Saúde,
as ações do presidente não
atingem o meu Estado.

lEntão, o senhor agora é oposi-
ção?
Tratarei com o presidente na
formalidade, no protocolo a
partir de agora. Eu vou tratar
como fui tratado. Aliado é
aquele que você pega o telefo-

ne e diz ‘meu amigo, vem cá,
corre aqui que vamos decidir,
as coisas precisam ser resolvi-
das agora e tal’. Todos nós en-
tendemos a sobrecarga, mas
não a desconsideração.

lHá desconsideração com o mi-
nistro da Saúde? Mandetta sofre
esvaziamento durante uma crise
que está sob a responsabilidade
dele?
Toda entrevista da área econô-
mica tem aquela máxima: ‘Cha-
ma o Paulo Guedes, ele que vai
entender e achar a saída, solu-
cionar’. Tudo é o Paulo Gue-
des. Por que tudo na área eco-
nômica é o Paulo Guedes e o
Mandetta não é o que fala na
área da Saúde? Ele tem o me-
lhor cara, preparado, tem inde-
pendência intelectual e credibi-
lidade no meio médico, sabe o
que se deve fazer num momen-
to como esse. O governo é
uma constelação. Só pode dar
certo se todo mundo puder bri-
lhar em sua pasta. Agora, se só
a estrela do presidente puder
brilhar aí você não governa.
Nesse momento todos deve-
mos seguir o que o ministro
Mandetta com seus quadros
técnicos do ministério definir
o que é o melhor caminho.
Quando se trata de saúde pú-
blica, a decisão não é impetuo-
sa, eleitoral. Ela é uma decisão
embasada em dados que no de-
correr do tempo você vai po-
der mostrar para pessoas que
estava certo, mesmo discor-
dando de você. É isso que o
presidente não poderia ter per-
dido nesse momento.

lO Mandetta arrisca a biografia
médica dele ao permanecer no
governo?
Médico só sobrevive na profis-
são se na hora que o doente
complica ele não bate em reti-
rada. Isso para nós é manda-
mento número um. O Mandet-
ta não vai sair do Ministério da
Saúde. Ele só sai se for demiti-
do ou se contrair o coronaví-
rus e não tiver condições clíni-
cas de estar à frente do ministé-
rio. Nesse ponto ele está corre-
to, eu respaldo a atitude dele.

lBolsonaro deve se afastar do
‘gabinete do ódio’?
Esse gabinete sequer deveria
existir. E se ainda tem, deveria
ser desativado. Todo cidadão
que se comporta com ódio pas-
sa a ser escravo de quem
odeia. As pessoas que me
odeiam eu quero alforriá-las.

‘CLAQUE’ BOLSONARISTA


RETORNA AO ALVORADA


ENTREVISTAS


Julia Lindner / BRASÍLIA


“O presidente sou eu, pô!” Foi


assim que Jair Bolsonaro reagiu


ontem ao ser questionado so-


bre a declaração do vice, Hamil-


ton Mourão, defendendo o iso-


lamento social durante a pande-


mia do novo coronavírus.


Menos de 24 horas após Bol-


sonaro fazer um pronunciamen-


to em rede nacional de rádio e
TV pregando a reabertura de es-
colas e do comércio, Mourão
afirmou que a posição do gover-
no contra o coronavírus era
“uma só”: a da quarentena.
Apesar de desautorizar Mou-
rão, Bolsonaro elogiou o vice
em conversa com jornalistas.
“O presidente sou eu, pô. O pre-
sidente sou eu”, repetiu ele,

diante do Alvorada. “Os minis-
tros seguem as minhas determi-
nações. E o Mourão tem ajuda-
do bastante, dado opiniões, é
uma pessoa que está do meu la-
do ali. É o reserva de vocês. Se
eu empacotar aí, vocês vão ter
que engolir o Mourão. É uma
boa pessoa”, declarou.
Bolsonaro disse que o Brasil
não chegará ao mesmo nível de

contaminação e de mortes veri-
ficado em países como EUA e
Itália porque os brasileiros pos-
suem algum tipo de diferencia-
ção. Não apresentou, porém,
qualquer embasamento para
justificar o que disse.
“Acho que não vai chegar a
esse ponto, até porque o brasi-
leiro tem que ser estudado, não
pega nada. Vê o cara pulando

em esgoto, sai, mergulha e não
acontece nada.”
Ao afirmar que o ministro da
Saúde, Luiz Henrique Mandet-
ta, já concordou em alterar o for-
mato de quarentena – de isola-
mento horizontal para vertical
(idosos e pessoas com outras
doenças) –, Bolsonaro disse
que o governo ainda estuda co-
mo adotar a medida.

Ronaldo Caiado (DEM), governador de Goiás


Fala do presidente em defesa do fim do ‘confinamento em massa’ estimula


apoiadores, que voltam a se concentrar na portaria da residência oficial


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lEm carta divulgada ontem, go-
vernadores de 24 Estados pe-
dem a Bolsonaro a união de for-
ças no combate à crise do coro-
navírus. “Consideramos essen-
cial a liderança do presidente e
sua parceria com governadores.”
Eles dizem que vão manter “me-
didas baseadas no que afirma a
ciência”, como o isolamento.

lPara não se indispor com Jair
Bolsonaro, Romeu Zema (Novo),
de Minas Gerais, não assinou do-
cumento divulgado ontem pelo
Fórum dos Governadores porque
o texto citava o presidente. Ele
sugeriu uma nova redação, que
não foi aceita. Além dele, Coro-
nel Marcos Rocha (PSL), de Ron-
dônia, não avalizou a carta.

Jussara Soares
Marlla Sabino / BRASÍLIA

D


epois do pronuncia-
mento na noite de ter-
ça-feira, em que pe-
diu o fim do “confinamento
em massa” mesmo diante da
escalada dos casos de corona-
vírus, o presidente Jair Bolso-
naro voltou a mobilizar os
apoiadores tanto nas redes so-
ciais quanto na portaria do Pa-

lácio da Alvorada, sua residência
oficial. Desde a semana passada,
o número de pessoas que ficava
esperando Bolsonaro entrar e
sair da residência oficial havia di-
minuído. Houve dias com ape-
nas duas pessoas. Ontem, mes-
mo com chuva, a claque voltou
ao local. Eram 11 pessoas.
Foi diante deste grupo que
Bolsonaro questionou a presen-
ça da imprensa no local. “Im-
prensa, vocês estão aqui traba-

lhando. Tem que ficar em casa,
pô. Quarentena, pô. Fica em ca-
sa”, disse o presidente, pedindo
que a fala dele fosse gravado por
um auxiliar. No domingo, Bolso-
naro publicou um decreto que
incluiu a imprensa na lista de
serviços essenciais. Os apoiado-
res aplaudiram e gritaram: “É is-
so aí, Bolsonaro” e “Mito”.
O vídeo foi divulgado em gru-
pos de WhatsApp e nas redes
sociais a partir de perfis dos fi-

lhos do presidente (mais infor-
mações na pág. A12).
No último sábado, as orienta-
ções do próprio Ministério da
Saúde para o isolamento social
deixaram Bolsonaro, que com-

pletou 65 anos, sem o bolo de
aniversário que estava sendo
preparado para ele por apoiado-
res. A ideia era cantar o “Para-
béns pra Você” em frente ao Pa-
lácio da Alvorada, mas a pande-

mia do novo coronavírus es-
pantou os bolsonaristas.
Na segunda-feira passada,
por exemplo, apenas um ca-
sal esperava o chefe do Execu-
tivo pela manhã. Mesmo as-
sim, Bolsonaro desceu para
cumprimentá-los e falou
com a imprensa. Na terça-fei-
ra de manhã, somente duas
pessoas o aguardavam, mas
ele passou direto.
O pronunciamento em que
Bolsonaro voltou a chamar a
covid-19 de “gripezinha” e pe-
diu para as pessoas voltarem à
normalidade foi feito na noite
de terça-feira. Bastou para
que no dia seguinte um grupo
de nove pessoas fosse até à re-
sidência oficial. Ao presiden-
te, os apoiadores afirmaram
que estavam lá motivados jus-
tamente pelo seu discurso em
cadeia de rádio e televisão.

lO governo federal lançou a
campanha “O Brasil não pode
parar” para defender a flexibiliza-
ção do isolamento social no com-
bate ao novo coronavírus.

Governador do Rio diz


que Bolsonaro deveria


buscar consenso para o


combate à disseminação


do coronavírus no País


Moraes veta item de MP que restringe Lei de Acesso à Informação. Pág. A12 }


Estados pedem


união a presidente


Zema mantém pé


no bolsonarismo


ALEX SILVA/ESTADAO -4/3/

Goiás. Antigo aliado, Caiado rompeu com o presidente


‘Por que Guedes


pode tudo e


Mandetta não?’


Governador goiano diz


que, diante da crise atual,


ministro da Saúde deve


ter a mesma autonomia


que colega da Economia


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 25/3/

Fotos. Bolsonaro com apoiadores na porta do Alvorada


Pós-pronunciamento


Campanha contra


isolamento social


WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Rio. Para Witzel, presidente governa olhando para sucessão


‘Presidente só


pensa na eleição


de 2022’


Wilson Witzel (PSC), governador do Rio


‘O presidente sou eu’, afirma Bolsonaro


Declaração foi dada ao ser questionado sobre vice, Hamilton Mourão, que defendeu quarentena; para presidente, brasileiro ‘não pega nada’


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