O Estado de São Paulo (2020-03-27)

(Antfer) #1

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A12 Política SEXTA-FEIRA, 27 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ELIANE


CANTANHÊDE


U


ma pergunta sobrevoa os
ares de Brasília nesses tem-
pos de coronavírus: por que,
com toda a tragédia e péssimas pre-
visões para a economia, o presiden-
te Jair Bolsonaro não dá um tempo
nas suas guerras pessoais e assume
mínima postura de estadista? A res-
posta inevitável é o temperamento
incontrolável do presidente, mas is-
so é só uma parte da explicação.
Além da incapacidade de ouvir a
própria assessoria, da mania de per-
seguição e da inveja de quem brilhe
mais do que ele, o presidente tem
motivações políticas e econômicas

para a radicalização e o confronto, co-
mo no fatídico pronunciamento em
que mandou às favas o isolamento so-
cial para se concentrar na economia.
Os dois não são excludentes, mas isso
é outra história.
Bolsonaro quer jogar a culpa da crise
na mídia, governadores, prefeitos, Con-
gresso, STF e até na China, porque te-
me perder apoio da base (aliás, do to-
po) bolsonarista – grande capital, em-
presariado e a tropa da internet. Logo,
começou a bater o pânico de não ter gás
para 2022. Com a economia derreten-
do, ou derretida, fica tudo mais difícil.
Há, também, outros fatores nas ma-

nifestações erráticas de Bolsonaro.
Além de seu “passado de atleta”, de ter
sobrevivido a uma facada e não temer
“gripezinhas” e “resfriadinhos”, como
esse tal de coronavírus, ele não é ho-
mem de esperar calado os ataques que
imagina vindo de toda a parte. Sobretu-
do da esquerda, pretexto para tudo.
Antes mesmo da chegada do coro-
navírus ao Brasil, Bolsonaro já temia
manifestações de rua, a exemplo do
Chile. A esquerda, tão recolhida e tão
morna desde a posse do novo gover-

no, no ano passado, estaria se articu-
lando para “dar o bote” no melhor
momento – que corresponderia ao
pior momento do presidente.
Forças Armadas, Ministério da Justi-
ça e Segurança Pública e Agência Brasi-
leira de Inteligência (Abin) monito-

ram e acompanham riscos de even-
tuais distúrbios. Em avaliações inter-
nas, esses riscos já existiam e podem
ser potencializados pela pandemia,
quebradeira de empresas e o horizonte
de milhões a mais de desempregados.
Assim, o Ministério da Defesa mon-
tou dez comandos de emergência, ofi-
cialmente para a necessidade de Exérci-
to, Marinha e Aeronáutica virem a en-
trar no combate à doença, mas também
como prevenção para o caso de convul-
são social provocada pela realidade e
instrumentalizada pela esquerda, com
manifestações, saques e tumultos.
Bolsonaro teria uma certa obsessão
com isso, achando que, mais cedo ou
mais tarde, algo assim possa ocorrer e
enfraquecer sua autoridade e sua posi-
ção de presidente. O que não percebe é
que o ex-presidente Lula, o PT e seus
satélites não estão com essa bola toda e
ações radicais seriam rechaçadas maci-
çamente pela sociedade. Assim, quem
tem trabalhado incansavelmente para
enfraquecer sua autoridade e sua posi-

ção é o próprio Bolsonaro.
Após ambientalistas, estatísticos,
jornalistas, professores, governado-
res, presidentes de outros países
Congresso, STF e as áreas de Direi-
tos Humanos, pesquisa e Cultura,
ele bate de frente de novo com a
ciência e inclui a área de saúde, ao
minimizar o coronavírus, apesar de
todas as evidências, e defender a tro-
ca do isolamento social por um “iso-
lamento vertical”, apesar de todos
os protocolos da OMS que o Minis-
tério da Saúde e os Estados seguem.
Bolsonaro teria se saído muito me-
lhor se ouvisse mais seus generais e
assessores, menos Carlos Bolsonaro
e o “gabinete do ódio”, e tivesse feito
o discurso da prioridade zero, um,
dois e três para o combate ao corona-
vírus e para salvar vidas, mas sem
perder a perspectiva de preservar o
possível da economia, das empresas
e do emprego. O velho e bom equilí-
brio. O capitão, porém, prefere sair
atirando. Inclusive no próprio pé.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Bolsonaro teme crise na


economia e nas ruas, com derrota


em 2022. E busca culpados


Pepita Ortega


Fausto Macedo


Paulo Roberto Netto


O ministro Alexandre de Mo-


raes, do Supremo Tribunal


Federal, suspendeu ontem


item da medida provisória


que impõe restrições à Lei de


Acesso à Informação durante


a pandemia do coronavírus.


O trecho derrubava o prazo


para que a administração pú-


blica atendesse a solicitações


feitas via Lei de Acesso, que


determina o máximo de 30


dias para respostas a deman-


das de qualquer cidadão. Pa-


ra Moraes, o artigo “pretende


transformar a exceção – o sigi-


lo de informações – em regra,


afastando a plena incidência


dos princípios da publicida-


de e da transparência”.


A decisão do ministro do Su-


premo atendeu a pedido da Or-


dem dos Advogados do Brasil


(OAB), que alegou “cerceamen-


to aos direitos constitucionais à


informação”. Rede e PSB tam-


bém questionaram o texto na


Corte. Houve ainda reação de


entidades de jornalismo, como


a Associação Nacional de Jor-


nais (ANJ), e de transparência à


MP do presidente Jair Bolsona-


ro, que foi publicada na segun-


da-feira à noite em edição extra


do Diário Oficial da União.


Além da suspensão do prazo


de resposta, o trecho vetado


por Moraes previa a necessida-


de de reiterar o pedido após o


fim do estado de calamidade de-


cretado por causa do coronaví-


rus e indicava que recursos apre-


sentados contra negativas às so-


licitações seriam rejeitados.


“A publicidade específica de


determinada informação so-


mente poderá ser excepciona-


da quando o interesse público


assim determinar. Portanto, sal-
vo situações excepcionais, a ad-
ministração pública tem o de-
ver de absoluta transparência
na condução dos negócios públi-
cos”, afirmou o ministro. Ainda
segundo Moraes, o item inverte
“a finalidade da proteção consti-
tucional ao livre acesso de infor-
mações a toda sociedade”.
Pela MP, estariam livres de
cumprir os prazos para respos-
tas todos os órgãos que tiverem
seus servidores submetidos a re-
gime de quarentena, teletraba-
lho ou que dependam de acesso
presencial para poder respon-
der ao pedido de informação.
De acordo com o texto, todo pe-
dido negado sob a justificativa
de que o funcionário está em iso-
lamento em função da pande-
mia ou em home office não teria
possibilidade de recurso.
Moraes diz ainda na decisão

que “a participação política
dos cidadãos em uma demo-
cracia representativa somen-
te se fortalece em um ambien-
te de total visibilidade e possi-
bilidade de exposição crítica
das diversas opiniões sobre as
políticas públicas adotadas pe-
los governantes”.
“A Constituição consagrou
expressamente o princípio da
publicidade como um dos veto-
res imprescindíveis à adminis-
tração pública, conferindo-lhe
absoluta prioridade na gestão
administrativa. À consagração
constitucional de publicidade e
transparência corresponde a
obrigatoriedade do Estado em
fornecer as informações solici-
tadas, sob pena de responsabili-
zação política, civil e criminal,
salvo nas hipóteses constitucio-
nais de sigilo”, escreveu o minis-
tro do Supremo.
A justificativa do governo pa-
ra adotar a medida é concentrar
esforços no enfrentamento à
pandemia do novo coronaví-
rus. Ao Estado, o ministro da
Contralodoria-Geral da União
(CGU), Wagner Rosário, afir-
mou que a intenção da medida
provisória é “resguardar” os ser-
vidores e que vai divulgar volun-
tariamente todos os gastos
emergenciais do governo.
“Quando você pede informa-
ção para um hospital lá na pon-
ta, não tem equipe da Lei de
Acesso à Informação para res-
ponder. É o pessoal que está
atendendo. Então criamos essa
suspensão para que possam ser
respondidos assim que acabar
esse período de emergência”,
disse o ministro.
A suspensão valeria até o fim
do estado de calamidade públi-
ca, decretado no último dia 20,
com prazo para vigorar até o
fim do ano.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


O delegado Lindinalvo Alexan-
drino de Almeida Filho, supe-
rintendente da PF em São
Paulo, está internado
no Hospital Sírio-Li-
banês, com quadro
de pneumonia, e
aguarda resultado
de exame para sa-
ber se está com a
covid-19. Na semana
passada, David Uip –
que está com o novo coro-
navírus – esteve na sede da cor-
poração na Lapa. A PF trabalha
em regime de restrição de aten-
dimento presencial.

Dispositivo suspendia os prazos para que a administração pública


atendesse a pedidos de informações durante pandemia da covid-


O juiz federal Marcelo Bretas,
da Lava Jato Rio, colocou o Da-
rio Messer, conhecido
como “doleiro dos
doleiros”, em prisão
domiciliar, aten-
dendo à manifesta-
ção do Conselho
Nacional de Justi-
ça sobre o coronaví-
rus e decisão do mi-
nistro do Supremo
Tribunal Federal Gilmar
Mendes. Os advogados de Mes-
ser alegam que o doleiro está
no grupo de risco do novo coro-
navírus por ter 61 anos.

MARCOS CORRÊA/PR

A Associação Nacional de Edi-
tores de Revistas (Aner) e a As-
sociação Nacional de Jornais
(ANJ) reagiram com “indigna-
ção” e “perplexidade” às falas
de deboche do presidente Jair
Bolsonaro dirigidas à imprensa
ontem. “A triste provocação do
presidente escarnece de todos
aqueles que colocam a saúde
em risco para prestar um servi-
ço essencial aos brasileiros”,
diz nota das entidades. Mais
cedo, Bolsonaro questionou a
presença de jornalistas na por-
ta do Alvorada por risco de con-
taminação pela covid-19.

Isolamento vertical


Eduardo Cunha vai para prisão domiciliar


por causa de suspeita de coronavírus


A juíza substituta Gabriela
Hardt, da 13.ª Vara Federal de
Curitiba, colocou o ex-presi-
dente da Câmara Eduardo Cu-
nha (MDB-RJ) em prisão domi-
ciliar após o emedebista ser
submetido a um exame de coro-
navírus. Cunha realizou uma
cirurgia na semana passada no
Hospital Copa Star, no Rio,
com médico diagnosticado
com a covid-19. Cunha foi con-
denado na Lava Jato a 14 anos e
seis meses de prisão por propi-
na de 1,3 milhão de francos suí-
ços, fruto da compra de um

campo de petróleo na África
pela Petrobrás. Segundo a juí-
za, ainda não foi possível identi-
ficar todos os valores desvia-
dos relacionados a Cunha na
Lava Jato, mas sua situação de
saúde demanda prisão em casa.

l‘Transparência’


DOLEIRO


Aras quer os


R$ 51 mi de


Geddel na saúde


Mundo ultrapassa marca de 500 mil contaminados. Pág. A14 }


US$ 1,6 bi
MOVIMENTOU
ESQUEMA DE
DOLEIRO, DIZ
LAVA JATO

Entidades reagem a falas


de deboche de Bolsonaro


IMPRENSA


Chefe da Polícia Federal


em SP é internado


PNEUMONIA


WILTON JUNIOR / ESTADÃO-31/5/

LAVA JATO


Moraes veta item de


MP que restringe


Lei de Acesso


“A publicidade específica de
determinada informação
somente poderá ser
excepcionada quando o
interesse público assim
determinar. Portanto, salvo
situações excepcionais, a
administração pública tem
o dever de absoluta
transparência na condução
dos negócios públicos.”
Alexandre de Moraes
MINISTRO DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL

NA WEB
Documento. O
que Alexandre de
Moraes decidiu

estadao.com.br/e/moraeslai
6

Messer vai deixar cadeia


por ter mais de 60 anos


A Justiça do Rio decretou o blo-
queio de R$ 420,4 milhões de
26 réus da Operação Furna da
Onça, investigação de um es-
quema de corrupção envolven-
do políticos da Assembleia Le-
gislativa carioca nos governos
Sérgio Cabral e Luiz Fernando
Pezão, ambos do MDB. A deci-
são atinge um deputados esta-
dual, dez ex-parlamentares da
Alerj, um ex-secretário de Go-
verno, um ex-presidente do
Detran, um ex-vereador e ex-as-
sessores parlamentares. A deci-
são atendeu a pedido do Minis-
tério Público Federal.

Justiça do Rio bloqueia


R$ 450 mi de 26 réus


FURNA DA ONÇA


Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


A Procuradoria-Geral da Repú-
blica pediu ao Supremo Tribu-
nal Federal para manter na ca-
deia o ex-ministro Geddel Viei-
ra Lima (MDB), que cumpre pe-
na no Complexo Penitenciário
da Mata Escura, em Salvador,
pela condenação no caso do

bunker dos R$ 51 milhões. A
PGR também quer que o dinhei-
ro apreendido na operação seja
destinado ao combate à pande-
mia do novo coronavírus.
O procurador-geral da Repú-
blica, Augusto Aras, solicitou
que o dinheiro seja destinado
para a “aquisição de equipamen-
tos, materiais médicos ou de-
mais ações ou construções vol-
tadas ao combate à pandemia
do vírus covid-19”. Os pedidos
serão analisados pelo relator da
Operação Lava Jato no STF, mi-
nistro Edson Fachin.
Geddel foi preso preventiva-

mente em julho de 2017, após a
Polícia Federal apreender apro-
ximadamente R$ 51 milhões em
dinheiro em um apartamento
em Salvador. Em 2019, ele foi
sentenciado a 14 anos de prisão
por suposta associação crimino-
sa e lavagem de dinheiro, pela
Segunda Turma do STF.
A defesa de Geddel pediu que
ele deixasse a cadeia em Salva-
dor por ver risco de contágio pe-
lo novo coronavírus – o ex-mi-
nistro, segundo advogados, é
portador de doenças crônicas.
Aras, no entanto, se manifestou
contra a solicitação.

Presidente leva


remédio em teste


à reunião do G-


Mesmo sem eficácia comprovada
no tratamento do coronavírus, o
presidente Jair Bolsonaro levou
uma caixa de hidroxicloroquina à
reunião do G-20 que ocorreu on-

tem, por videoconferência, para
falar sobre a pandemia. Em ima-
gens divulgadas pelo Palácio do
Planalto, Bolsonaro aparece segu-
rando uma caixa do medicamento.

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