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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 27 DE MARÇO DE 2020 A
EUA acusam Maduro de narcotráfico e
oferecem US$ 15 milhões por sua prisão
MIGUEL GUTIÉRREZ ARCHIVO/EFE
Nas cordas. Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, em entrevista, em Caracas: pressão cada vez maior do governo americano contra o regime chavista
Internacional
WASHINGTON
Os EUA indiciaram ontem o
presidente da Venezuela, Ni-
colás Maduro, por narcotráfi-
co e ofereceram US$ 15 mi-
lhões por informações que
possam levar à sua prisão. Au-
toridades americanas acu-
sam Maduro de liderar um
cartel de drogas que inclui ou-
tros 13 membros do governo
venezuelano.
Além de Maduro, os EUA co-
locaram um preço de US$ 10
milhões pela cabeça de Diosda-
do Cabello, presidente da As-
sembleia Constituinte e núme-
ro dois do chavismo; Hugo Car-
vajal, ex-diretor da inteligên-
cia do Exército; Clíver Alcalá,
general reformado; e Tareck El
Aissami, vice-presidente para
a área econômica.
“Eles são acusados de terem
participado de uma associação
criminosa que envolve uma or-
ganização terrorista extrema-
mente violenta, as Forças Arma-
das Revolucionárias da Colôm-
bia (Farc), e de um esforço para
inundar os EUA com cocaína”,
disse ontem o secretário de Jus-
tiça, William Barr, que calcula
que até 250 toneladas de cocaí-
na tenham sido enviadas aos Es-
tados Unidos com a proteção
do governo venezuelano.
Em Caracas, Maduro respon-
deu imediatamente, acusando
os EUA e a Colômbia de tenta-
rem mergulhar a Venezuela
“na violência”. O chanceler ve-
nezuelano, Jorge Arreaza, dis-
se que o indiciamento mostra
que o governo americano está
“desesperado”. “A decisão de
oferecer uma recompensa pela
captura de Maduro mostra a ob-
sessão dos EUA com a Venezue-
la”, disse Arreaza.
A acusação surge no momen-
to em que a oposição venezuela-
na, comandada pelo deputado
Juan Guaidó e apoiada pela Ca-
sa Branca, vem perdendo força,
especialmente após o surto de
coronavírus retirar as pessoas
dos protestos nas ruas.
Embora incomum, acusa-
ções de envolvimento de chefes
de Estado com o narcotráfico
não são novidade. Juan Orlan-
do Hernández, presidente de
Honduras, é investigado por la-
vagem de dinheiro e narcotráfi-
co – ele teria recebido milhões
de dólares em subornos de trafi-
cantes. Seu irmão, Antonio, ex-
deputado, está preso nos EUA,
onde está sendo julgado por ho-
micídio e tráfico de drogas.
O presidente do Suriname,
Desi Bouterse, foi condenado a
11 anos de prisão na Holanda,
por traficar 474 quilos de cocaí-
na. Ele seria líder do chamado
“Surikartel”, que envia drogas
do Brasil para a Europa. A Euro-
pol mantém um mandado de
prisão contra ele, que não teria
imunidade diplomática em ra-
zão de o crime ter sido cometi-
do antes de ele virar presidente.
No passado, os casos mais co-
nhecidos são de Manuel Norie-
ga, ex-ditador do Panamá, que
se envolveu com os cartéis co-
lombianos e acabou derrubado
após uma operação militar ame-
ricana, em 1989, e do general
boliviano Luis García Meza, co-
locado na presidência em 1980
após uma manobra conhecida
como “Golpe da Cocaína”.
Após assumir, seu ministro do
Interior, Luis Arce Gómez, co-
meçou a libertar contrabandis-
tas e narcotraficantes da ca-
deia, que se juntaram aos esqua-
drões da morte comandados
por Klaus Barbie, o “Carniceiro
de Lyon”, ex-diretor da Gesta-
po, que vivia foragido na Bolí-
via. / AP, NYT e W.POST
JERUSALÉM
O primeiro-ministro de Israel,
Binyamin Netanyahu, vem justi-
ficando o apelido de “Mágico”.
Quando tudo parecia perdido,
ele surgiu ontem mais perto de
se manter no poder, mesmo ten-
do sido indiciado por crimes de
suborno, fraude e quebra de
confiança. Benny Gantz, ex-che-
fe do Exército e líder do maior
partido de oposição, foi escolhi-
do como presidente do Parla-
mento.
Gantz fez campanha com a
promessa de tirar Netanyahu
do poder. Ontem, porém, ao
anunciar sua decisão, ele disse
que aceitaria participar de um
governo de “emergência nacio-
nal” liderado por Bibi. “São tem-
pos incomuns”, disse o ex-gene-
ral, que alegou ser sua obriga-
ção unir o país contra a pande-
mia de coronavírus. “Não é ho-
ra de divisões. É preciso dar as
mãos e tirar Israel da crise.”
A decisão de Gantz foi consi-
derada como traição dentro do
partido Azul e Branco. Para os
aliados de Netanyahu, a mudan-
ça justifica a fama do premiê, de
um político que não pode nunca
ser subestimado. Nos últimos
12 meses, Israel passou por três
eleições com resultados pareci-
dos – Bibi e Gantz dividindo
50% dos votos, enquanto outra
metade era fragmentada entre
partidos menores. Ninguém
conseguiu maioria para formar
um governo.
Durante o impasse político,
Netanyahu ridicularizou Gantz,
questionou sua sanidade men-
tal e seu patriotismo. Ontem,
conseguiu cooptar o rival e prati-
camente assegurou um quarto
mandato – decisão que rachou
ao meio o partido Azul e Branco.
Duas figuras importantes, Yair
Lapid e Moshe Yaalon, critica-
ram o ex-general e formaram
um facção nova no Parlamento.
“O que está sendo formado
em Israel não é um governo de
emergência nacional, nem um
governo de união nacional. É
um outro governo de Netanya-
hu. Benny Gantz se rendeu sem
lutar e rastejou na direção de
Netanyahu”, disse Lapid.
Anshel Pfeffer, analista israe-
lense, disse que a decisão de
Gantz tem uma explicação sim-
ples. “Por que Gantz desistiu?
Porque ele está cansado. Qual-
quer um ficaria após 14 meses
sendo achincalhado e humilha-
do por Netanyahu”, disse. “Ago-
ra, a maioria dos israelenses
quer um governo de união para
combater a pandemia de coro-
navírus.”
O papel de Gantz no novo go-
verno, no entanto, ainda não es-
tá claro, assim como a configu-
ração das novas forças no Parla-
mento após o racha do partido
Azul e Branco. Até agora, Israel
teve confirmados mais de 2,
mil casos de coronavírus e regis-
trou 8 mortos. Os israelenses es-
tão em confinamento e só po-
dem sair para comprar artigos
de primeira necessidade e so-
mente com autorização. / AFP
CRONOLOGIA
Rival aceita formar governo de união com Netanyahu
2000
Plano Colômbia
EUA começam a enviar bi-
lhões de dólares em ajuda ao
governo colombiano, que
pressiona as duas guerrilhas –
Farc e ELN. Ambas movem
suas operações para dentro
da Venezuela. Hugo Chávez
(foto) desconfia da ajuda ao
país vizinho e vê na medida
uma ação conjunta contra ele.
2002
O golpe de abril
Após sobreviver a uma tentati-
va de golpe, Chávez radicaliza
a revolução bolivariana. Te-
mendo uma invasão, ele envia
a Guarda Nacional para a fron-
teira com a Colômbia, que já
estava infestada de narcotrafi-
cantes, expondo os militares a
um contato fatal.
2002
Militarização do Estado
Desconfiado da elite de funcio-
nários públicos, Chávez promo-
ve um expurgo nas Forcas Ar-
madas e na PDVSA, estatal do
petróleo. Os militares, que já
estavam em contato com o nar-
cotráfico, agora tomam conta
do Estado.
2010
Subornos
Em seu indiciamento nos
EUA, o traficante Walid Mak-
led diz que pagava propina a
40 generais e altos funcioná-
rios do governo. Makled apre-
sentou documentos assinados
por generais e ministros.
2015
‘Narcosobriños’
Dois sobrinhos de Maduro,
Efraín Flores e Francisco
Flores, são presos no Haiti,
acusados de traficar 800 qui-
los de cocaína para os EUA.
Em 2017, eles foram conde-
nados a 18 anos de cadeia.
2017
Alto comando
Ex-vice-presidente Tareck
El Aissami é listado como
narcotraficante pelo Depar-
tamento do Tesouro.
DAN BALILTY/THE NEW YORK TIMES
Decisão de Benny Gantz
foi considerada traição
por aliados e abre
caminho para que Bibi
permaneça no poder
Crítica. Decisão de se unir a premiê rachou partido de Gantz
Indiciamento. Washington afirma que presidente da Venezuela e outros 13 membros do regime chavista participaram de associação
criminosa com envolvimento de guerrilheiros colombianos que pode ter inundado território americano com até 250 toneladas de cocaína
O avanço de um
narcoestado
KIMBERLY WHITE/REUTERS-17/1/
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