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B1 SEXTA-FEIRA, 27 DE MARÇO DE 2020 INCLUI CLASSIFICADOS O ESTADO DE S. PAULO
E&N
ECONOMIA & NEGÓCIOS
Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central
‘País não escapará de transferir
renda a quem for mais atingido’
“O momento exige respostas
rápidas e consistentes. O go-
verno federal possui instru-
mentos para minimizar os efei-
tos da grave crise provocada
pela pandemia do covid-19.
Do lado do Banco Central,
além do estímulo monetário,
o objetivo deve ser assegurar
a liquidez do sistema financei-
ro e o adequado funcionamen-
to do mercado de crédito.
As medidas já anunciadas
estão na direção correta, mas
são insuficientes. A prioridade
imediata deve ser a aprovação
da proposta de empréstimo
com lastro em letras financei-
ras garantidas por operações
de crédito, tal como proposto
pelo presidente do Banco Cen-
tral e em linha com o que já
foi adotado por outras autori-
dades monetárias.
Do lado do orçamento fiscal,
além da ampliação dos gastos
com saúde, o objetivo deve
ser a preservação da renda das
famílias por meio de ações
que permitam a transferência
imediata de recursos pela re-
de de proteção social já exis-
tente, utilizando programas
como o Bolsa Família e o Auxí-
lio Desemprego. No que diz
respeito às pequenas e médias
empresas, parece-me que a
alternativa mais eficiente
para surtir efeitos de curto
prazo seria a suspensão
temporária das obrigações
tributárias, aliada a uma li-
nha de crédito do BNDES,
condicionada à manuten-
ção do nível atual de empre-
go.
O arcabouço legal vigen-
te já permite a elevação da
despesa primária do gover-
no federal via créditos ex-
traordinários, cuja utiliza-
ção é restrita a despesas ur-
gentes, relevantes e não pre-
vistas no orçamento. É fun-
damental que a expansão
fiscal seja restrita a gastos
temporários e acompanha-
da de medidas legais que
reforcem a situação fiscal
de longo prazo, notadamen-
te a aprovação da Emenda
Constitucional n.º 186
(PEC Emergencial).” /
ADRIANA FERNANDES
Celso Ming
O Brasil já era um país mal or-
ganizado. A pandemia do co-
ronavírus apenas começou
por aqui e a economia já ficou
ainda mais desorganizada. As
perguntas se multiplicam. Co-
mo ficamos? A seguir, alguns
dos campos em que as incerte-
zas se amontoam:
- Emprego, salário, fatura-
mento e renda. Com tanta
gente dispensada, comércio fe-
chado, ainda que temporaria-
mente, e pequenas e médias
empresas bloqueadas em seus
negócios, o que fazer diante
do inevitável colapso do caixa
e dos resultados?
- PIB e produção industrial.
Estamos em março e, no entan-
to, as novas projeções são de
queda do PIB em 2020, e não
mais de crescimento de algu-
ma coisa em torno de 2%. Se
isso está assim na renda, imagi-
ne-se então o que vai aconte-
cer na poupança e no investi-
mento. E, quando vier, como
será a recuperação? Terá for-
mato de “V” ou será um “L”?
- Crédito e liquidez. Mesmo
com queda de custos e dos pre-
ços de insumos – como os do
petróleo – muitas empresas e
muitos endividados deixarão
de honrar seus compromis-
sos. Até que ponto os bancos
conseguirão manter abertas
suas linhas de crédito? E que
tipo de cobertura exigirão do
Banco Central? - Questão fiscal. As despesas
do Tesouro, que já vinham dis-
parando, agora enfrentam no-
vas e inadiáveis demandas por
verbas. São os organismos que
cuidam da Saúde, são os Esta-
dos, os municípios, as empre-
sas privadas mais atingidas, co-
mo as companhias aéreas. E há
os desempregados. Com o co-
lapso da produção, da renda e
do consumo e com a incapaci-
dade de pagar impostos, a arre-
cadação mergulhará. Feliz-
mente, incontáveis vidas pode-
rão ser salvas. Mas como serão
os estragos nas finanças públi-
cas?
- Inflação. Fora alguns casos
excepcionais, os preços vão
mergulhar e a inflação irá jun-
to. Ao longo de todo o ano, o
avanço do custo de vida pode
ficar abaixo dos 3%. - Aplicações financeiras. Os
juros básicos, que estão nos
3,75% ao ano, devem cair ainda
mais. O retorno das aplicações
em renda fixa ficará ainda
mais nanico. Enquanto isso, as
aplicações em renda variável,
especialmente ações, conti-
nuarão sujeitas a grande volati-
lidade. Tanto podem voltar a
afundar como podem dispa-
rar. Numa hora dessas, até
mesmo ativos considerados se-
guros estarão sujeitos a per-
das: moeda estrangeira, ouro,
imóveis.
- Mais perguntas em busca
de resposta. Como ficam a re-
posição das aulas suspensas
nas escolas, as férias escola-
res, as viagens interrompidas,
os pagamentos atrasados, dívi-
das não pagas, as competições
esportivas interrompidas?
Obviamente, ninguém tem res-
posta nesse momento para tan-
tas dúvidas. Mas perguntamos
a um grupo de economistas o
que o governo pode e precisa
fazer neste momento para evi-
tar uma catástrofe ainda
maior que essa que se avizi-
nha. A seguir, as respostas e
sugestões dos economistas.
‘Medidas são
corretas, mas
insuficientes’
“Dada a dimensão dos desa-
fios que temos pela frente,
estou plenamente de acor-
do com a proposta de nove
pontos, que foi formulada
em conjunto por Arminio
Fraga (sócio da Gávea Investi-
mentos e ex-presidente do
Banco Central), Vinicius Car-
rasco (economista-chefe da
StoneCo) e José Alexandre
Scheinkman (da Universida-
de Columbia, nos Estados Uni-
dos).
Nessa proposta, eles dão
alguns detalhes para uma
linha emergencial a ser ado-
tada pelo País neste momen-
to, que prevê, entre outras
medidas, um processo de
concessões que seja o mais
automático possível, para
evitar lobby e possíveis pres-
sões externas; um programa
que seja focado em mi-
croempresas e também nas
empresas de pequeno porte,
que tenham folha salarial;
concessão de crédito que
seja condicional à manuten-
ção dos empregos; previsão
de um período de carência
longo para os empréstimos
nas linhas emergenciais di-
retas.
A recessão, que já está em
curso neste momento, ainda
vai ser profunda e a recupera-
ção da economia brasileira vai
ser lenta. O País, portanto,
não vai poder escapar da ne-
cessidade de transferir renda
para aqueles brasileiros que
forem mais atingidos – e estes
serão muitos.
Inclusive, também é preciso
considerar nessa conta as pe-
quenas e as médias empresas,
que vão sentir os efeitos dessa
recessão.
O déficit público também
vai aumentar nesse período e
vai ser preciso elevar a dívida
pública em alguns pontos por-
centuais do Produto Interno
Bruto (PIB).
Lá na frente, quando este
momento difícil tiver sido fi-
nalmente superado, quem vai
pagar por isso seremos nós
mesmos, a sociedade.
No fim desse percurso, ha-
verá um novo desafio pela
frente: a necessidade de o
País fazer, nos próximos
anos, reformas muito mais
profundas do que aquelas
que se antecipava antes do
início desta crise da pande-
mia do novo coronavírus.” /
DOUGLAS GAVRAS
PONTO DE VISTA
Pedro Fernando Nery, economista
“O governo tem de erguer
um dique contra a pobreza.
Ele tem de fazer três coisas.
Zerar a fila do Bolsa Família.
Fazer transferências para os
‘por conta própria’ e infor-
mais impossibilitados de exer-
cer suas ocupações. E preser-
var os empregos formais, per-
mitindo que façam a travessia
para o pós-pandemia – a recu-
peração da economia será
pior se as empresas e as vagas
forem destruídas nesse perío-
do de crise.
O ponto de partida é o Ca-
dastro Único para Programas
Sociais – CadÚnico, que con-
ta com quase 80 milhões de
brasileiros. Essa é a tecnolo-
gia base do Bolsa Família,
que deve ser usada para trans-
ferir renda também para
quem hoje não é pobre o sufi-
ciente para estar no progra-
ma. Podemos chamar isso de
Bolsa Família ou não.
Muitos têm falado em ren-
da universal, mas na verdade
é uma renda garantida, por-
que não deve ser paga a todos
os brasileiros, mas somente
para os que precisarem para
possuir um nível mínimo de
renda. O CadÚnico também
terá de acolher nos próximos
meses novos cadastros, gente
que não precisava de progra-
ma social antes. Podem ser
dezenas de milhões, e pode
ser que em tenhamos mais da
metade da população brasilei-
ra nessa situação.
Isso exige recursos: emis-
são de dívida, corte de jorna-
da e remuneração de servido-
res estáveis, novas fontes de
arrecadação sobre os super
ricos – para cobrar já agora
ou pagar a conta da crise de-
pois.
Para socorrer a folha de sa-
lário das empresas, podemos
buscar recursos fora do orça-
mento: crédito dos bancos
públicos e privados, ou o col-
chão do FGTS. São sobras de
R$ 100 bilhões que não estão
sendo usados agora e não per-
tencem a ninguém individual-
mente. Dá pra ajudar a pagar
os salários dos celetistas mais
pobres por dois ou três me-
ses.” / MURILO RODRIGUES ALVES
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
O que fazer para amenizar os
efeitos do coronavírus na economia?
Eduardo Guardia, ex-ministro da Fazenda
‘É preciso um
dique contra
a pobreza’
O desafio da cadeias de produção e suas empresa na crise atual.. Pág. B5}
“Hoje, o presidente não man-
da mais nada, mas o Congres-
so deve aprovar um programa
emergencial de renda mínima
para quem mais precisa. Além
disso, os bancos públicos de-
vem entrar com linhas de
crédito para capital de giro
das empresas, com prazo de
carência e juros baixos, para
que elas continuem pagando
seus funcionários e para impe-
dir demissões em massa. Isso
seria urgente. O BNDES tem
R$ 100 bilhões em caixa, que
poderia usar rapidamente pa-
ra esse socorro. Além disso, se
a empresa receber dinheiro
público, não vai poder demitir
durante esse período.
Uma questão que agrava a
cri se atual é a falta de diálogo
entre o presidente e o Con-
gresso. O presidente deveria
parar de querer atrapalhar o
que os governadores e os par-
lamentares estão fazendo.
Acredito que, passada essa
crise, o neoliberalismo, que
estava ganhando um novo fôle-
go nos últimos anos, vai ser
sepultado por um bom tempo
tanto no Brasil quanto no
mundo inteiro. O liberalismo
clássico acabou depois das
guerras mundiais, as funções
do Estado na economia foram
sendo ampliadas depois
dos conflitos e foi preciso
que os países montassem
uma rede mínima de prote-
ção individual. Nos anos
seguintes, se começou a
constituir de forma mais
ampla o estado de bem-es-
tar social e o Estado assu-
miu o papel de regulador
da atividade econômica.
Houve um primeiro cho-
que do pensamento neoli-
beral em 2008 e agora as
sociedades vão aprender a
importância dos serviços
públicos e que “a mão invi-
sível do mercado” não pas-
sa álcool em gel. Claro,
vão sobreviver uns doidos
gritando o contrário, mas
serão minoria. A crise do
coronavírus será para o
neoliberalismo o mesmo
que a queda do Muro de
Berlim, em 1989, foi para o
comunismo.” / D.G.
A pandemia do novo coronavírus deixou a economia brasileira ainda mais desorganizada. Há incerteza sobre temas como emprego, salário
e PIB, além da questão fiscal. Economistas ouvidos pelo ‘Estado’ apontam rumos para uma recuperação após o vírus ser controlado
Fechado. Homem anda pelas ruas do centro de São Paulo
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 22 /5/2019
WERTHER SANTANA/ESTADÃO - 23/5/ 2019
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL - 3/10/2018
José Luis Oreiro, economista da UnB
‘Neoliberalismo
será sepultado
por um tempo’
NELSON ALMEIDA / AFP-24/3/2020
FABIO MOTTA/ESTADÃO - 16/7/2015
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