O Estado de São Paulo (2020-03-27)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-12:20200327:


B12 Economia SEXTA-FEIRA, 27 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Uma depressão ainda maior?


l]
NOURIEL
ROUBINI

O


choque da covid-19 na eco-
nomia global foi mais rápi-
do e mais severo que a Crise
Financeira Global de 2008 (GFC,
na sigla em inglês) e até mesmo que
a Grande Depressão. Nos dois episó-
dios anteriores, as Bolsas de Valores
caíram em 50% ou mais, os merca-
dos de crédito congelaram, grandes
falências se sucederam, as taxas de
desemprego saltaram acima de 10%
e o PIB se contraiu a uma taxa anuali-
zada de 10% ou mais. Mas tudo isso
levou cerca de três anos para aconte-
cer. Na crise atual, resultados ma-
croeconômicos e financeiros igual-
mente terríveis se materializaram
em três semanas.
No início deste mês, foram neces-
sários apenas 15 dias para o merca-
do de ações dos Estados Unidos
despencar para um território de bai-
xa (um declínio de 20% em relação
ao pico, o mais rápido já registra-
do). Agora, os mercados já caíram
35%, os mercados de crédito se pa-
ralisaram e os spreads de crédito
(como os de títulos indesejados)
subiram para os níveis de 2008. Até
mesmo as empresas financeiras
mainstream, como Goldman Sach-
s, JP Morgan e Morgan Stanley, es-
peram que o PIB americano caia a
uma taxa anualizada de 6% no pri-
meiro trimestre e de 24% a 30% no
segundo. O secretário do Tesouro
dos Estados Unidos, Steve Mnu-
chin, alertou que a taxa de desem-
prego pode subir para mais de 20%
(o dobro do maior nível registrado
durante a GFC).
Em outras palavras, todos os com-
ponentes da demanda agregada –
consumo, investimento em bens de
capital, exportações – estão em uma
queda livre sem precedentes. Ainda

que a maioria dos comentaristas prefi-
ra antecipar uma desaceleração em for-
ma de V – com a produção caindo acen-
tuadamente por um trimestre e se recu-
perando rapidamente no próximo –,
agora já deveria estar bem claro que a
crise da covid-19 é uma coisa completa-
mente diferente. A contração que está
em andamento não parece ter forma
de V, nem de U, nem mesmo de L (desa-
celeração acentuada seguida de estag-
nação). Pelo contrário, parece um I:
uma linha vertical que representa os
mercados financeiros e a economia
real em queda.
Nem mesmo durante a Grande De-
pressão e a Segunda Guerra Mundial a
maior parte da atividade econômica
foi literalmente fechada, como está
ocorrendo na China, nos Estados Uni-
dos e na Europa nos dias de hoje. O
melhor cenário seria uma desacelera-
ção mais severa que a GFC (em termos
de redução da produção global), mas
de vida mais curta, possibilitando um
retorno ao crescimento positivo até o
quarto trimestre deste ano. Nesse ca-
so, os mercados começariam a se recu-
perar assim que aparecesse a luz no
fim do túnel.
Mas o melhor cenário pressupõe vá-
rias condições. Primeiro, os Estados
Unidos, a Europa e outras economias
fortemente afetadas precisariam im-
plementar vastas medidas de teste, ras-
treamento e tratamento da covid-19,
quarentenas forçadas e um bloqueio
generalizado do tipo que a China im-
plementou. E, como pode levar 18 me-
ses para que uma vacina seja desenvol-
vida e produzida para toda a popula-
ção, antivirais e outros medicamentos
precisariam ser introduzidos em larga
escala.
Segundo, os formuladores de políti-
cas monetárias – que já fizeram em me-
nos de um mês o que demoraram três
anos para fazer depois da CGF – preci-
sariam continuar tirando da cartola
medidas não convencionais para com-
bater a crise. Isso significa taxas de ju-

ros zero ou negativas; intensificação
do forward guidance (ou seja, mais cla-
reza por parte dos bancos centrais na sina-
lização da trajetória futura da taxa de
juros); flexibilização quantitativa; e fa-
cilitação do crédito (compra de ativos
privados) para ajudar bancos, institui-
ções financeiras não bancárias, fundos
do mercado monetário e até grandes
corporações (commercial papers – no-
tas promissórias comerciais – e títulos
privados). O Federal Reserve dos Esta-
dos Unidos expandiu suas linhas de
swaps para atender à enorme escassez
de liquidez em dólar nos mercados glo-
bais, mas agora precisamos de mais ins-
trumentos para incentivar os bancos a
emprestar a pequenas e médias empre-
sas sem liquidez, mas ainda solventes.
Terceiro, os governos precisariam
implantar estímulos fiscais maciços,
inclusive por meio de “dinheiro joga-
do de helicóptero”, ou seja, transferên-
cias diretas em dinheiro para as famí-
lias. Dado o tamanho do choque econô-
mico, os déficits fiscais nas economias

avançadas precisariam aumentar de 2
a 3% do PIB para cerca de 10% ou ainda
mais. Somente os governos centrais
têm balanços grandes e fortes o sufi-
ciente para impedir o colapso do setor
privado.
Mas essas intervenções financiadas
pelo déficit devem ser totalmente mo-
netizadas. Se elas forem financiadas
por meio da dívida pública padrão, as
taxas de juros subiriam acentuadamen-
te e a recuperação morreria sufocada
antes de sair do berço. Dadas as cir-
cunstâncias, as intervenções há muito
propostas pelos esquerdistas da esco-
la da Teoria Monetária Moderna, entre
elas o “dinheiro de helicóptero”, torna-
ram-se mainstream.
Infelizmente, a reação da saúde pú-
blica nas economias avançadas ficou
muito aquém do necessário para con-
ter a pandemia, e o pacote de políticas
fiscais hoje em debate não está amplo
nem rápido o suficiente para criar con-
dições para uma recuperação oportu-
na. Assim, o risco de uma nova Grande
Depressão pior que a original – uma
Depressão Ainda Maior – aumenta a
cada dia.
A menos que a pandemia seja inter-
rompida, as economias e os mercados
do mundo todo continuarão em queda
livre. Mas, mesmo que a pandemia seja
mais ou menos contida, o crescimento
geral não retornará até o fim de 2020.
Afinal, até lá, é provável que comece
outra temporada de vírus, com novas
mutações; intervenções terapêuticas
com as quais muitos estão contando
podem se mostrar menos eficazes do
que se espera. Assim, as economias se
contrairão mais uma vez, e os merca-
dos cairão mais uma vez.
Além disso, a resposta fiscal pode
chegar a um limite se a monetização de
déficits maciços começar a gerar infla-
ção alta, especialmente se uma série de
choques negativos na oferta, relaciona-
dos ao vírus, reduzir o crescimento po-
tencial. E muitos países simplesmente
não conseguem fazer esses emprésti-
mos em sua própria moeda. Quem so-
correrá governos, corporações, bancos
e famílias em mercados emergentes?
De qualquer forma, mesmo que a

pandemia e as consequências econô-
micas forem controladas, a econo-
mia global ainda poderia se ver sujei-
ta a vários riscos da chamada cauda
de “cisne branco”. Com a eleição
presidencial americana se aproxi-
mando, a crise da covid-19 dará lu-
gar a novos conflitos entre o Ociden-
te e pelo menos quatro potências re-
visionistas: China, Rússia, Irã e Co-
reia do Norte, que já estão se valen-
do da ciberguerra assimétrica para
minar os Estados Unidos por den-
tro. Os inevitáveis ataques cibernéti-
cos ao processo eleitoral americano
podem gerar contestação do resulta-
do final, com acusações de “manipu-
lação” e possibilidade de violência e
desordem civil.
De maneira similar, como já argu-
mentei em outra ocasião, os merca-
dos estão subestimando enorme-
mente o risco de uma guerra entre
os EUA e o Irã ainda este ano; a dete-
rioração das relações sino-america-
nas vem se acelerando, pois um lado
culpa o outro pela escala da pande-
mia da covid-19. É provável que a
atual crise precipite a balcanização
e o esfacelamento da economia glo-
bal nos próximos meses e anos.
Essa trindade de riscos – pande-
mias não contidas, arsenais de políti-
ca econômica insuficientes e cisnes
brancos geopolíticos – será o bastan-
te para jogar a economia global em
uma recessão persistente e produ-
zir um colapso descontrolado do
mercado financeiro. Depois do
crash de 2008, uma resposta forte
(ainda que demorada) afastou a eco-
nomia global do abismo. Pode ser
que não tenhamos tanta sorte desta
vez. / TRADUÇÃO RENATO PRELORENTZOU

]
PROFESSOR DE ECONOMIA NA STERN
SCHOOL OF BUSINESS DA UNIVERSIDADE
DE NOVA YORK E PRESIDENTE DA ROUBI-
NI MACRO ASSOCIATES, FOI ECONOMIS-
TA PARA ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO
CONSELHO DE ASSESSORES ECONÔMICOS
DA CASA BRANCA N O GOVERNO CLINTON.
TRABALHOU PARA O FMI, FED E O BANCO
MUNDIAL

Descontos


online para


facilitar


a sua vida


No site e no aplicativo estão disponíveis diversas ofertas online.


Descontos em:


FARMÁCIAS–RESTAURANTES-LOJAS–SERVIÇOS–CURSOS–BEM-ESTAR


E muito mais!


Fique em casa e economize!


Estamos juntos na luta contra


o coronavírus.


Ainda não faz parte doClube+Estadão?


Acesse: assine.estadao.com.br/clubemais


ou ligue 0800 770 2166 e faça sua assinatura*


*Válidosomenteparaassinaturadigitalcompletaouimpresso
(finsdesemanaetodososdias).Imagensmeramenteilustrativas.

BaixeagoraoappdoClube+Estadão:


Para Rubens Ometto, da Cosan, há muitas incertezas sobre a crise. Pág. B14}


JEENAH MOON / REUTERS-16/3/2020

Pacote. Medidas debatidas não
são amplas recuperação oportuna

Artigo


i
Free download pdf