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A10 Política SÁBADO, 28 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Bruno Ribeiro
O governador de São Paulo,
João Doria (PSDB), fez um dis-
curso repleto de críticas ao presi-
dente Jair Bolsonaro em respos-
ta à campanha em defesa da reto-
mada das atividades comerciais
do País. “O Brasil precisa discu-
tir quem será o fiador das mor-
tes no Brasil”, disse Doria. O pro-
nunciamento ocorreu durante
vistoria das obras do hospital de
campanha que está sendo cons-
truído no Estádio do Pacaembu.
Ainda durante a madrugada
de ontem, Doria registrou um
boletim de ocorrência após rece-
ber telefonema com ameaças de
morte, segundo informou o Palá-
cio dos Bandeirantes. A seguran-
ça do governador foi reforçada e
a Polícia Civil apura a origem da
ameaça. O governador paulista
acusou o chamado “gabinete do
ódio”, grupo de assessores que
trabalha no Palácio do Planalto,
de orquestrar a série de ameaças
que disse ter recebido na noite
anteontem. Ele afirmou tam-
bém “não ter medo” de Bolsona-
ro, citando pelos apelidos os fi-
lhos do presidente Flávio, Eduar-
do e Carlos.
Com tom de voz ríspido, Doria
afirmou que a administração fe-
deral é formada por dois gover-
nos: um que acertava as ações de
saúde e outro que não. “O Brasil
precisa de união, não de ódio, não
é hora fazer política, fazer campa-
nha, propagar ideologismos.”
Ele afirmou que a recomenda-
ção pelo isolamento social vi-
nha do próprio Ministério da
Saúde e que há mais de 50 paí-
ses adotando quarentena como
estratégia contra a doença. “O
mundo inteiro está errado e o
único certo é o presidente Jair
Bolsonaro?”, questionou o go-
vernador, para quem “o Brasil
pode parar para lamentar a irres-
ponsabilidade de alguns e a mor-
te de muitos”. “Não é racional
fazer política com a saúde e a
vida das pessoas, especialmen-
te as mais pobres.”
Doria também pediu atenção
à cidade de Milão, na Itália, que
teve uma campanha há algumas
semanas contrária às ações de fe-
chamento de bares e que, on-
tem, se desculpou. “São 4.
italianos mortos”, afirmou, para
depois dizer: “A política que ma-
ta pessoas não salva economia.”
O governador afirmou ainda
que caminhoneiros, que vêm di-
vulgando vídeos com queixas
às ações de isolamento, pode-
rão usar os postos de pesagem
nas rodovias do Estado como
áreas de descanso.
Durante a agenda, ele divul-
gou repasses para a Prefeitura
de São Paulo, que montou dois
hospitais de campanha. O pre-
feito de São Paulo, Bruno Covas
(PSDB), também rebateu Bolso-
naro, que disse que prefeitos e
governadores deveriam ser co-
brados pelo pagamento de en-
cargos trabalhistas. “Estamos
mais preocupados com o artigo
121 do Código Penal, que trata
de homicídio”, afirmou Covas.
O Boletim de Ocorrência fei-
to por Doria e registrado pela De-
legacia de Operações Policiais
Estratégicas (Dope) diz que “as
ameaças foram dirigidas ao tele-
fone celular do governador e da-
vam conta, em tom ameaçador,
de que atos seriam realizados
em frente à sua residência pes-
soal”. Em nota, o Palácio dos
Bandeirantes informou que “a
Polícia Civil investiga o caso e o
governador colabora com a in-
vestigação”.
Doria disse ter recebido “cen-
tenas” de mensagens na noite
de anteontem após assistir ao
Jornal Nacional da TV Globo.
Depois, outras dezenas de tele-
fonemas, que tratavam da inva-
são de sua casa. O governador
classificou o episódio relatado
à Polícia Civil paulista como
uma “ação determinada não
apenas por robôs como por ins-
truções certamente partidas do
dito ‘gabinete do ódio’ em Brasí-
lia, que nos últimos 15 meses só
tem produzido conflagrações,
atritos, bobagens, erros e insta-
bilidade na vida do País”.
“(Vou) Aproveitar para dizer
também para bolsomínios, bolso-
naristas, ameaçadores, agresso-
res como estes que estão aí fora
gritando, que eu não tenho medo
de cara feia, não tenho medo de
zero um, zero dois, zero três, zero
quatro, não tenho medo de Bolso-
naro”, completou. Conforme Do-
ria, a Polícia Civil está investigan-
do o caso e monitorando os tele-
fonemas e WhatsApp.
‘Papagaio’. Em entrevista ao
programa Brasil Urgente, da
Band, Bolsonaro reagiu às de-
clarações do governador pau-
lista. “Ouvi poucos segundos.
Eu tenho o que fazer. Não vou
ficar ouvindo esse cidadão aí
dando entrevista, ele virou um
papagaio de auditório. Está o
tempo todo dando entrevis-
ta.”, afirmou. “No meu enten-
der, São Paulo não está no cami-
nho certo. A população já en-
tendeu que ele exagerou na do-
se, espero que dê para ele um
comprimido de humildade pa-
ra ele poder conduzir esse Esta-
do maravilhoso.”
Jussara Soares
Julia Lindner / BRASÍLIA
O governo federal divulgou
uma campanha publicitária
chamada “O Brasil não pode
parar” para estimular que
pessoas deixem as suas casas
em meio à pandemia de coro-
navírus e voltem a trabalhar.
A iniciativa faz parte da estra-
tégia do Palácio do Planalto
para reforçar a narrativa do
presidente Jair Bolsonaro de
que é preciso retomar as ativi-
dades para reduzir os impac-
tos na economia. A orienta-
ção vai na contramão das re-
comendações de organismos
de saúde mundo afora, que de-
fendem a quarentena como
forma mais eficaz de evitar a
propagação da doença. Parla-
mentares e prefeitos amea-
çam ir à Justiça contra a publi-
cidade oficial.
A campanha também contra-
ria restrições impostas – em
maior ou menor escala – nos 27
Estados e ao menos 23 capitais
do País, como fechamento de es-
colas, lojas e igrejas. Segundo re-
portagem da rede britânica BBC,
cerca de 70 países no mundo de-
cretaram algum tipo de medida
de isolamento. De acordo com a
agência France Presse, as restri-
ções atingem pelo menos 2,8 bi-
lhões de pessoas, o que represen-
ta mais de 1/3 da população mun-
dial. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) não tem um levan-
tamento oficial.
A senha para que apoiadores
de Bolsonaro difundisse a cam-
panha foi dada ainda na quarta-
feira, quando o governo divul-
gou uma postagem no Insta-
gram com a hashtag #OBrasil-
NãoPodeParar”. “A quase totali-
dade dos óbitos se deu com ido-
sos. Portanto, é preciso proteger
estas pessoas e todos os inte-
grantes dos grupos de risco,
com todo cuidado, carinho e res-
peito. Para estes, o isolamento.
Para todos os demais, distancia-
mento, atenção redobrada e mui-
ta responsabilidade. Vamos,
com cuidado e consciência, vol-
tar à normalidade”, diz o texto.
Na noite de quinta, um vídeo
com o mesmo mote e com a mar-
ca do governo federal foi divul-
gado pelo senador Flávio Bolso-
naro (sem partido-RJ), filho do
presidente, nas redes sociais. A
campanha começou a circular
em grupos bolsonaristas no
WhatsApp com a seguinte men-
sagem: “Vou passar de primeira
mão a propaganda que o gover-
no federal vai veicular a partir
de amanhã.” Integrantes do go-
verno também enviaram o ma-
terial para seus contatos.
O vídeo de 1 minuto e 27 segun-
dos mostra cenas de trabalhado-
res em atividades com um narra-
dor ao fundo repetindo o tema
da campanha. “Para ambulan-
tes, engenheiros, feirantes, arqui-
tetos, pedreiros, advogados, pro-
fessores particulares e prestado-
res de serviço em geral, o Brasil
não pode parar”, diz a narração.
A propaganda do governo fede-
ral se assemelha a uma campa-
nha feita em fevereiro pela prefei-
tura de Milão, na Itália. O prefei-
to da cidade, Giuseppe Sala, reco-
nheceu que errou ao ter divulga-
do o slogan “Milão não para”. A
cidade é uma das mais afetadas
pela pandemia no país europeu,
que ontem ultrapassou a marca
dos 5 mil mortos pela doença.
Um grupo de parlamentares,
que inclui o senador Alessandro
Vieira (Cidadania-SE) e a deputa-
da Tabata Amaral (PDT-SP), afir-
mou ontem que vai entrar com
ação no Supremo Tribunal Fede-
ral (STF) contra a campanha. O
argumento é que a peça contra-
ria especialistas e é um crime por
prejudicar a saúde dos brasilei-
ros. Em ofício encaminhado ao
presidente, a Frente Nacional de
Prefeitos também cobrou expli-
cações e ameaça ir à Justiça.
A Secretaria de Comunicação
da Presidência afirmou, em no-
ta, que o vídeo tinha um “cará-
ter experimental” e “que não
houve qualquer gasto ou custo”
na sua produção. A Secom infor-
mou ainda que o vídeo não tem
relação com a contratação por
R$ 4,9 milhões de uma agência
de publicidade sem licitação.
Integrantes do Palácio do Pla-
nalto atribuíram a divulgação
do vídeo a um vazamento na
própria secretaria, comandada
por Fabio Wajngarten – que es-
tá de quarentena após ser conta-
minado pela covid-19.
José Maria Tomazela
SOROCABA
Fábio Bispo
ESPECIAL PARA O ESTADO
Os governadores de Mato Gros-
so, Mauro Mendes (DEM), de
Rondônia, Marcos Rocha
(PSL), e de Roraima, Antonio
Denarium (PSL), seguiram a re-
comendação do presidente Jair
Bolsonaro e autorizaram a rea-
bertura do comércio em seus Es-
tados. As atividades estavam
restritas por causa da pandemia
do novo coronavírus. As três
unidades da Federação têm ca-
sos registrados da doença.
Em Mato Grosso, o governa-
dor baixou um decreto anteon-
tem que permite o funciona-
mento de estabelecimentos co-
merciais e do transporte coleti-
vo, serviço que também havia
sofrido restrições. Outras medi-
das de isolamento social foram
mantidas apenas para idosos e
pessoas do grupos de risco – o
chamado isolamento vertical,
defendido por Bolsonaro. O pre-
feito de Cuiabá, Emanuel Pi-
nheiro (MDB), no entanto, criti-
cou a decisão do governador e
disse que, na capital, o isolamen-
to social não será abrandado.
Pelo decreto de Mato Grosso,
bares, cafés, redes de supermer-
cado e estabelecimentos ali-
mentícios na modalidade deli-
very podem reabrir, e a circula-
ção do transporte público muni-
cipal e metropolitano com pas-
sageiros sentados está permiti-
da. A autorização se estende a
táxis, aplicativos e transporte
de funcionários por empresas.
Restaurantes em rodovias tam-
bém foram liberados para fun-
cionamento, assim como ban-
cos, lotéricas, igrejas e templos.
Mauro Mendes afirmou que
não houve influência de Bolso-
naro na decisão. “Estamos de-
fendendo o rigor do isolamento
social, não o isolamento econô-
mico. Não podemos transfor-
mar um problema num proble-
ma ainda maior. Por isso, conti-
nuaremos mantendo Mato
Grosso no isolamento social,
sem tirar a liberdade do traba-
lhador”, disse o governador.
Já o prefeito de Cuiabá decla-
rou que mantém o entendimen-
to pela necessidade do isola-
mento social como principal es-
tratégia de combate à dissemi-
nação do coronavírus. “O vírus
não circula, quem circula são as
pessoas. Neste momento, não
há atividade econômica que pre-
valeça à vida”, disse Pinheiro.
Também por decreto, o gover-
no de Rondônia liberou o fun-
cionamento parcial do comér-
cio em todo o Estado. Voltam a
funcionar ainda indústrias,
obras e serviços de engenharia,
oficinas mecânicas, autopeças,
hotéis e hospedarias. “Segmen-
tos do setor produtivo não po-
dem parar”, disse o governador
Marcos Rocha. Em Roraima, foi
autorizada a reabertura do co-
mércio em todo o Estado em sis-
tema de delivery ou “pegue e le-
ve”. Denarium também suspen-
deu a proibição do transporte
coletivo municipal.
Obras. O governo de Santa Ca-
tarina, Estado governado pelo
PSL (ex-partido de Bolsonaro),
publicou portarias que autori-
zam a retomada de obras públi-
cas de infraestrutura e de con-
servação rodoviárias. Segundo
a Secretaria de Infraestrutura e
Mobilidade, as obras e contra-
tos de conservação rodoviária
são essenciais para garantir o
enfrentamento do coronavírus.
O governador Carlos Moisés
anunciou um plano de retoma-
da da economia catarinense a
partir de 1º de abril. “O plano
não libera a aglomeração em
parques, praças, igrejas, festas.
Estamos trazendo uma esperan-
ça para os empreendedores.”
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
l‘Irresponsabilidade’
lPublicidade
“Para ambulantes,
engenheiros, pedreiros,
advogados, professores e
prestadores de serviço, o
Brasil não pode parar.”
TRECHO DA CAMPANHA DO GOVERNO
Vereadores incluem ‘jabutis’ em pacote contra coronavírus. Pág. A12 }
Bolsonaristas
fazem carreatas
‘antiquarentena’
NILTON FUKUDA/ESTADÃO
“O Brasil pode parar
para lamentar a
irresponsabilidade
de alguns e a morte
de muitos.”
“A política que mata pessoas
não salva economia.”
João Doria (PSDB)
GOVERNADOR DE SÃO PAULO
Estádio. João Doria durante vistoria nas obras do hospital de campanha, no Pacaembu
Governador critica o
presidente e campanha
pela reabertura do
comércio; ‘Quem será o
fiador das mortes no Brasil’
Doria registra ameaças
e acusa ‘gabinete do ódio’
Campanha eleva tensão política no País
Peça publicitária divulgada pelo governo contra o isolamento em massa causa reação e parlamentares e prefeitos ameaçam ir à Justiça
QUETILA RUIZ / ESTADÃO
Governadores mantêm
isolamento apenas para
idosos e pessoas do
grupos de risco, medida
defendida por Bolsonaro
Comércio é reaberto
em Mato Grosso,
Rondônia e Roraima
Rondônia. Movimento em casa lotérica em Porto Velho
Apoiadores do presidente Jair
Bolsonaro promoveram carrea-
tas ontem pela reabertura do co-
mércio e pelo fim do isolamen-
to – medidas tomadas contra o
avanço do coronavírus. Em São
Paulo, a principal movimenta-
ção ocorreu na Avenida 9 de Ju-
lho, na região central. Manifes-
tantes carregavam bandeiras
do Brasil e gritavam palavras de
apoio a Bolsonaro e ofensas ao
governador João Doria (PSDB).
Além de São Paulo, registra-
ram carreatas contra a quaren-
tena Santa Catarina, Paraná,
Rio Grande do Sul, Tocantins e
Espírito Santo.
A mobilização de ontem foi
organizada por grupos pró-Bol-
sonaro que convocaram os atos
do dia 15 de março, em favor do
governo e contra o Congresso e
o Supremo Tribunal Federal
(STF). “A imprensa quer fechar
o País inteiro”, disse Paulo Ge-
neroso, coordenador do movi-
mento República de Curitiba,
um dos que promoveram as car-
reatas. / ALESSANDRA MONNERAT e
PEDRO VENCESLAU