O Estado de São Paulo (2020-03-28)

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A12 Política SÁBADO, 28 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Bruno Ribeiro


Os vereadores de São Paulo


aprovaram ontem um pacote


de ajuda à cidade que libera


orçamento de até R$ 5 bi-


lhões para reforçar as ações


de saúde contra o novo coro-


navírus. E aproveitaram o


projeto de lei de emergência


para incluir, como “jabutis”,


emendas que incorporam be-


nefícios a salários de servido-


res com cargos de chefia e até


reduzir o poder de punição


da Controladoria-Geral do


Município, que fiscaliza os


funcionários da Prefeitura.


O projeto original, de autoria


do prefeito Bruno Covas


(PSDB), foi apresentado na se-


gunda-feira. O texto prevê que


receitas de 11 fundos munici-


pais, constituídos de recursos


como o das multas de trânsito e


as taxas pagas por grandes cons-


trutoras para usar todo o limite


de verticalização de terrenos da


cidade, poderão deixar de ser


destinados a suas atividades e


reforçar o caixa da saúde. Eles


têm um saldo estimado em cer-


ca de R$ 2 bilhões.


Se o valor não for suficiente,


o projeto permite ainda que a


cidade use recursos das opera-


ções urbanas, outra conta em se-


parado para obras de infraestru-


tura que possui saldo de cerca


de R$ 3 bilhões.


Havia expectativa por parte


do Executivo de que o texto pu-


desse ser votado até quarta-fei-


ra. A votação, virtual, recebeu 31


emendas na Câmara, e foi deba-


tida na tarde de ontem.


Uma das emendas, apresenta-


da pelo presidente da casa,


Eduardo Tuma (PSDB), altera


o funcionamento da Controla-


doria-Geral, dando a servidores
alvo de investigação por irregu-

laridade uma instância a mais


de recurso antes de eventual pu-


nição. A instância é formada


por secretários municipais,


criando uma etapa política no


processo administrativo. “Nes-


se momento em que haverá tan-


tas compras sem licitação, esse


é um tiro no peito da Controla-


doria”, disse o vereador Gilber-


to Natalini (PV).


Tuma e a vereadora Sandra


Tadeu (DEM) também acres-


centaram no texto emenda que


incorpora ao salário de servido-


res os vencimentos recebidos


por quem, por exercer uma fun-


ção de chefia por mais de cinco
anos, passou a cumprir uma jor-

nada de trabalho de 40 horas


por semana. A emenda, entre-


tanto, não traz estudos sobre o


impacto da medida. Ambos os


textos tiveram apoio de 31 verea-


dores para a apresentação no


plenário, mas apenas a emenda


de Tuma foi aprovada.


Parte dos vereadores cha-


mou as emendas de “jabuti”, jar-


gão usado quando um texto dife-


rente do objeto original é incluí-


do em projeto votado.


Plano. As demais emendas


aprovadas têm relação com a si-


tuação de emergência, tratando


da manutenção de pagamentos


para funcionários de organiza-


ções que atendem a prefeitura e


propostas para garantia de ren-


da à população mais carente.


O texto base, enviado pelo


Executivo, já tinha votos neces-


sário para a aprovação desde a


manhã de ontem, embora o pra-


zo de votação só terminasse na


madrugada. Havia entendimen-


to para que as emendas fossem


votadas em bloco ontem.


A reportagem não conseguiu


contato com Sandra Tadeu. Tu-


ma comentou a mudança ape-


nas na Controladoria, afirman-


do que, diante da emergência,


“é importante assegurar no fu-


turo que, caso haja questiona-


mentos relacionados a estas me-


didas, os gestores tenham direi-


to a mais ampla defesa e ao con-


traditório pleno”.


A votação a distância foi possí-


vel porque a Câmara já dispu-


nha de um plenário virtual des-


de maio do ano passado.


‘Home office’. Vereador Police Neto participa de sessão virtual da Câmara de São Paulo


Texto que prevê R$ 5 bi para combate à pandemia passa na Câmara


de SP com alterações na Controladoria e concessão de benefícios


“Nesse momento


em que haverá tantas


compras sem licitação,


(a aprovação do projeto


de lei que cria mais uma


instância de recursos em


investigação sobre suspeitas


de irregularidade) é um


tiro no peito da


Controladoria.”


Gilberto Natalini (PV)


VEREADOR

l’Tiro no peito’


ALVO DE ATAQUE,


DRAUZIO AJUDA


GOVERNO EM AÇÃO


Anvisa usa artigo do médico em recurso sobre


controle do coronavírus em aeroportos do País


Vereadores incluem


‘jabutis’ em pacote


contra coronavírus


Patrik Camporez / BRASÍLIA


O


“conhecido médico,


daquela conhecida


televisão” ajudou o


governo federal a ganhar


uma ação na Justiça envol-


vendo o novo coronavírus. Al-


vo de ataques nas redes so-


ciais e de comentários depre-


ciativos do presidente Jair


Bolsonaro, o médico e escri-


tor Drauzio Varella teve seus


conhecimentos usados pelo


governo em ação popular movi-


da em Minas Gerais que preten-


dia obrigar a União e a Anvisa a


realizar triagens e medição de


temperaturas dos viajantes nos


aeroportos brasileiros.


Num recurso de 25 páginas en-


viado à Justiça mineira, a Anvi-


sa lançou mão de um artigo do


médico publicado em 21 de mar-


ço. Nele, Drauzio defende a tese


de que medir a temperatura na


testa, “com termômetros que


parecem revólveres”, é um mé-


todo impreciso porque os apare-


lhos medem a temperatura da


pele, eventualmente diversa da-


quela do resto do corpo.


Além disso, o passageiro sem


febre pode estar sob efeito de


antitérmicos ou no período as-


sintomático de incubação.


Drauzio ressalta ainda que o nú-


mero de diagnósticos feitos nos


aeroportos do mundo é insigni-


ficante. “Os Estados Unidos,


que obrigam a passar pela tria-


gem em 11 aeroportos todos os


cidadãos e residentes que esti-


veram na China nos últimos 14


dias, identificaram apenas um


caso”, diz o médico no artigo.


Em 20 de março, o juiz fede-


ral Osmar Vaz de Mello, da 3.ª


Vara Federal de Minas Gerais,


mandou União e Anvisa explica-


rem, em 72 horas, por que esta-


vam impedindo que bombeiros


e governos estaduais realizas-


sem a inspeção em aeroportos.


Foi no contexto deste recurso


que os “conhecimentos científi-
cos” de Drauzio foram usadas.

No recurso, a Anvisa destaca,


com base nos dados do médico,


que medidas como a “implanta-


ção de barreiras sanitárias nos


aeroportos para realização de


inspeção de passageiros” po-


dem contribuir para o aumento


da contaminação em razão do


natural aumento da aglomera-


ção que ações como essa geram.


O recurso foi acatado pelo


juiz Osmar Vaz de Mello – ele


entendeu que, “com base nas in-


formações científicas colacio-


nadas aos autos”, a competên-


cia de medidas nos aeropor-


tos do País é da Anvisa e da


União, não dos Estados.


Polêmica. Drauzio passou a


ser criticado – principalmen-


te das redes bolsonaristas –


depois que apareceu no Fan-


tástico, da TV Globo, abraçan-


do uma mulher trans, conde-


nada por estuprar e matar


uma criança de 9 anos. Além
disso, o médico foi provoca-

do em rede nacional por Bol-


sonaro. “Aquele conhecido


médico, daquela conhecida


televisão”, disse o presiden-


te, em referência a um vídeo


gravado pelo médico antes


da pandemia do coronavírus.


Sobre a briga judicial envol-


vendo os aeroportos, Drau-


zio disse que “a decisão da


Anvisa foi sensata”. “No com-


bate à epidemia, medidas go-


vernamentais devem ser to-


madas com base nas melho-


res evidências científicas.”


Mateus Vargas / BRASÍLIA


Na primeira reunião com gesto-


res do Sistema Único de Saúde


(SUS) após o presidente Jair


Bolsonaro cobrar regras mais


brandas de isolamento social


contra o novo coronavírus, o mi-


nistro da Saúde, Luiz Henrique


Mandetta (DEM), adotou um


tom diferente e prometeu a se-


cretários de Estados e municí-


pios que tomará apenas deci-


sões técnicas, baseadas em evi-


dências científicas.


Segundo pessoas que acom-


panharam a reunião, realizada


ontem por videoconferência, o


ministro modulou o discurso


ao de Bolsonaro, mas sem ade-


rir a teses como do isolamento


vertical, que atingiria apenas


idosos e doentes crônicos. Man-


detta, no entanto, defendeu a


abertura de igrejas para cultos e


orações, argumentando que


não se pode proibir que pessoas


busquem conforto.


Na reunião, o ministro não de-


fendeu o uso da cloroquina, me-


dicamento usado para o trata-


mento de doenças como malá-


ria e que, em pesquisas prelimi-


nares, também se mostrou efi-


ciente no combate à covid-19.


Mesmo sem resultados conclu-


sivos, Bolsonaro tem feito pro-


paganda da substância e deter-


minou o aumento da produção


em laboratórios públicos.


Mudança. A readequação do


discurso de Mandetta acontece


após o pronunciamento de Bol-


sonaro à Nação, em cadeia nacio-


nal de TV e rádio, no qual o presi-


dente criticou o fechamento de
escolas e do comércio para com-

bater a doença. Sob pressão, em


entrevista na quarta-feira passa-


da o ministro disse que o mode-


lo de quarentena adotado em


parte do País “não ficou bom” e


passou a suavizar o tom na defe-


sa de medidas de restrições.


Quem esteve na reunião en-


tre os secretários de Saúde no-
tou uma sutil mudança no dis-

curso de Mandetta, mas afir-


mou sentir “alívio” porque o mi-


nistro não endossou plenamen-


te a fala de Bolsonaro, que ata-


cou governadores, chamou a co-


vid-19 de “gripezinha” e repetiu


que há muita “histeria”.


Mandetta pediu atenção e


cautela nas medidas de restri-
ção de circulação, mas não pe-

diu retomada de serviços. Se-


gundo presentes, em nenhum


momento ele citou o isolamen-


to vertical, a nova bandeira de


Bolsonaro. Também não se fa-


lou em abrir escolas, como pede


o presidente. Na leitura dos pre-


sentes, a estratégia é evitar o


conflito com o presidente para


não desmoronar a ação de com-


bate à covid-19 feita até aqui.


O Palácio do Planalto lançou


anteontem a campanha publici-


tária batizada de “O Brasil não


pode parar” para defender a fle-


xibilização do isolamento so-


cial adotado na maioria do País.


A intenção é mostrar os efeitos


de medidas como o fechamen-


to de empresas na economia.


Demandas. Na conversa, os se-


cretários de Estados e municí-


pios disseram que não interrom-


peram todas as atividades, mas


apenas o que consideram essen-


cial para evitar o avanço da


doença. Também ressaltaram


que cada local está tomando me-


didas conforme o número de ca-


sos registrados.
Uma cobrança dos secretá-

rios foi que nem todos os Esta-


dos receberam a parte combina-


da da primeira leva de kits para


instalação de leitos móveis de


UTI. O governo federal prome-


teu distribuir 540, no primeiro


momento, dos 2 mil pacotes pa-


ra montagem de leitos extras


prometidos, sendo que cada


unidade da federação teria no


mínimo 10 leitos.
Os equipamentos teriam si-

do entregues primeiro em lo-


cais com mais casos, como no


sul e sudeste, mas gestores de


outras regiões pediram o envio


imediato para conseguir mon-


tar uma “reserva técnica”. O mi-


nistro prometeu acelerar o en-


vio. Secretários de Estados e


municípios pedem para o gover-


no federal fazer compras em lar-


ga escala, centralizadas, de res-


piradores para serem distribuí-


dos conforme a demanda.


Os gestores argumentam que


centralizar as compras no Mi-


nistério evitaria um leilão entre


Estados e municípios, o que per-


mitiria baixar os preços do pro-


duto, aproveitando o poder de


compra do SUS. A ideia não é


proibir que um Estado com po-


der de compra, como São Paulo,


busque os próprios produtos.


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


NILTON FUKUDA/ESTADÃO

Decisões seguirão critérios técnicos, afirma Mandetta


Governador de região mais infectada da Itália sugere quarentena a brasileiros. Pág. A14 }


IARA MORSELLI/ESTADÃO-12/2/

Recurso. Governo federal usou trabalho de Drauzio Varella


‘Conhecido médico’


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 25/3/

Em reunião com gestores


do SUS, ministro admite


igrejas abertas, mas


não encampa ideia de


isolamento vertical


Política. Ministro tenta adequar discurso ao de Bolsonaro


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