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A14 SÁBADO, 28 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Internacional
Giuseppe Sala pede
desculpas e afirma que
não ‘tinha compreendido
a gravidade do vírus’ no
início da pandemia
Prefeito de Milão se
arrepende de pedido
para cidade não parar
Paula Acosta
ESPECIAL PARA O ESTADO / MILÃO
Attilio Fontana é governador
da Lombardia, região mais
afetada pela pandemia na Itá-
lia, e uma das vozes mais ati-
vas em defesa da quarentena
para evitar a disseminação do
vírus. Durante coletiva, na
noite de quinta-feira, ele reco-
mendou isolamento aos brasi-
leiros. “Tenho tido contato
com um amigo no Brasil e di-
go a ele para ficar o máximo
possível em casa, evitar conta-
to com pessoas e difundir esta
mensagem”, disse Fontana.
Sobre o impacto econômico
da quarentena, ele afirmou que
a prioridade deve ser a saúde.
“A situação será muito difícil,
mas estamos prontos para en-
frentá-la e já temos uma série
de ações para recuperar a econo-
mia. Mas, primeiro, precisamos
restituir a tranquilidade e a saú-
de aos cidadãos”, disse. “Não
podemos criar pânico na popu-
lação, mas devemos advertir
que é uma situação séria. É um
problema que, para ser venci-
do, precisa necessariamente da
contribuição de todos.”
Ontem, a Itália registrou um
novo recorde de mortes em 24
horas: 969 vítimas – até então, o
dia mais trágico havia sido o 21,
com 793 mortes registradas. O
número de casos confirmados
também aumentou, superando
a marca de 86 mil, e ultrapassou
o total da China, onde a epide-
mia começou, no final do ano
passado.
Apesar do número alto de
mortos, o crescimento diário
dos novos casos de contágio re-
gistrou ontem o menor índice
desde 28 de fevereiro. Por isso,
apesar de ainda não ter atingido
o pico de infecções, Silvio Brusa-
ferro, chefe do Instituto Supe-
rior de Saúde da Itália, disse que
há sinais de uma desaceleração
no número de pessoas infecta-
das, o que sugere que o ápice da
pandemia está próximo.
Até o dia 10, quando entrou
em vigor o decreto que colocou
todo o país em quarentena, os
contágios cresciam a uma taxa
média de 25,1% ao dia. Agora,
segundo Brusaferro, o índice é
de 18,1%. “O nosso comporta-
mento vai influenciar em quão
íngreme será a queda, quando
ela começar”, disse.
No momento, as medidas res-
tritivas na Itália estão em vigor
até dia 3 de abril. No entanto, o
primeiro-ministro Giuseppe
Conte decidirá um pouco antes
do prazo se a quarentena conti-
nuará rígida ou se será relaxada.
Se depender da Lombardia, po-
rém, a quarentena será mantida,
segundo Fontana. “A população
tem respondido bem, mas talvez
haja ainda muita gente que não
respeite de maneira rigorosa to-
das nossas recomendações.”
Talvez isso explique a notícia
de que a cidade de Codogno, on-
de foi descoberto o primeiro ca-
so de transmissão interna do co-
ronavírus na Itália, voltou a re-
gistrar contágios ontem. O mu-
nicípio de 16 mil habitantes,
também localizado na Lombar-
dia, havia conseguido zerar os
novos casos há cerca de 15 dias.
No entanto, em entrevista ao
jornal Corriere della Sera, o pre-
feito Francesco Passerini anun-
ciou a descoberta de mais seis
pessoas contaminadas. “Te-
mos seis positivos a mais. Nos
últimos dias, estávamos para-
dos em 268 casos”, declarou.
As dificuldades que a Itália en-
frenta para controlar a pande-
mia pode ter relação com casos
não notificados de contamina-
ção. Um estudo sobre o número
de mortes em quatro cidades da
Lombardia e do Marche, publi-
cado nesta semana, mostra que
elas tiveram, de 1.º janeiro a 24
de março, um crescimento de
até quatro vezes em relação ao
total de óbitos do mesmo perío-
do do ano passado, sem que exis-
tisse outra explicação além da
pandemia.
O salto em número de mor-
tos pode indicar, segundo os au-
tores do estudo – o médico Lu-
ca Foresti, do Centro Médico
Santagostino, e o físico Claudio
Cancelli, prefeito da cidade de
Nembro – que muitas pessoas
morreram e foram enterradas
sem que se verificasse se elas
estavam contaminadas.
Outros médicos apontaram
ainda a possibilidade de o novo
coronavírus ter provocado um
salto no número de mortes de
maneira indireta. Seria o caso
de cidadãos que precisaram de
internações, por qualquer ou-
tra doença, e não conseguiram
em razão de o sistema de saúde
estar sobrecarregado – morren-
do pela falta de atendimento. /
COM AGÊNCIAS
MILÃO, ITÁLIA
O prefeito de Milão, Giuseppe
Sala, admitiu ontem que “er-
rou” ao pedir à cidade que não
parasse diante da pandemia do
novo coronavírus. “No dia 27 de
fevereiro, circulava nas redes o
vídeo #Milãonãopara. Naquele
momento, ninguém tinha com-
preendido a gravidade do vírus”,
afirmou Sala, em entrevista à re-
de de TV RAI. “Aceito as críticas,
mas não tolero que usem isso pa-
ra interesses políticos.”
A campanha contou com a
adesão de figuras políticas im-
portantes do país, como Mat-
teo Salvini, líder da extrema di-
reita italiana. A Lombardia, on-
de Milão está localizada, tinha
258 infectados e a Itália toda ha-
via contabilizado 12 mortes. Ho-
je, Milão concentra 40% da po-
pulação contaminada e 54% das
mortes no país.
EUA. Quem também se arrepen-
deu de defender o relaxamento
da quarentena foi Don Young, de-
putado republicano do Alasca.
Falando a uma sala cheia de ido-
sos, em 13 de março, no mesmo
dia em que Donald Trump decla-
rou uma emergência nacional,
ele pediu a todos que “prosse-
guissem” com suas atividades
diárias e esquecessem o isola-
mento. Young chamou o corona-
vírus de “vírus da cerveja” – refe-
rência à marca de cerveja Coro-
na – e disse que a pandemia foi
“desproporcional”.
Agora, ele mudou de ideia. “O
impacto da covid-19 é muito
real, está crescendo e remode-
lando nossas vidas diárias”, dis-
se na quinta-feira o deputado
em uma mensagem de vídeo.
“Semanas atrás, eu realmente
não entendi a gravidade dessa
crise. Claramente, estamos no
meio de uma emergência de saú-
de pública urgente.”
Outra mea-culpa veio da
atriz Evangeline Lilly, conheci-
da da série de TV Lost. Em um
post no Instagram, no dia 16, ela
disse que seguia a vida normal-
mente, rejeitando pedidos para
ficar em casa. Na quinta-feira,
Lilly mudou de opinião e pediu
desculpas, também pelo Insta-
gram.
Alguns se arrependeram ain-
da mais rápido. O jogador de bas-
quete Rudy Gobert, que no dia 9
tocou propositalmente vários
microfones da sala de imprensa
de seu time, o Utah Jazz, zom-
bando do novo coronavírus, tes-
tou positivo logo depois. “Espe-
ro que minha história sirva de
alerta e leve todos a levar isso a
sério”, disse. / W.POST e REUTERS
O
papa rezou ontem so-
zinho diante da imen-
sa Praça de São Pe-
dro vazia e concedeu a indul-
gência plenária – o perdão de
todos os pecados – ao mun-
do, convidando os fiéis a “re-
marem juntos” contra a pan-
demia de coronavírus. Em
uma tarde chuvosa e acompa-
nhado pelo toque dos sinos e
pela sirene das ambulâncias
que carregavam doentes no
país que hoje lidera as mortes
pela covid-19 em todo o pla-
neta, o papa transmitiu a bên-
ção pela internet, TV e rádio.
“Senhor, não nos abando-
ne”, rezou o pontífice ao
mencionar uma “tormenta
inesperada e furiosa (...) uma
tempestade que desmascara
nossa vulnerabilidade e dei-
xa descobertas essas falsas e
supérfluas seguranças”.
Durante o ritual inédito,
que incluiu a bênção Urbi et
Orbi, que é dada na Páscoa e
no Natal, o papa pediu a todos
para “remarem juntos”. “Esta-
mos todos no mesmo barco e so-
mos chamados a remar juntos”,
disse Francisco na cerimônia,
que foi acompanhada sob uma
fina chuva só por policiais, que
cercaram a praça, e pelo menos
30 jornalistas.
O papa Francisco elogiou ain-
da o sacrifício de “tantos que
compreenderam que ninguém
se salva sozinho”. Francisco
enumerou entre eles os “médi-
cos, enfermeiros e enfermeiras,
estoquistas, funcionários da
limpeza, cuidadoras, moto-
ristas, forças de segurança,
voluntários, sacerdotes, reli-
giosos e tantos outros.” / AFP
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Governador de região mais infectada da
Itália sugere quarentena a brasileiros
lAlerta
lTragédia
O PERDÃO
DO PAPA EM
MISSA VAZIA
YARA NARDI / AFP
Attilio Fontana reconhece que isolamento da população tem impacto econômico, mas que antes de tudo é preciso priorizar saúde dos
cidadãos; governo italiano registra ontem 969 mortes em 24 horas, um recorde, e número de casos confirmados ultrapassa 86 mil
ANDREA FASANI/EFE
“Não podemos criar
pânico na população,
mas devemos advertir que é
uma situação séria. É
um problema que, para ser
vencido, precisa
necessariamente da
contribuição de todos.”
Attilio Fontana
GOVERNADOR DA LOMBARDIA,
REGIÃO MAIS AFETADA PELA
PANDEMIA DE CORONAVÍRUS NA ITÁLIA
Rotina. Soldados com roupas especiais levam corpo de Bérgamo para ser enterrado em Milão
Isolamento. Papa Francisco reza missa pelo fim da pandemia de coronavírus no mundo em uma Praça São Pedro bloqueada pela polícia e sem fiéis
CORRIERE TV
54%
das mortes causadas pelo novo
coronavírus na Itália ocorreram
em Milão. A cidade também
concentra 40% de todos os
infectados do país.
Recuo. Sala compartilhou
vídeo #Milãonãopara
Fé contra a pandemia