O Estado de São Paulo (2020-03-28)

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A16 SÁBADO, 28 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Metrópole

Giovana Girardi


Uma estratégia de isolamen-


to social de manter só idosos


em casa, como sugere o presi-


dente Jair Bolsonaro, ainda


poderia levar à morte mais de


529 mil pessoas no Brasil por


covid-19. O número é metade


do que se projeta para um ce-


nário em que nada fosse feito


no País para conter a disper-


são do coronavírus (1,15 mi-


lhão de óbitos). Mas é bem


mais alto do que a estimativa


para um isolamento social


rápido e amplo. Mesmo com


essa restrição mais drástica,


haveria ao menos 44 mil mor-


tes pela doença.


Os números fazem parte da


nova pesquisa do Grupo de Res-


posta à Covid-19 do Imperial


College de Londres. Os cientis-


tas vêm fazendo quase em tem-


po real projeções matemáticas


do avanço da pandemia e ava-


liam as ações em andamento.


Foi um trabalho dessa equipe


com projeções para Estados


Unidos e Reino Unido que fez o


primeiro-ministro britânico,


Boris Johnson, recuar sobre a


ideia de adotar isolamento verti-


cal (quarentena só de alguns


grupos, como idosos e doentes


crônicos). Johnson foi diagnos-


ticado com covid-19 ontem. Se-


gundo o jornal The New York Ti-


mes, estimativas feitas por esses


cientistas também influencia-


ram a Casa Branca a enrijecer


medidas de isolamento.
A Organização Mundial da

Saúde (OMS) também reco-


menda o isolamento social. Já


Bolsonaro tem criticado gover-


nadores que determinaram fe-


char o comércio e diz ter receio


de uma crise econômica.


O trabalho mais recente do


Imperial College, divulgado an-


teontem, expandiu a modela-


gem para 202 países. Liderados


por Neil Ferguson, eles compa-


ram possíveis impactos sobre a


mortalidade em vários cená-


rios: ausência de intervenções,


com distanciamento social


mais brando, que chamam de


mitigação, ou mais restrito, a su-


pressão.


As estimativas foram feitas


com base em dados da China,


onde a doença foi registrada pe-


la primeira vez em dezembro, e


de países de alta renda. Signifi-


ca que para nações de baixa ren-


da a realidade pode ser ainda


mais grave do que a apontada. A


estimativa de cerca de 44 mil


mortes para o Brasil considera


o cenário mais amplo de isola-


mento, e feito de modo rápido.


A eficácia do isolamento mais


amplo se aplicaria em todo o


mundo, segundo os pesquisado-


res. Eles estimam que, na ausên-


cia de intervenções, a covid-


resultaria em 7 bilhões de infec-


ções (quase toda a população


global) e 40 milhões de mortes


em todo o mundo este ano.


“Estratégias de mitigação fo-


cadas na blindagem de idosos


(reduzir em 60% os contatos so-


ciais) e desaceleração, mas não


interrupção da transmissão (re-


dução de 40% nos contatos sociais


para uma população mais ampla)


poderiam reduzir esse ônus pe-


la metade, salvando 20 milhões


de vidas, mas prevemos que,


mesmo nesse cenário, sistemas


de saúde em todos os países se-


rão rapidamente sobrecarrega-


dos”, dizem os cientistas. O Bra-


sil já prevê demanda crescente


no SUS. No País ontem já havia


92 mortes confirmadas.


“É provável que esse efeito se-


ja mais grave em contextos de


baixa renda, onde a capacidade


é mais baixa. Como resultado,


prevemos que o verdadeiro


ônus em ambientes de baixa


renda que buscam estratégias
de mitigação podem ser subs-

tancialmente mais altos do que


o refletido nessas estimativas”,


continuam os pesquisadores.


Apontam ainda que a deman-


da por ajuda médica só ficará


em níveis manejáveis com ado-


ção rápida de medidas de saúde


pública para suprimir a trans-


missão, similares às de China e


Coreia do Sul. Eles listam os tes-


tes em massa, o isolamento de


casos e medidas mais amplas de


distanciamento social.


“Se uma estratégia de supres-


são for implementada precoce-


mente (com 0,2 morte por 100


mil habitantes por semana) e


sustentada, então 38,7 milhões


de vidas podem ser salvas. Se


for iniciada quando o número


de óbitos for maior (1,6 óbito


por 100 mil habitantes por se-


mana), só 30,7 milhões de vidas


poderiam ser salvas”, escrevem


eles, sobre as projeções globais.


“Atrasos na implementação de


ações para suprimir a transmis-


são levarão a piores resultados


e menos vidas salvas.”


Consequências. Eles ponde-


ram não considerar impactos


sociais e econômicos mais am-
plos da supressão. Reconhe-

cem que esses efeitos serão al-


tos e podem ser desproporcio-


nais em áreas de baixa renda.


Os pesquisadores reforçam,


como já tinham dito em estu-


dos anteriores, que as estraté-


gias de supressão teriam de ser


mantidas, com breves interrup-


ções, até que vacinas ou trata-


mentos eficazes se tornem dis-


poníveis. Pesquisas sobre imu-


nizantes já começaram, mas de-


mandam uma série de testes e


dificilmente a vacina chegará


ao mercado ainda este ano.


“Nossa análise destaca as deci-


sões desafiadoras enfrentadas


por todos os governos nas próxi-


mas semanas e meses, mas de-


monstra como uma ação rápi-


da, decisiva e coletiva agora po-


deria salvar milhões.”


Bruno Ribeiro


Mais 171 pessoas contraíram co-


ronavírus no Estado de São Pau-


lo nas últimas 24 horas, segun-


do balanço divulgado ontem à


tarde pela Secretaria de Estado


da Saúde. O Estado soma 1.


pacientes que foram testados e


tiveram resultado positivo para


a doença, e chega a 69 mortes. O


total de mortos subiu 209% nos


últimos cinco dias (eram 22 no


último domingo).


No País, os óbitos pela co-


vid-19 chegaram oficialmente


a 92, conforme balanço atuali-


zado ontem. Além disso, foram


registrados 502 novos casos de


contaminação em 24 horas,


chegando a 3.417.


Até o momento, os Estados


que já registraram mortes pela


covid-19, além de São Paulo,


são Rio (10), Pernambuco (4),


Ceará (3), Rio Grande do Sul


(2), Paraná (2), Amazonas (1),


Goiás (1), e Santa Catarina (1).


Segundo o secretário esta-


dual da Saúde de São Paulo, Jo-


sé Henrique Germann, os da-


dos mostram crescimento de


casos novos em uma taxa me-


nor do que no restante do Bra-


sil, e isso ocorre segundo ele


por causa das ações de isola-


mento. Germann ressaltou


que, desde o dia 15, quando se


chegou ao “paciente número


100” (a confirmação da centési-


ma pessoa infectada), o número


de infectados subiu 476% no Es-


tado. No mesmo período, no


Brasil, esse porcentual de cresci-


mento foi de 936%.


“As medidas que estamos


adotando estão em linha com a


literatura (médica) e com toda a


história do combate a epide-


mias”, disse Germann, ao fazer


um apelo à população para que


não relaxe o isolamento e se


mantenha em casa.


O diretor do Instituto Butan-


tã, Dimas Covas, que faz parte


do grupo que analisa a evolução


da doença, afirma que havia pro-


jeção de que uma pessoa conta-


minada infectasse outras cinco


no Estado. Com as ações de iso-


lamento, essa taxa seria de um


contaminado infectando ou-


tras duas pessoas. Segundo os
técnicos, havia expectativa so-

bre como o vírus iria se compor-


tar no Brasil e no Hemisfério


Sul da mesma foram como se


comportou na China e na Euro-


pa. “O comportamento é o mes-


mo”, disse o secretário.


Perfil. “Dos dez novos óbitos


contabilizados hoje, quatro são


homens (66, 67, 91 e 93 anos) e


seis mulheres (63, 63, 65, 77, 85 e


89). Nove são da capital e um do


município de Guarulhos”, infor-


ma o governo paulista, por no-


ta. / COLABORARAM ANDRÉ BORGES E


EMILLY BEHNKE

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lO secretário executivo do Mi-


nistério da Saúde, João Gabbar-
do, afirmou ontem que o Brasil

vivencia uma “fase de transição”


do perfil dos pacientes diagnosti-


cados com o coronavírus. “Alertá-


vamos aqui que os primeiros ca-


sos eram de pessoas de um nível


socioeconômicos melhor. Eram


pessoas que estavam vindo de


outros países.” Os casos importa-


dos da doença não utilizavam,


em grande parte, o Sistema Úni-


co de Saúde (SUS). Com a propa-


gação da doença, Gabbardo diz
que o sistema será mais exigido.

“Isso vai começar a forçar a res-


posta do atendimento na rede


básica de saúde.”/EMILLY BEHNKE


e ANDRÉ BORGES

CENÁRIOS


Fronteira aérea é fechada por 30 dias. Pág. A18 }


Pressão no SUS


será cada vez maior,


diz ministério


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WERTHER SANTANA / ESTADÃO

l Ação zero


No cenário em que nenhuma pro-


vidência é tomada para frear o


avanço do novo coronavírus, os


pesquisadores preveem cerca de


1,15 milhão de mortes no Brasil.


l Mitigação com


distanciamento social leve


No cenário com regras menos


rígidas de isolamento, a previsão


é de cerca de 627 mil óbitos.


l Mitigação com foco no


distanciamento de idosos


Nesse cenário, o modelo dos


cientistas prevê que cidadãos


com mais de 70 anos vão reduzir


seus contatos sociais em 60%.


Nessa perspectiva, são projeta-


das 529 mil mortes. O presidente
Bolsonaro defende isolamento

só de alguns grupos, como dos


mais velhos e de risco, para pre-


judicar menos a economia.


l Supressão


Esse é o cenário de distanciamen-


to social intensivo em larga esca-


la, com redução de 75% nas ta-


xas de contato interpessoal, para


suprimir rapidamente a transmis-


são e minimizar casos e mortes a


curto prazo. Seu objetivo tam-


bém é evitar que os pacientes


mais graves cheguem ao mesmo


tempo nos hospitais. Com a ado-


ção dessa medida, o total de mor-


tes previstas varia de 44 mil para


206 mil, a depender da data em


que a estratégia é iniciada.


País pode ter ao menos 44 mil mortes;


isolar só idosos eleva nº para 529 mil


Projeção é do Grupo de Resposta à Covid-19 do Imperial College de Londres, equipe de cientistas que já influenciou decisões em EUA e


Reino Unido. Estratégias de supressão teriam de ser mantidas, com breves interrupções, até criação de vacinas ou tratamentos eficazes


Guarulhos. Medidas de isolamento social, somadas a outras estratégias, como a testagem em massa, são importantes para conter a epidemia de covid-


Em cinco dias, óbitos triplicam no Estado de São Paulo


Em 24 horas, mais 502


pessoas contraíram


coronavírus no Pais, 171


em SP; no Brasil, número


de mortes chegou a 92

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