O Estado de São Paulo (2020-03-28)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-18:20200328:


A18 Metrópole SÁBADO, 28 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


TULIO KRUSE/ESTADÃO

Fausto Macedo


Luci Ribeiro / BRASÍLIA


O avanço da pandemia do no-


vo coronavírus levou o gover-


no brasileiro a adotar medi-


das mais rígidas e a restringir


durante um período de 30


dias a entrada no País de es-


trangeiros – de todas as nacio-


nalidades – por meio de voos


internacionais. A medida,


que entra em vigor a partir


desta segunda-feira, não atin-


ge o transporte de carga nem


vale para imigrantes que mo-


ram no Brasil ou parentes di-


retos de brasileiros (como


cônjuges e filhos).


O fechamento do território


nacional aos estrangeiros vem


sendo adotado de forma gra-


dual pelo governo brasileiro.


Em um primeiro momento, o
País fechou a ligação terrestre

com países vizinhos – a come-


çar pela Venezuela, alegando


questões sanitárias – e depois


resolveu limitar a entrada de es-


trangeiros por voos internacio-


nais vindos de alguns países,


dentre eles integrantes de


União Europeia, China, Islân-


dia, Japão, entre outros.


Na ocasião, os Estados Uni-


dos ficaram de fora, e o governo


brasileiro alegou que usou o cri-


tério da “reciprocidade” para


impor as restrições. Agora, a


portaria assinada pelo ministro


da Justiça, Sérgio Moro, da Ca-


sa Civil, Braga Neto, da Saúde,


Luiz Henrique Mandetta, e da
Infraestrutura, Tarcísio Go-

mes, atinge estrangeiros de


qualquer país. “Como houve


disseminação do coronavírus


por vários outros países, nós en-


tendemos por bem tomar essa


iniciativa”, disse Moro.


A portaria prevê que, em cará-


ter excepcional, o estrangeiro


que estiver em um dos países


vizinhos do Brasil e precisar


atravessar a fronteira terrestre


para embarcar em voo de retor-


no a seu país de residência pode-


rá ingressar no território, com


autorização da Polícia Federal.


A vedação também não impe-


de o ingresso e a permanência


da tripulação e dos funcioná-


rios das empresas aéreas no


País para fins operacionais, ain-


da que estrangeira. A portaria


determina que o descumpri-


mento das medidas implicará
responsabilização civil, admi-

nistrativa e penal, repatriação


ou deportação imediata.


Sem escalas. Além disso, mais


cedo outra portaria de Moro de-


finiu que estrangeiros em cone-


xão aérea rumo a países que tive-


rem as fronteiras fechadas co-


mo medida de contenção pelo


avanço do novo coronavírus


não poderão mais embarcar pa-


ra o Brasil.


Dessa forma, as empresas aé-


reas devem impedir o embar-


que de estrangeiros, caso o des-


tino final ou a nacionalidade do


passageiro apresente algum ti-


po de restrição. A intenção é evi-


tar que estrangeiros fiquem pre-


sos no Brasil, como ocorre com
centenas de argentinos que es-

tão dormindo no aeroporto de


Guarulhos há dias.


De acordo com o Ministério


da Justiça, a portaria vale ape-


nas para casos futuros. Aqueles


que já estão retidos no País es-


tão sendo atendidos pelo Itama-


raty. E a medida não vale para


países que não impuseram res-


trições no espaço aéreo. É o ca-


so dos americanos ou pessoas


com destino aos Estados Uni-


dos, que ainda podem fazer co-


nexão no Brasil normalmente. /


COLABOROU JULIA LINDNER

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Márcia de Chiara


Pouca coisa mudou no dia a dia


da Ceagesp, o maior centro de


distribuição de alimentos fres-


cos e flores da América Latina,


depois da eclosão da pandemia


do novo coronavírus. O entra e


sai de caminhões carregados de


frutas, verduras e legumes é


constante, já que o setor é consi-


derado essencial e não pode pa-
rar. No entanto, os permissioná-

rios, que são os donos das em-


presas que alugam os espaços


para vender seus produtos – so-


mam cerca de 1,6 mil compa-


nhias –, cobram da direção do


entreposto que as rotinas de hi-


giene e limpeza sejam efetivas


para prevenir a disseminação


da doença. Entre vendedores,


carregadores, caminhoneiros e


clientes, circulam diariamente


cerca de 50 mil pessoas por uma


área de 700 mil m².


“O que temos cobrado forte-


mente da Ceagesp é que todos


os protocolos preventivos ne-


cessários exigidos pela Anvisa


(Agência Nacional de Vigilância


Sanitária), ministério e secreta-


ria da saúde sejam cumpridos”,


afirmou o presidente do Sindi-


cato dos Permissionários de


São Paulo, Fernando Furquim.
Ele disse que a limpeza dos

banheiros continua precária, os


materiais logo acabam e não


são repostos. Nem o sabonete é


suficiente. Na manhã de ontem,


a reportagem visitou a Ceagesp


e, por volta de 11 horas, o sabone-


te havia acabado em um dos ba-


nheiros masculinos.


“Eles (administração) falam


que estão tomando medidas,


mas não estão tomando: o ba-


nheiro está largado como sem-


pre foi e estou com medo por-


que estamos desprotegidos”, re-


clamou Luiz Carlos Alves de Oli-


veira, que trabalha na frutícola


Trindade. Ele contou que tem


evitado ir ao banheiro e só vai


quando não consegue segurar
mais. “Você chega aqui e vê essa

sujeira, como você faz?”


Furquim disse que já solici-


tou que a administração fizesse


a lavagem dos banheiros com


água sanitária e cloro. Também


pediu materiais como álcool


em gel, água sanitária, cloro,


além de maior disponibilidade


de sabão para as mãos. No en-


tanto, ainda não foi atendido.


Edvaldo José da Silva, sócio


de um box de frutas, também


reclama da falta de higiene.


“Não tem sabão nem álcool em


gel nos banheiros”, disse. Des-


de começou a crise sanitária, a


sua venda caiu entre 30% a 40%.


Quem circulou ontem pela


Ceagesp viu poucas pessoas


protegidas, com luvas, másca-


ras e mantendo distância umas


das outras. Um grupinho anima-


do de carregadores autônomos,


sentados muito próximos uns
dos outros, parecia nem ligar pa-

ra os riscos da pandemia. Mas


não é bem assim. “Medo a gente


tem, mas vamos fazer o quê? Te-


mos de trabalhar”, disse um de-


les, quando questionado. Por


meio de nota, a Ceagesp infor-


mou que, diante das informa-


ções repassadas pela reporta-


gem, iria reforçar a fiscalização


e as estratégias adotadas. /


COLABOROU BRUNO RIBEIRO

André Borges / BRASÍLIA


A


ordem foi dada pelo


prefeito. Fechem os


comércios, parques e


clubes. Nada de aglomera-


ção. Qualquer rodinha com


mais de dez pessoas já é uma


festa, e isso está proibido. Pe-


dras foram colocadas nas en-


tradas do município. Só en-


tra quem for morador. Se é


mesmo a quarentena que vai


salvar vidas, ninguém vai


morrer de coronavírus na pa-


cata Andradas, município mi-


neiro de 40 mil habitantes na


divisa com São Paulo.


Certo. Mas e o almoço com


frango caipira que já estava com-


binado, como fica? Alisson não


resistiu. Não é possível que o


prefeito atrapalharia o conves-


cote com os amigos. Pelo What-


sApp, “Jatubá”, como Alisson é


conhecido entre os mais chega-


dos, combinou o encontro. To-


mou cuidado. Para não chamar


a atenção, pediu para que todo


mundo colocasse os carros den-


tro do terreno, que é cercado


por um muro alto. Os amigos


toparam. Frango caipira ferven-


do na panela, cerveja gelada,


música... A festa começou!


Jatubá só não atentou para


um detalhe. No prédio da fren-


te, seu amigo Rafael, o “Feijão”,


que não foi chamado para o al-


moço, acompanhava tudo da ja-


nela. Feijão não teve dúvida.
Passou a mão no telefone e li-

gou para a guarda municipal.


“Tem um festão acontecendo


aqui na minha rua...”


Foi questão de minutos. O


frango caipira ainda cozinhava


no panelão de Jatubá quando a


campainha tocou. Ele foi até o


portão achando que podia ser


um amigo atrasado, quando se


viu de frente com os guardas.


Disseram que tinham recebido


uma denúncia de aglomeração.


Jatubá, de olhos arregalados, ex-


plicava que não era festa, mas


um almoço entre amigos. Nada


disso, está proibido, dizia a guar-


da. Aos risos, Feijão registrava


tudo da janela, mandando fotos


e mensagens pelo WhatsApp,


para um grupo que inclui o pró-


prio Jatubá. Indignado, Jatubá


disparou um áudio contra Fei-


jão: “Oh, chifrudo. Tamo fazen-


do armoço. Tamo em seis aqui,


oh chifrudo. Foi você que de-


nunciou, né?” Jatubá, depois


de muita conversa, conse-


guiu mostrar que só tinha


seis pessoas em casa. A guar-


da deixou o almoço seguir.


O grupo veio abaixo. Cho-


rando de rir, os amigos saí-


ram em defesa de Feijão. Car-
los, o “Ju”, mandou um áu-

dio: “Tá certim, Jatubá. Tem


de prende ocêis memo. É


seis! Num interessa. Você


não entende i-so-la-men-


to?”. A foto de Jatubá abrin-


do o portão para a guarda cor-


reu a cidade e chegou à prefei-


tura. Numa “live”, o prefeito


Rodrigo Lopes (PMDB) lem-


brou a população sobre a qua-


rentena. E no grupo de What-


sApp, Jatubá recebeu ainda


outro alerta dos amigos, para


que não brinque com o cono-


ravírus. “Cê tem mais de 60,


Jatubá...”


Água e sabão ainda são o melhor para a limpeza. Pág. A19 }


lAflição


‘ARMOÇO’ VIRA CASO


DE POLÍCIA EM MINAS


Tulio Kruse


Em meio à recomendação de


isolamento social, o aumento


na demanda pelo gás de cozi-


nha tem provocado filas em dis-


tribuidoras na região metropoli-


tana de São Paulo. Empresas ci-


tam alta repentina na procura


pelo botijão – e há quem faça


estoque em casa, com medo de


desabastecimento.


Na zona norte da capital, mo-


radores relataram dificuldades


para encontrar o produto on-


tem durante toda a manhã. O


abastecimento de uma distri-


buidora na Freguesia do Ó teve


de ser antecipado durante a tar-


de. Clientes ficaram mais de


duas horas na fila após o anún-


cio de um novo carregamento.


“Não estão entregando o boti-


jão, até porque nos disseram


que o volume de pedidos está


muito grande, então as pessoas


têm de vir aqui”, contou o super-


visor de manutenção aposenta-
do Gilberto Silva, de 58 anos,

que estava na fila havia uma ho-


ra. Ele relatou que algumas dis-


tribuidoras aumentaram o pre-


ço em cerca de 50%. “Na Brasi-


lândia estavam vendendo o boti-


jão a R$ 120, aqui está R$ 86. O


brasileiro se aproveita de qual-


quer situação para ganhar.”


A cena se repetiu em locais


como Itaquera, na zona leste,


Lapa, na oeste, e em municípios


como Francisco Morato e


Mauá, segundo relatos envia-


dos ao Estado. Uma fila com


dezenas de carros congestio-


nou a Avenida Alberto Soares


Sampaio, em Mauá, em frente a


uma distribuidora. Em Francis-


co Morato, uma moradora rela-


tou que esperava havia três dias


por uma encomenda de boti-


jões. “Moradoras estão relatan-


do que acabou o gás em vários
locais, e em algumas revendedo-

ras o telefone só toca e ninguém


atende. Mesmo em distribuido-


ras mais distantes não estão


conseguindo comprar”, conta a


designer Lilian Wutzke, que tra-


balha em uma ONG que atende


moradores da zona leste.


Demanda. Empresas que traba-


lham com a distribuição do gás


de cozinha relatam um aumen-


to repentino na demanda ao lon-


go da última semana e uma mu-


dança no comportamento de


clientes, que passaram a guar-


dar mais botijões em casa.


A Consigaz diz que tem entre-


gado aos revendedores quanti-


dades de botijões superiores ao


planejado para o período e, mes-


mo assim, tem sido insuficien-


te. “O consumidor deve estar


antecipando a compra de gás ou


até adquirindo um botijão de re-


serva, o que é desnecessário”,


informou a empresa.


A Ultragaz também vê aumen-


to da demanda. “Para dar uma


ideia, na Grande São Paulo, só a


Ultragaz comercializa 1,5 mi-
lhão de botijões de 13 quilos por

mês. Somente na última sema-


na, além da demanda normal,


houve aumento de 300 mil boti-


jões adicionais.” A empresa dis-


se repudiar a prática abusiva de


preços e informou que orienta


revendedores em relação ao te-


ma. A companhia pede que con-


sumidores fiquem em casa e uti-


lizem o telefone e canais de ven-


da online para os pedidos.


Quem trabalha no local


reclama da sujeira dos


banheiros e da falta de


material básico, como


sabonete e álcool em gel


“O banheiro está largado


como sempre foi e


estou com medo porque


estamos desprotegidos.’’


Luiz Carlos Alves de Oliveira


FUNCIONÁRIO DE UMA FRUTÍCOLA

NA CEAGESP

Na Ceagesp, cuidado


com a higiene ainda


está longe do ideal


ACERVO PESSOAL

Andradas. Reunião com mais de dez pessoas está proibida


Fim de festa


Vizinho denunciou escapulida da quarentena


Como o Estado mostrou


ontem, um grupo de 150 bra-


sileiros está retido na Índia


e pediu auxílio ao governo


brasileiro. Três dias atrás, o


país asiático deu início a


maior quarentena do plane-


ta, com ordem para que cer-


ca de 1,3 bilhão de indianos


fiquem em casa.


PARA LEMBRAR


Há relatos de filas em


distribuidoras na capital


e na Grande São Paulo;


empresas pedem que


não seja feito estoque


Medo de desabastecimento leva


à corrida por botijão de gás


Freguesia do Ó. Fila para comprar gás demorou mais de duas horas ontem e consumidores relataram preços abusivos


Fronteira aérea é fechada por 30 dias


Todos os estrangeiros terão entrada vetada; medida não atinge cargas, imigrantes que moram no País ou parentes diretos de brasileiros

Free download pdf