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A2 Espaçoaberto SÁBADO, 28 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Até o momento, a nossa res-
posta – o distanciamento so-
cial – não só vai contra os nos-
sos desejos fundamentais de
interação, como também con-
tra a maneira como construí-
mos as nossas cidades. Elas se
destinam a ser ocupadas e ani-
madas coletivamente. Para
muitos sistemas urbanos fun-
cionarem adequadamente, a
densidade é o objetivo, não o
inimigo. A ameaça de hoje é
um tipo completamente dife-
rente de desafio à solidarieda-
de e a nossa maneira de viver.
Precisaremos inventar uma es-
tratégia diferente, juntos.
http://www.estadao.com.br/e/isolamento
D
ias de pandemia pe-
dem solidariedade,
clareza, entendimen-
to. Alimentar o confronto, a
disputa, a politização é contri-
buir para a disseminação do
mal. Exigem-se ações coorde-
nadas, sintonia, orientação.
Nenhum cidadão pode deixar
de contribuir. Teremos de
reaprender a viver e quanto
antes desarmarmos os espíri-
tos, melhor.
Jair Bolsonaro permanece
alheio aos sinais do tempo. É
assustador. Seu último discur-
so à Nação (24/3) foi uma pro-
vocação recheada de platitu-
des, mentiras e agressões. Ne-
nhuma grandeza, nenhuma
generosidade, a mesma fala-
ção colérica de sempre. Em
vez de passar confiança, pro-
vocou insegurança. Conti-
nuou a radicalizar, a debo-
char, a fazer pouco-caso, a
atacar. Brigou com as diretri-
zes sanitárias da própria ad-
ministração e aumentou o ruí-
do com os governadores esta-
duais, em detrimento da uni-
dade federativa tão necessá-
ria. A reação foi forte, mas
não houve recuo.
Sua intervenção não se de-
ve só ao baixo nível e a uma
instável condição emocional.
Há cálculo nela. O olhar re-
pousa em 2022 e no esforço
para recuperar o capital políti-
co que, a esta altura, está em
franca evaporação. É um cál-
culo rasteiro, repleto de es-
pasmos de ódio, mesquinha-
ria e paranoia, narrativa e
ideologia. Torpedeia o bom
senso, esbofeteia a realidade.
Criar confusão é um cami-
nho clássico das manobras
contra a democracia. Todo au-
toritário gosta de respirar o
ar da beligerância. Não é dife-
rente com Bolsonaro. O foco
é confundir a população, de-
sorganizar os sistemas, pas-
sar por vítima, para que se fo-
mente a expectativa de que
apareça a figura sinistra do
“salvador”.
O presidente parece acua-
do e se deixa guiar pelas áreas
mais extremadas de seu nú-
cleo principal, o “gabinete do
ódio”. Os ministros, salvo
uma ou outra exceção isola-
da, batem-lhe continência. Fe-
cham-se num mutismo in-
compreensível, covarde. Nos
bastidores, muito ruído e in-
formações cruzadas, indício
de que o clima ficou pesado.
Há quem o aplauda e rever-
bere suas ideias. São pessoas
encolerizadas, que trafegam
pela estrada do irracionalis-
mo. O desleixo e a irresponsa-
bilidade de Bolsonaro são vis-
tos como prova da disposição
de não ceder à pressão dos po-
líticos, da imprensa e dos in-
teresses internacionais. Suas
falas destrambelhadas e rea-
cionárias são desculpadas em
nome da ideia de que “antes
dele era pior”. Pelas redes, o
“gabinete do ódio” manda: ba-
tam nos governadores e pre-
feitos, que estão a causar re-
cessão e desemprego. Os
bumbos soam.
Os eleitores circunstan-
ciais de Bolsonaro, aqueles
que nele votaram para derro-
tar o PT, já devem ter percebi-
do o engodo em que caíram.
Mas os bolsonaristas de
“raiz” permanecem ativos.
Gostam do estilo grosseiro
de Bolsonaro, o “mito”. São
fanáticos, agressivos, ressenti-
dos, preconceituosos, têm
profunda aversão à política e
à democracia representativa.
O questionamento da po-
lítica democrática é uma pé-
rola dos manipuladores do
sentimento popular. Está no
miolo da extrema direita
atual, encontrando sua câma-
ra de eco na figura daqueles
“engenheiros do caos” tão
bem analisados por Giuliano
Da Empoli. Sob a bandeira do
iliberalismo e do autoritaris-
mo reúnem-se populistas, na-
cionalistas, ultraconservado-
res, neonazistas, uma fila
imensa de gente com ódio no
coração. Todos falam em
combater os políticos, lutar
contra a esquerda, fechar a
nação, defender a “pátria” e
as pessoas comuns.
O bolsonarismo emergiu
sem base organizada, lidera-
do por um deputado tosco e
inexpressivo. É uma agitação
com baixa densidade associa-
tiva. Sua reprodução se dá
nas redes. Luta para erguer a
Aliança pelo Brasil, uma in-
cógnita. Está limitado pela au-
sência de propostas para o
País, pela baixa qualidade de
seus quadros, por sua escassa
civilidade, pelo uso intensivo
da mentira. O bolsonarista-
raiz é intolerante, tem instin-
to persecutório e vê traidores
por toda parte, sinal de uma
fragilidade psíquica que se
traduz em arrogância. Está
também desprovido de pensa-
dores com capacidade de ela-
boração intelectual. Vive do
combate a inimigos imaginá-
rios. São traços que dificul-
tam a construção partidária e
levam ao canibalismo dentro
da própria organização.
A pandemia é um repto à
humanidade e aos diferentes
países. Desafia os democra-
tas, que precisam se articular
para agir sobre a vida. Quem
chegou ao governo deve mos-
trar que sabe enfrentar um
quadro de calamidade públi-
ca. Até agora, o bolsonarismo
tem sido um fiasco. Seu líder
máximo explora uma crise
epidêmica mortífera, indife-
rente à desgraça da popula-
ção. Os recorrentes panela-
ços dos últimos dias indicam
que a base bolsonarista se es-
treitou e muitos cidadãos es-
tão escandalizados com a con-
duta insensata e insensível de
Bolsonaro.
Veremos se essa tendência
se confirmará. O importante,
agora, é defender as institui-
ções democráticas, apoiar o
sistema de saúde e respaldar
governadores e prefeitos, de
Doria a Caiado, que fazem
um trabalho de coordenação
que Bolsonaro, na ânsia de ti-
ranete sem preparo, jamais se-
rá capaz de fazer.
]
PROFESSOR TITULAR DE
TEORIA POLÍTICA DA UNESP
Paralisação forma novos
hábitos que beneficiam pla-
taformas digitais.
http://www.estadao.com.br/e/facebook
CORONAVÍRUS
A pandemia e o desejo de conexão
Ex-ministra disse que o es-
porte era para lembrar as
meninas de que seu gênero
ou nacionalidade não eram
“uma desvantagem”.
http://www.estadao.com.br/e/somalia
l“A maioria dessas pessoas não morreu por causa da covid-19, morreu
por causa de problemas de saúde que elas já tinham.”
GLAUCIO BATISTA DE ALMEIDA
l“A Itália também ignorou a quarentena e abriu comércios, agora
empilha 969 corpos por dia.”
RODOLFO LEAO
l“A Itália é o país que tem a população mais idosa do mundo. Ainda
teve um surto de tuberculose recente.”
TONI MELO
l“Nunca teve um vírus que matou mais de mil pessoas em um dia.
Tem gente que não caiu na real ainda?”
BRUNO HENRIQUE
COMENTÁRIOS
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA
IGUALDADE
Corrida de mulheres
cresce na Somália
Vencedora do Grammy mos-
tra aos jovens um caminho
para serem eles mesmos e
uma multidão de meninas
repercute esse sentimento.
http://www.estadao.com.br/e/musica
CALLA KESSLER/THE NEW YORK TIMES
Espaço Aberto
O
mundo debate as estra-
tégias para lidar com a
pandemia do coronaví-
rus. Países ricos, como a Ale-
manha, os Estados Unidos e
até a Inglaterra, acabaram ado-
tando o isolamento horizon-
tal, isto é, a paralisação do tra-
balho em estabelecimentos co-
merciais, exceto os considera-
dos “serviços essenciais”.
Governadores e prefeitos
brasileiros logo seguiram a es-
tratégia dominante e decreta-
ram o fechamento do comér-
cio e dos serviços não essen-
ciais, restringindo até trans-
porte público em algumas ci-
dades. Tais decisões foram de-
sacompanhadas de quaisquer
estudos que avaliassem o im-
pacto econômico em médio
prazo no País.
Acontece que a curva de
transmissão da covid-19, re-
centemente divulgada pelo mi-
nistro da Saúde, prevê que o
contágio se acelerará durante
os meses de abril, maio e ju-
nho, com o platô começando a
cair só em agosto e com queda
mais acentuada em setembro.
Nesse contexto, muitas autori-
dades parecem defender a pa-
ralisação de tudo até lá.
Todavia autoridades e médi-
cos precisam, urgentemente,
reconhecer as condições de vi-
da da maioria dos brasileiros,
que dependem do trabalho
diário para sobreviver. O IB-
GE contabiliza 40 milhões de
trabalhadores informais no
País. Em estimativa conserva-
dora, se cada um for responsá-
vel pelo sustento de mais um
membro da família, tem-se 80
milhões de brasileiros sem
perspectiva de renda. Entre
eles, doceiras, pipoqueiros,
vendedores ambulantes, ma-
nicures, etc. O governo fede-
ral propõe o pagamento de
pouco mais de meio salário
mínimo para famílias inteiras
viverem isoladas, o que signifi-
ca, na realidade, que passarão
fome no ostracismo, acumu-
lando contas para pagar. Sem
falar dos atuais 12 milhões de
desempregados e dos novos
milhões que a eles já se so-
mam, ainda não contabiliza-
dos. Com alto risco de o di-
nheiro não chegar a tempo.
É urgente admitir a incapa-
cidade financeira – e histórica
- do Estado brasileiro de ali-
mentar os necessitados se a
paralisação forçada persistir
por meses a fio, afetando por-
centagem que certamente ul-
trapassará com folga mais da
metade da população.
Infectologistas renomados
já se manifestaram contra po-
líticas de isolamento na ausên-
cia de sintomas do vírus, co-
mo o professor titular Esper
Kallás, do Departamento de
Moléstias Infecciosas da Fa-
culdade de Medicina da USP,
em entrevista ao Estado
(17/3). Kallás criticou políti-
cas de fechamento de estabe-
lecimentos de maneira des-
coordenada, que resultam em
“apagão econômico”, pois
“não dá para parar tudo por
muito tempo”. Isso é, de fato,
impossível, sem provocar fo-
me generalizada e colapso so-
cial, com perspectiva de sa-
ques e aumento exponencial
da criminalidade.
A política de isolamento ho-
rizontal ignora o fator tempo
e os impactos sociais e econô-
micos decorrentes. Além dis-
so, Kallás alertou que há sé-
rio risco de que, quando os
governos permitirem a rea-
bertura, o vírus volte a se alas-
trar e a contaminação cresça
novamente.
É compreensível que autori-
dades tentem ganhar tempo
para providenciar os leitos e
equipamentos necessários pa-
ra salvar vidas, mas é falacio-
so alegar que a paralisação até
meados de abril resolverá o
problema. A estratégia mais
factível de médio prazo entre
nós é a de “isolamento verti-
cal”, a qual prevê o isolamen-
to dos grupos de risco, permi-
tindo que os mais jovens vol-
tem a trabalhar, com as devi-
das precauções, para susten-
tar sua família. Deve-se pen-
sar em como fazê-lo.
Em artigo no Estado (23/3),
Zeina Latif corajosamente cri-
tica o fechamento de todas as
escolas de ensino fundamen-
tal em comunidades carentes,
que não levou em conta a si-
tuação dramática de crianças
confinadas em favelas sem sa-
neamento básico, sem ventila-
ção, sem comida em casa e
sem merenda – e até expostas
a possível aumento da violên-
cia doméstica. Atente-se para
o exemplo da Inglaterra, que,
apesar de fechar escolas, auto-
rizou atendimento escolar es-
pecial a filhos de colaborado-
res críticos que precisam tra-
balhar. Também aqui a solu-
ção deveria ser mista, permi-
tindo o seu funcionamento
quando necessários.
Analisando o impacto da pa-
ralisação, editorial do Wall
Street Journal (19/3) colocou-
se contra a política americana
do apagão econômico, defen-
dendo não ser sustentável.
Trump disse que quer reabrir
a maior parte da economia
dos Estados Unidos antes da
Páscoa, pois sabe que nem o
pacote proposto de US$ 2 tri-
lhões sustentaria a paralisa-
ção por vários meses.
No Brasil, com renda per ca-
pita tremendamente inferior à
americana, o confinamento da
população por meses mostra-
se inviável, pois haverá cresci-
mento real do número de mor-
tes decorrentes da rápida sub-
nutrição e perda de imunida-
de, resultando em probabilida-
de maior de contaminação
por coronavírus. Por essas e
outras razões, é provável que
a estratégia de isolamento ho-
rizontal, no longo prazo, leve
à morte mais pessoas do que
haveria com a adoção da estra-
tégia de isolamento vertical.
]
DOUTORA EM DIREITO COMERCIAL
PELA USP, COM PÓS-DOUTORADO
PELA UNIVERSIDADE DO TEXAS,
FOI PROFESSORA NAS UNIVERSIDA-
DES DO TEXAS, CORNELL E VANDER-
BILT, DIRETORA DO CENTRO DE
DIREITO EMPRESARIAL DA YALE
LAW SCHOOL E PESQUISADORA
EM STANFORD E YALE
PUBLICADO DESDE 1875
LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
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Érica Gorga
Tema do dia
Interessados terão acesso a
conteúdos exclusivos para
lidar com a ansiedade.
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Estratégias regulatórias
de combate à covid-
Estratégia de isolamento
horizontal pode levar à
morte mais pessoas que
a de isolamento vertical
O bolsonarismo, o presidente
e o vírus
O importante é defender
as instituições, apoiar
o sistema de saúde,
respaldar Doria, Caiado...
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causa do coronavírus, e há ao menos
86.498 infectados
]
Marco Aurélio Nogueira
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