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B4 Economia SÁBADO, 28 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
ADRIANA
FERNANDES
O
enfrentamento da grave cri-
se econômica provocada pe-
la pandemia da covid-19 não
pode se transformar numa disputa
política de quem dá mais dinheiro.
Dos “R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões ou
R$ 5 bilhões” anunciados pelo minis-
tro da Economia, Paulo Guedes, no
último dia 13 de março, para “aniqui-
lar” o coronavírus, o governo pas-
sou nesta sexta-feira para uma pro-
messa de injeção de R$ 700 bilhões
na economia brasileira nos próxi-
mos meses.
Entre a primeira resposta da equi-
pe econômica à crise até a nova ci-
fra, passaram-se 14 dias. Mudança
louvável e tomara que ainda tenha
chegado a tempo de mitigar o cená-
rio devastador já em curso no Brasil
e no mundo.
Que se gaste todo dinheiro necessá-
rio para salvar vidas, o emprego dos
trabalhadores e impedir uma quebra-
deira geral.
Mas a hora agora é também de foco e
muita transparência. Mas muita trans-
parência! Ainda estamos longe dela.
Medidas foram anunciadas pelo gover-
no sem o texto legal pronto, no afã de
dar respostas à cobrança crescente por
ação.
É preocupante demais a tentativa do
presidente de restringir os instrumen-
tos da Lei de Acesso à Informação
(LAI), justamente agora. Péssimo si-
nal.
Não pode haver drible na contabili-
dade e muito menos espaço para esco-
lhas do tipo “quem vive e quem mor-
re”.
Vale para as pessoas e também para
as empresas. Em crise passadas e ainda
muito presentes na memória, muitas
escolhas foram feitas para beneficiar
os amigos do rei. O presidente Jair Bol-
sonaro tem também seus empresários
de estimação – apoiadores de sempre.
Muitos deles dos setores mais afeta-
dos pelo isolamento forçado e a parali-
sação do comércio.
Nos primeiros dias de enfrentamen-
to das crises econômicas de grande
magnitude, como a que vivemos agora,
é comum a confusão inicial na busca
pelo caminho das medidas. Faz parte
do processo. Agora, com o risco de con-
taminação, a tarefa é ainda mais com-
plicada.
É por isso que o momento exige ação
forte da política fiscal, com expansão
dos gastos, mas também muita visibili-
dade de como essa montanha de di-
nheiro será gasta e o seu tamanho real.
Se o Tesouro capitalizar os bancos pú-
blicos, tudo tem que estar bem visível.
A sociedade precisa saber com clare-
za o que está empenhando dos seus
recursos para combater a crise do no-
vo coronavírus. E precisa estar infor-
mada para combater o oportunismo
que pode surgir durante esse proces-
so.
Com lupa, essas horas cruciais serão
mapeadas no futuro. A ajuda tem que
ser feita com máximo cuidado para
que não haja direcionamento, discrimi-
nações e muito menos transferência
de dinheiro para quem menos precisa
agora.
Por isso, o orçamento “paralelo”, pa-
ra apartar os gastos da crise, é uma boa
ideia. Para isso, a PEC do “orçamento
de guerra” articulada pela Câmara é a
ideal, mais abrangente e com melhor
controle para a sociedade.
Empurrado pela pressão do Con-
gresso e da sociedade, o governo acor-
dou e começou a dar sinais nessa sex-
ta-feira de que deixa para trás a morosi-
dade, com o anúncio de medidas mais
potentes. O time de Guedes e os presi-
dentes dos bancos públicos negocia-
ram um plano de salvamento.
A cartilha liberal dos “Chigago Ol-
dies” foi colocada na gaveta. Há um
ano, o discurso da equipe econômi-
ca era deixar Caixa, Banco do Brasil
e Petrobrás “bem magrinhas”.
Quem não lembra?
A estratégia da equipe econômica
era essa, para depois privatizar es-
sas estatais, num eventual segundo
mandato do presidente Jair Bolso-
naro. Esses planos devem passar
uma revisão mais tarde?
Bancos públicos, principalmen-
te a Caixa, que é a ponte principal
do governo com a população de bai-
xa renda e vulnerável, assumem
um papel essencial na crise. Os ban-
cos privados, como se viu na últi-
ma semana, se fecham até que o
governo vá lá e abra as portas para
eles.
O presidente da Caixa, Pedro Gui-
marães, terá que conduzir esse mo-
mento com zelo e cuidado para de-
fender a sustentabilidade do banco,
que está muito líquido.
O momento é de guerra.
]
É JORNALISTA
Emily Cochrane
Sheryl Gay Stolberg
THE NEW YORK TIMES
WASHINGTON
O Congresso dos Estados Uni-
dos aprovou ontem o maior pa-
cote de estímulo econômico da
história americana, uma medi-
da de US$ 2 trilhões projetada
para responder à pandemia de
coronavírus, distribuindo paga-
mentos diretos e benefícios a
desempregados, repassando di-
nheiro aos Estados e prevendo
um enorme fundo de socorro a
empresas atingidas pela crise.
A Câmara aprovou a medida
por aclamação, depois que os
líderes de ambos os partidos
rejeitaram a tentativa do repu-
blicano Thomas Massie – depu-
tado pelo Kentucky que tende
a usar manobras processuais
para barrar as sessões – forçar
o voto registrado, o que exigi-
ria que os parlamentares regis-
trassem seus votos individual-
mente.
Horas depois da aprovação
pela Câmara, e apenas 48 horas
após ter sido aprovado por una-
nimidade no Senado, o presi-
dente Donald Trump assinou o
pacote no Salão Oval da Casa
Branca. “Eu gostaria de agrade-
cer democratas e republicanos
por trabalharem juntos, colo-
cando a America em primeiro
lugar”, disse Trump.
O projeto prevê pagamentos
diretos no valor de US$ 1,2 mil a
milhões de americanos, incluin-
do aqueles que ganhavam até
US$ 75 mil, com um adicional
de US $ 500 por filho. A iniciati-
va visa a expandir substancial-
mente a ajuda aos desemprega-
dos, proporcionando um adicio-
nal de 13 semanas e uma exten-
são de quatro meses nos benefí-
cios. E, pela primeira vez, con-
templaria também trabalhado-
res freelancers, temporários ou
sem vínculo empregatício.
A medida também visa a ofe-
recer a pequenas empresas US$
377 bilhões em empréstimos ga-
rantidos pelo governo e a esta-
belecer linhas de crédito gover-
namentais de US$ 500 bilhões
para empresas em dificuldades,
permitindo inclusive que o go-
verno assuma participações
acionárias em companhias aé-
reas que receberam ajuda, nu-
ma tentativa de compensar os
contribuintes. O projeto prevê
ainda um repasse de US$ 100
bilhões a hospitais na linha de
frente do combate à pandemia.
Votação. Os líderes da Câmara
haviam agendado uma votação
por aclamação, para reduzir o
número de parlamentares que
seriam forçados a voltar a
Washington no meio da pande-
mia. Massie, membro do ultra-
conservador Freedom Caucus
que criticou o projeto de lei, des-
crevendo-o como um grande
gasto para bancos e empresas,
tentou barrar essa iniciativa,
convocando uma votação regis-
trada.
Mas líderes republicanos e de-
mocratas chamaram membros
de todos os cantos do país para
formar um quórum e fizeram
uma verdadeira demonstração
de força na Câmara, reprimin-
do a tentativa de Massie de re-
tardar a aprovação da medida.
Com pelo menos 216 parla-
mentares presentes no plená-
rio da Câmara, as tentativas de
Massie fracassaram e o projeto
passou quando os deputados
declararam sua concordância
em voz alta. Massie e alguns ou-
tros gritaram “Não!” pouco an-
tes de o martelo bater.
A consultoria britânica Capi-
tal Economics destaca que o pa-
cote fiscal dos EUA é “sem pre-
cedentes”, tanto na velocidade
com que foi aprovado, quanto
na abrangência. “A maior notí-
cia é que o estímulo fiscal de
US$ 2 trilhões fornece cerca de
US$ 750 em assistência direta a
famílias, empresas e governos
estaduais”, comenta o econo-
mista sênior para EUA, Michael
Pearce. / TRADUÇÃO DE RENATO
PRELORENTZOU
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Idiana Tomazelli
Adriana Fernandes / BRASÍLIA
Pesquisadores do Instituto
de Pesquisa Econômica Apli-
cada (Ipea) sugerem que o go-
verno conceda reajuste de
até 29% no critério de acesso
e nos valores pagos pelo Bol-
sa Família e crie um benefício
extraordinário de R$ 450, por
seis meses, para todas as famí-
lias com renda de até meio sa-
lário mínimo por pessoa. As
medidas alcançariam o terço
mais pobre da população
num momento em que elas es-
tão vulneráveis à crise causa-
da pelo novo coronavírus.
As ações seriam combinadas
com a inclusão de 1,7 milhão de
famílias que estão na fila de es-
pera do programa. O gasto adi-
cional com as transferências as-
sistenciais em 2020 é calculado
em R$ 68,6 bilhões, mas mais de
80% dessa despesa seria tempo-
rária e restrita a este ano. O im-
pacto para o ano que vem seria
bem menor, de R$ 11,6 bilhões,
de acordo com a nota técnica
divulgada ontem pelo Ipea.
O cenário é apenas uma entre
as 72 alternativas desenhadas e
calculadas pelos pesquisadores
Luís Henrique Paiva, Pedro Fer-
reira de Souza, Leticia Bartholo
e Sergei Soares. De acordo com
o texto, as simulações foram so-
licitadas pelo Ministério da Eco-
nomia, que pediu “a construção
de cenários de intervenção para
potencializar o uso do Progra-
ma Bolsa Família (PBF) e do Ca-
dastro Único como mecanis-
mos de redução dos prejuízos
econômicos causados pela co-
vid-19 à população brasileira de
baixa renda”.
O trabalho também analisou
as dificuldades institucionais e
operacionais, uma vez que qual-
quer resposta à covid-19 para
dar suporte às famílias vulnerá-
veis precisam ser rápidas. “De
nada adianta uma boa resposta
que poderá ser operacionaliza-
da em 3 ou 4 meses, deixando as
famílias mais pobres sem recur-
sos durante o período mais críti-
co da crise”, alerta o texto.
Fila. A avaliação dos pesquisa-
dores é de que é preciso zerar a
fila de espera pelo Bolsa Família
e restabelecer o valor real das
linhas de pobreza e extrema po-
breza fixado no início do progra-
ma em 2004 nesse momento de
maior vulnerabilidade social.
Hoje, o benefício é pago a famí-
lias com renda mensal de até R$
178 por pessoa, e a extrema po-
breza é considerada quando o
valor é de até R$ 89 por pessoa.
Essas cifras, pela proposta, subi-
riam a R$ 230 e R$ 115, respecti-
vamente, o que ampliaria o nú-
mero de famílias aptas a ingres-
sar no programa.
Além disso, os pesquisadores
defendem a criação de um bene-
fício extraordinário a ser pago a
todas as famílias que estão com
cadastro atualizado no Cadas-
tro Único, base de dados do go-
verno federal para a inclusão de
famílias em programas sociais,
independentemente de elas re-
ceberem ou não o Bolsa Famí-
lia. Para ser incluído no CadÚni-
co, é preciso ter renda familiar
de até R$ 522,50 por pessoa.
O argumento dos pesquisado-
res é que as famílias que estão
no CadÚnico mas ainda não es-
tão na “linha de pobreza” que
justifica o pagamento do Bolsa
Família podem passar por um
“empobrecimento” durante a
crise do novo coronavírus. Isso
provocaria uma espécie de cor-
rida aos Centros de Referência
de Assistência Social (CRAS), já
sobrecarregados e que assisti-
riam a uma aglomeração de pes-
soas justamente quando a reco-
mendação sanitária é para que a
população fique em casa e evite
situações de alto risco de contá-
gio pela covid-19.
Durante a vigência do benefí-
cio extraordinário, os 30% mais
pobres da população brasileira
poderiam contar com uma ren-
da mínima mensal de R$ 450 por
família. Os beneficiários do Bol-
sa Família poderiam acumular
os pagamentos e teriam, em mé-
dia, uma segurança de renda
mensal de quase R$ 690 por famí-
lia. Após o fim do benefício ex-
traordinário, as famílias benefi-
ciárias do programa continua-
riam recebendo em média algo
próximo de R$ 240 por família
(R$ 77 per capita), valor 27%
maior do que o pago atualmente,
nos cálculos dos pesquisadores.
lAgradecimento
Pacote de US$ 2 trilhões contra
coronavírus é aprovado nos EUA
Luiza Trajano tem pedido para que sejam evitadas demissões. Pág. B6}
lAbaixo da pobreza
Instituto também sugere benefício extra de R$ 450, por seis meses, para famílias com renda de até meio salário mínimo por pessoa
E-MAIL: [email protected]
ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS
Quem vive e quem morre
O orçamento “paralelo”,
para apartar os gastos da
crise, é uma boa ideia
EVAN VUCCI/AP
“Eu gostaria de agradecer
democratas e republicanos
por trabalharem juntos,
colocando a America
em primeiro lugar.”
Donald Trump
PRESIDENTE DOS
ESTADOS UNIDOS
Estímulo prevê cheques
a desempregados,
repasse de dinheiro
a Estados e socorro
a empresas
Pressa. Trump sancionou pacote horas após ser aprovado
SERGIO MORAES / REUTERS–22/3/2020
Ipea quer reajustar Bolsa Família em 29%
“A concessão de benefícios
temporários é uma resposta
preventiva mais racional do
que simplesmente esperar
que essas famílias caiam
abaixo da linha de pobreza.”
TEXTO DO IPEA
Pobreza. Estudiosos estão preocupados com as pessoas mais vulneráveis na pirâmide social com o avanço da pandemia