- Olhe-me só esta gota doutor diga lá se não merecia estar no hospital de Luanda
ninguém ganha esta guerra
o capitão agarrado ao banco com o braço esquerdo e a soltar fogo com o direito,
dançando como um espantalho de trapo consoante os sacões do unimogue meus
queridos pais tudo calmo por aqui uma vida tranquila paz e sossego são umas férias
autênticas nenhuma baixa é evidente e ainda há quem acredite na propaganda dos
comunistas basta atirarmos um veri láite para os pretos fugirem que são todos
cobardes, o psicólogo do hospital para nós - Têm a certeza que não exageram nos horrores vocês?
e não exageramos senhor, garanto-lhe que não exageramos, a única maçada é estas
férias infelizmente tão rápidas e não tarda nada estamos juntos de novo para a mãe se
poder lamentar que engordei dado que o meu peso um drama para ela não para mim
da mesma maneira que os diabetes do pai uma doença sua não dele, a todas as pessoas,
já reparou, rouba as desgraças senhora, não me esquece o modo como indicou à minha
prima uma prateleira do jazigo - Quero esta
se calhar por causa do janelico através do qual podia olhar a serra e entreter-se com
os passarinhos, as árvores e os ginetos que surgiam lá em cima a rondar as capoeiras
quando na verdade não se irá entreter nem isto porque você não mais do que ossos que
borbulham e o tal vestido desbotado, a morte ficou-lhe com o resto a começar pelos
seus olhos dado que os óculos não viajaram consigo, durante meses moraram no cesto
da costura com uma das lentes colada com adesivo à armação até que os atirei para o
lixo, a minha mulher triste por si a quem você mal falava - Não tens pena?
comigo a responder-lhe - É da maneira que não se aflige que eu continue a engordar
embora os colarinhos me sirvam e a fivela do cinto sempre no mesmo buraco,
felizmente não teve tempo de rejubilar com as tuas pedras, de contar aos vizinhos, de
distribuir conselhos e ordens, disseram-me que enquanto estive em Angola ela sempre
de luto não por mim, por si mesma - O meu filho
com o meu muito maior do que o filho, a oportunidade para se lamentar aos vizinhos - A gente sofre mais do que eles pelo menos eu sofro muito mais que o rapaz
e portanto largue-me da mão, não me aborreça, vá à merda senhora, as pacaças
primeiro quietas, de cabeças baixas, depois aconchegando-se umas de encontro às
outras, pretas e brancas na claridade dos faróis, os soldados, fora dos unimogues,
correndo para elas e eu a correr igualmente, não lhes queimem as cubatas, não lhes
arranquem as orelhas, não lhes cortem as mãos, a tropeçar numa lomba, a levantar-me,
a continuar correndo, apenas o apontador de metralhadora no unimogue, muito mais
forte do que as costureirinhas dos turras, a rodar o cano para a direita e para a esquerda
sobre as nossas cabeças, com chamazitas vermelhas nos canos enquanto tudo aquilo, a
máquina e ele, pulavam, uma das pacaças, uma fêmea, ajoelhou devagar a fixar-nos,
não havia pretos a escaparem-se, não havia cubatas, uma delas embateu contra o
unimogue sem conseguir levantar-se, um furriel para o condutor
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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