- Atropela-a
que eu demorei a entender por causa dos gritos, os mabecos espiavam-nos de longe,
ocultos no capim, há quanto tempo a minha mulher não, há quanto tempo nós não e
mesmo assim um sorriso mas tão pobre, só um parêntesis de cada lado da boca, puxar
os lábios para cima não imaginas o que custa mas bem tento, no outro lado do biombo,
ao vestir-me sozinha antes de vos ouvir conversar baixinho, cheios de medo, acerca do
cancro, gosto da borboleta de metal no casaco azul e vocês nem por isso, eu que detesto
a morte do porco e me calo, eu que tenho muito medo desta doença e quero tanto
acreditar nas pedras, concordar com o médico - Claro que sim as pedras
animar-me com o médico - Claro que sim isto resolve-se
a pacaça de joelhos, as gê três e a metralhadora que não cessavam de cantar, o
municiador uma segunda fita, o municiador uma terceira fita, os gestos e os gritos do
capitão afogados pelos estampidos enormes e os clarões do escuro, os meus ouvidos
incapazes de escutarem, a minha boca incapaz de falar, eu para a minha mulher ainda
não minha mulher - Dá-me licença que a acompanhe?
e ela primeiro como se não me ouvisse, depois a ouvir-me, depois a espantar-se,
depois de cabeça baixa, um cisco hesitante - Pode ser
um crocodilo surgiu lentamente e desapareceu rápido no lodo do rio, com metade
da órbita submersa e metade de fora, o alferes que comandava a coluna de
reabastecimento escondido sob uma das camionetas a chorar de pavor durante a
emboscada, envidraçado de lágrimas, ranho, mijo, pó, agarrando-se às ervas da picada
e um sargento a pontapeá-lo, nem sequer corremos riscos palavra férias divertidas, o
sargento a puxar-lhe uma perna - Seu cabrão
de maneira que amarrar-lhe os tornozelos, pendurá-lo do gancho, empurrar o
alguidar para o sangue, espetar-lhe uma faca no pescoço e esperar que a pouco e pouco
deixe de torcer o corpo e se cale, eu para a minha mulher no quarto da aldeia aquele
onde os meus pais dormiam quando a casa ainda cheirava a casa, ainda pessoas na rua,
ainda o padre aos domingos para a missa, sempre de cachecol porque a garganta fraca,
a tropeçar no latim saltando parágrafos do livro, o sargento para o alferes - Seu merdas
o psicólogo do hospital para a gente - Seu merdas?
e o capitão a abrir os braços ordenando que cessassem o fogo, ajudei a minha mulher
a levantar-se, a vestir-se - Estou bem
de aliança não no anelar, no médio para que não lhe caísse, tudo escorrega dos
dedos, conseguia andar, aquecer a comida, sentar-se à mesa conosco, servir-nos, em
nova foi professora na escola e portanto sabia as serras, os rios, os verbos todos,
transferiram o alferes da emboscada para o norte, o aviãozito do correio levou-o sem
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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