e lá vinha a secretária, lá vinha o biombo, lá vinham as manchas brancas na
radiografia que o lápis encarnado cercava, um retrato, na secretária, de uma senhora
com uma criança ao colo, nenhuma delas rodeada por um círculo vermelho e que
portanto o médico não via, se me passasse pela ideia perguntar-lhe
- Como era África pai?
o jornal ainda maior, com um sapato a bater no soalho, distantíssimo, devia haver
cadelas que em lugar de perdizes nos apanhassem pedras dos rins, o meu irmão a
responder pelos dois - Quase não me ficou nada na memória
um velho com uma máquina de costura, um homem pintado a dançar bebendo o
pescoço de um galo, velhas a baterem palmas - Euá
de cachimbo na boca, cães minúsculos ao sol, ervas a arderem, rios, o meu pai para
mim - O que tu cresceste miúda
e não cresci assim tanto, tenho treze anos agora, começa a nascer-me o peito, volto
sozinha da escola, arranjei uma amiga chamada Elisa a quem o tio toca às vezes nas
coxas recomendando-lhe segredo - Não contes nada aos teus pais
enquanto ela pensa - Contar o quê se é só isto?
um dedo na forquilha do corpo e os restantes atentos ao corredor, à cozinha, o pai
desconfiado, numa voz mais espessa - Se o Aurélio se chegar a ti avisas-me logo
ele que não largava a irmã mais nova da esposa sempre a prender-lhe a saia - Quando é que deixas de me escapar rapariga?
e de fato a irmã mais nova da esposa cada vez mais lenta a soltar-se dando-lhe
pancadinhas nas mãos - Sempre atrevido o malandro
numa espécie de descompostura que se transformava em risinho, o meu irmão para
mim na voz lenta que não nos pertence, vinda de muito longe, com que narramos os
sonhos - Havia uma mulher de bruços no quimbo sem falar comigo se a mandioca faltava
dava-me de beber no peito
uma mulher de bruços, sem falar com ele, que os cabíris farejavam rasgando-lhe a
roupa e a criatura tentava afastar com o pilão, um dos cabíris, gemendo de fome,
abocanhou-lhe uma das pernas, um alferes pegou-o pela cintura e ergueu-o no ar
enquanto o meu irmão o afastava, um resto de árvore a arder, o milho queimado, uma
única calache a disparar ainda, não se percebia bem onde, contra a tropa, atrás do milho
talvez ou a seguir a uma lavra e que uma granada calou, escutava-se o vento no cacimbo,
escutavam-se os caules, escutavam-se gê três mas ao longe, escutava-se a nespereira
da casa da aldeia cujas folhas secavam, tudo morre aqui também menos o porco a
comer, um cabrito a cabecear de pânico chamando uma fêmea morta, uma galinha a