e o apontador de metralhadora, que nunca falava com ninguém, sei lá porquê a
chorar, depois encostou-se a uma mangueira e ficou assim que tempos
- Raios parta raios parta
enquanto as vergonhas inúteis do outro desaparecidas na explosão, o comandante - Cada um destes rapazes
e não disse, cavalinho, cavalinho, mais nada, um sujeito de cabelos brancos de quem
às vezes, cavalinho, palavra de honra que gostava, não sei porquê mas gostava, marcas
azuis e vermelhas no mapa de Angola na parede, uma fotografia de mulher na
secretária, uma segunda fotografia de uma senhora de idade, ou seja caras de pessoas,
nós não, se olhava em volta nada entre o colarinho e a testa, não existimos, não somos,
vamos morrer aqui, uma rapariga caminhando na minha direção, com um vestido claro
em que de início, até que as pedras se tornem mais leves que a água, não reparei e era
ela, palavra de honra, era ela e o mesmo trajeto lado a lado, o mesmo silêncio, por duas
ou três vezes, eu nem acreditava, o cotovelo para trás e para frente, ao caminhar,
roçando no meu sem que nenhum de nós fingisse notar, duas ou três vezes, depois mais
duas ou três vezes, depois o que faço eu no emprego, depois o que faz ela no emprego,
depois a mãe doente, depois o trabalho do pai depois um irmão no Luxemburgo para
escapar à tropa, depois o pai zangado com o irmão por escapar à tropa, depois já não
zangado com o irmão, depois um destes Natais visita-nos, tem uma esposa, tem dois
filhos tem, mesmo que seja mentira o que diz, saudades da gente, o perfil dela mais
jeitoso ao falar da família e eu a sentir-me tão feio, ela por piedade - Feio feio não digo
acrescentando um soslaio divertido a sossegar-me - Estava a brincar claro
e foi a primeira, não pares de comer porco, não pares, vez que sorriu, até hoje, ao
sorrir, fica sempre tão adolescente de súbito, com um dos caninos ao léu, desde que a
história das pedras começou não o tenho visto, o médico, sempre que ela surgia já
vestida do biombo, apertando o último agrafe, a encorajá-la - Isto vai devagarinho mas vai
porque a última coisa a fazer é destruir o moral dos doentes, quando o moral vacila
piora-se logo, temos de manter as pessoas animadas, confiantes, fazê-las acreditar na
cura com uma pancadinha nas costas - Toda viçosa hoje
da mesma maneira que se alimentam os porcos para os matares felizes, mais um
balde com bolotas, mais um alguidar de cascas, mais restos do nosso almoço, ossos de
frango, peles, essas coisas que se empurram com a faca para a borda do prato e a minha
mulher ia juntando noutro prato mais pequeno a fim de que eu não as mastigasse por
engano, já começava a conversar com ela a caminho do escritório, já começava a ter,
ainda que a medo, opiniões, preferências, já começava a pensar como o soldado - Tenho a certeza de não ser capaz
se por acaso me vinham coisas atrevidas à ideia que me faziam corar e a minha
mulher, ainda não minha mulher claro, apenas uma conhecida apesar dos cotovelos,
cada vez mais frequentes, demorando-se uns segundos, por acaso é óbvio, sem dar por