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E quando o Cessna da Jaea me deixou no Luso, e quando o Nord Atlas me deixou em
Luanda, e quando a carrinha da Força Aérea me deixou no Estado Maior, e quando o
táxi me deixou na pensão da Mutamba, e quando o dono da pensão me deixou no
quarto do segundo andar, e quando fechei a porta e me sentei na cama com a mala
deitada, por abrir, no colchão e o autoclismo no cubiculozinho da esquerda continuou a
pingar, e quando tirei o blusão da tropa, e quando aliviei o nó da gravata, e quando despi
a camisa e fiquei nu da cintura para cima, só com a medalha de metal com o número
mecanográfico e o grupo sanguíneo ao pescoço, se por acaso um lança chamas me
queimasse todo a medalha resistia, de números e letras gravados, na janela sons de
machimbombos, automóveis e o sorriso manhoso do furriel enfermeiro a entregar-me
um cartuchinho
- As bisnagas de pomada antivenérea meu alferes oxalá as gaste todas
que enfiei debaixo do casaco civil a pensar na cara zangada da minha mulher,
embaraçado - Quinze dias de licença sem conhecer ninguém aqui o que é que eu faço?
o meu casaco civil há tantos meses na mala sobre o armariozinho de lata,
amarrotado, sujo, as camisas amarrotadas, sujas, as calças em harmônio, uma única
gravata com metade do forro, descosido, ao léu, na janela jipes, pessoas, pretos vestidos
como nós a acompanharem as traineiras de saída para a pesca, a voz do meu pai no meu
ouvido, longíssimo - É pena que este ano não te tenhamos na aldeia para o porco rapaz
enquanto eu tentava consertar o forro da gravata empurrando-o com o dedo, a
sentir-me mais sozinho que no arame farpado à hora em que os infelizes do quimbo
traziam as latas vazias estendendo-as numa esperança de sopa, passos no corredor da
pensão, um riso de homem, uma voz amuada de rapariga - Não me trates assim que não sou preta de musseque
e outras vozes na escada, outros passos, a retrete para todos ao fim do corredor,
sempre com gente a protestar, zangada, do lado de fora da porta e os protestos do lado
de dentro ampliados pelos azulejos, mal se entra na retrete a voz aumenta logo, com
um pingo de torneira mal vedada a estoirar na loiça enquanto as palmeiras da marginal
agitavam os braços quase a erguerem-se do chão, cambistas avacalhados, de pastinha,
trocavam angolares por escudos a tropas à paisana e sujeitos descalços impingiam nas
esquinas crocodilos de pau, Luanda isto e musseques, cães vadios, miséria, o meu pai a
censurar-me na saleta da aldeia - Não estavas melhor conosco?
como se a culpa fosse minha, como se tivesse escolhido, um dia cheguei do emprego
e um papel à minha espera, não na arca da entrada onde se punha o correio e onde
havia um prato de barro com uma maçaneta, um frasco de xarope vazio e chaves, no
bolso do avental da minha mãe que mo estendeu sem me olhar - Isso é para ti
um papel que ela amarrotou não sei como e parecia molhado, entregue como se
estivesse zangada, eu a pensar