que sei eu de ti, duas ou três fotografias, uma boneca, num fundo de arca, com um único
olho, o outro uma esferazita de vidro perdida sei lá onde, que esquisito não existirem
galinhas e cabras aqui, que esquisito as estrelas não fazerem ruído pelas mangueiras
fora, um braço da minha mulher sobre o meu mas o cheiro mudou, uma jarra nova na
cômoda ao lado de um retrato de mim, fardado, no barco para África, um outro oficial,
quase de costas, ao fundo
- Sinto nos vossos semblantes a alegria de irem servir a
o meu pai a tossir na marquise e a minha mãe no corredor, descalça porque a ponta
dos pés se demorava no chão, a trazer um copo de água para lhe acalmar a garganta,
senti os pelos da minha mulher contra o meu flanco e endureci, ainda pensei em
esconder-me mas os dedos dela agarraram-me e aumentei mais ao mesmo tempo que
a minha voz, sem que desse por isso - Desculpa
deu ela a afastar-se ofendida - Desculpa?
e andei ali uma boa meia hora com justificações e carícias até a convencer mas o - Amor
não veio nem a colaboração do costume, ela rígida a contemplar o teto, veio a
lâmpada do candeeiro no fim e um sobrolho policial com um beicinho por baixo - Viciaste-te nas pretas?
eu que nunca a vira chorar, notei um lenço, mas virada de costas, quando fui para
Angola, ao voltar-se um sorriso em arco íris, com mais roxo que as outras cores - Dois anos passam num instante
e - Sinto nos vossos semblantes
uma faixazita transparente, insegura, prestes a pingar-lhe do queixo e não pingou,
nunca tinha imaginado que uma farda doesse mas dói, nunca estive com uma preta
porque, não sei bem, só depois de mortas não me metem medo e além disso o cheiro
da pele, o cheiro da mandioca, o cheiro da terra, o major de operações fazia isso de
boquilha acesa, todo cercado de fumo, a rosnar - É pá e pá
baixinho, cada vez mais depressa, cada vez mais confuso até se calar de súbito,
felizmente nunca me apertou a mão, a boquilha não deixava, o comandante para ele, a
afastá-lo com a manga - Você tresanda a catinga
apesar de Lisboa, das árvores normais, das casas, das ruas, da ausência de pretos
tirando o meu filho, África continuava comigo num escape de camioneta, num ramalhar
de folhas, na impressão de que alguém a olhar-me onde não podia vê-lo, oculto numa
esquina ou numa penumbra de loja, se calhar leprosos na serra da aldeia, qualquer coisa
no vento onde presenças, cochichos, o meu pai para mim - Estás a ouvir o quê?
quando eu me endireitava, à mesa, à escuta, tentando agarrar na gê três que não
tinha, descobria-me a procurar o camuflado no armário de roupa, a minha mulher a
meio da noite